O mundo celebra hoje, 10 de dezembro, o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Essa data foi instituída pela ONU, porque foi em 10 de dezembro de 1948 que a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Esse documento contém “o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações” em matéria de direitos humanos. É uma afirmação coletiva de repúdio à barbárie e às atrocidades cometidas pelas guerras, ódios e violências do homem contra o homem.
Fez-se ali um compromisso com a humanidade, afirmando que outro mundo é possível, em um presente e em um futuro de esperança, de justiça e de paz. Numa construção, a partir da qual todos sejam respeitados em seus direitos básicos.
Esse foi um momento dos mais importantes do mundo em todos os tempos. Mas é importante fazer aqui uma reflexão, sobretudo, num país como o nosso, marcado por profundas desigualdades sociais, econômicas e políticas, que se arrastam ao longo de décadas.
A Constituição Cidadã de 1988 garantiu o respeito aos direitos e às garantias individuais, à liberdade, à justiça, à Saúde, à Educação, entre outros. Estamos consolidando, dia a dia, o Estado Democrático de Direito. Mas é preciso muita atenção e redobrada vigia.
Respeitar a nossa Constituição – uma das cartas sociais mais avançadas do mundo – é acarinhar a democracia e os direitos humanos. Colocá-la em prática é fazer pelo bem-estar de todos. Por isso ela é tão importante para a vida do país e da população.
A caminhada é longa, e ainda há muito por fazer. Temos que ter persistência, dialogar muito, mostrar os problemas, apresentar soluções, sempre fazendo a boa luta em defesa dos desamparados, dos discriminados, de todos os brasileiros.
Somos um país em que ainda imperam as desigualdades sociais; um país em que existe uma brutal concentração de renda, com aumento oceânico da pobreza e da miséria e da violência, onde o capital especulativo alcança lucros extraordinários.
O país tem 60 milhões de pobres, 13,5 na extrema pobreza e 45 milhões trabalhando na informalidade, sem nenhum direito. Com a pandemia da covid-19, poderemos alcançar mais de 20 milhões de desempregados.
Somos um país que não respeita os direitos das crianças, dos idosos, dos aposentados, das mulheres, dos jovens, dos negros, das pessoas com deficiência, LGBTIs, dos trabalhadores, das populações indígenas. Não respeitamos o direito a um meio ambiente saudável.
Jovens negros são assassinados, confundidos com marginais apenas pela cor da sua pele. A cada 23 minutos no Brasil, um jovem negro perde a vida. Um negro tem oito vezes mais chances de ser vítima de homicídio do que um não negro.
Outra grande ameaça que temos hoje aos direitos humanos em nosso país diz respeito à violência praticada contra as mulheres: assédio sexual, estupro, feminicídio, violência física, psicológica e moral, salários menores.
Segundo o estudo do Atlas da Violência 2019, os homicídios femininos, entre 2007 e 2017, aumentaram 20,7%. Cerca de 40% ocorreram dentro de casa. A mulher negra foi a mais atingida: aumento de 60%.
Os dados do Atlas da Violência 2020 apontam que 2 de cada 3 vítimas de feminicídio são negras; o risco de uma mulher negra ser morta é 64% maior do que o de uma mulher branca. Esses números ainda são subnotificados, ou seja, podem ser bem maiores.
Não podemos ser seletivos na defesa dos direitos humanos. Há alguns dias, um policial militar foi assassinado quando tentava impedir um assalto na Baixada Fluminense. A violência atinge a todos no Brasil. Isso é fato.
Quando falamos em direitos humanos, não nos esqueçamos de que todo ser humano tem direito a um meio ambiente de qualidade, que lhe permita levar uma vida digna e com bem-estar. Mas ainda estamos longe de que isso aconteça.
Dados do INPE mostram que o desmatamento na floresta amazônica aumentou 34% entre agosto de 2019 e julho de 2020. Mais de 9,2 mil quilômetros quadrados foram destruídos. Essa área é equivalente a 6 vezes o tamanho do município de São Paulo.
Na luta pelos direitos humanos, a nossa trincheira é a trincheira da paz, da fraternidade, da cooperação e do diálogo. O Nobel de 1986, Elie Wiesel, uma vez afirmou: “Eu jurei nunca ficar em silêncio onde os seres humanos estiverem passando por sofrimento e humilhação”.
O encaminhamento do combate à pandemia da covid-19 está sendo um desastre total. São quase 180 mil óbitos e até agora não há um plano nacional de vacinação. O governo fala em início da vacinação somente em março de 2021. Isso é uma tragédia.
Quando, no início dessa semana, o Reino Unido iniciou a vacinação, sendo uma senhora de 90 anos a primeira pessoa a receber a vacina, eu postei na minha conta do Twitter @paulopaim a seguinte mensagem:
“O que sobrou para eles falta para o Brasil: solidariedade, amor, empatia, afeição, compaixão, olhar para o outro de forma simples e humana e saber que o mais importante é a saúde e a vida das pessoas”.
Com saúde não se brinca. Ela é um dos princípios dos direitos humanos. A nossa Constituição garante em seu artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença”.
Além do mais, temos uma série de problemas na educação, na segurança, na moradia, no saneamento básico, na mobilidade urbana, nos direitos do consumidor. Tudo isso está interligado e conectado aos direitos humanos.
Com os ensinamentos de Edgar Morin, em “É hora de mudarmos de via”, eu creio, assim como ele, que para haver transformação para melhor é preciso que tenhamos a consciência de que todos nós pertencemos à comunidade humana.
O Brasil será um país para todos a partir do instante que as disputas forem deixadas de lado. Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, temos o dever de reafirmar que a saída para as nossas crises está na construção de políticas humanitárias.
Artigo originalmente publicado no Jornal do Brasil