“Tenho certeza que o Brasil não vai ter nenhum retrocesso na sua luta contra o trabalho escravo”. O autor da frase não é um simples ativista dos Direitos Humanos; não é um parlamentar; é um Prêmio Nobel da Paz que libertou crianças e adultos submetidos à escravidão e exploração por gerações não só em seu país, a Índia, mas em todo o mundo.
Ele, Kailash Satyarthi, foi a grande estrela da audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH), que se reuniu nesta terça-feira (2) para fazer um alerta sobre a necessidade de barrar a votação em plenário, já nesta quarta-feira (3), do relatório do senador Romero Jucá (PMDB-RR) sobre a regulamentação da Proposta de Emenda Constitucional do Trabalho Escravo.
Paim, com Satyarth: “mudança na lei contra o trabalho escravo é retrocesso”
Apesar de promulgada pelo Congresso em junho de 2014, a PEC do Trabalho corre o risco de ter seus fundamentos alterados. Jucá retira do texto a “jornada exaustiva” e “condições degradantes” como situações definidoras de trabalho escravo.
Com isso, manteve-se a definição já presente no projeto, que considera para a caracterização do trabalho escravo a submissão a trabalho forçado, sob ameaça de punição, com uso de coação ou com restrição da liberdade pessoal. São citados ainda a retenção no local de trabalho, a vigilância ostensiva, a apropriação de documentos do trabalhador e a restrição da locomoção em razão de dívida contraída com o empregador.
Golpe legislativo
“O que está em curso, nesse Congresso, se não é um golpe legislativo, é uma ameaça de retrocesso das conquistas que já tivemos no Brasil”, alertou o senador Paulo Rocha (PT-PA). Autor de diversas leis que tratam do tema e defendem os direitos dos trabalhadores, o senador esclareceu que a intenção dos parlamentares que defendem os direitos humanos é parar a tramitação do projeto e fazer com que ele retorne às comissões, para que seja feito um debate com a sociedade sobre os recuos que estão colocados para deliberação.
Paulo Rocha com o Prêmio Nobel: o que está em curso é um golpe legislativo“Como está, o texto coloca em risco os avanços já conquistados graças às mobilizações da sociedade”, enfatizou, reclamando que o senador Jucá “teima em não cumprir o acordo de não colocar o projeto em discussão e leva-lo diretamente ao plenário”.
A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) lembrou que a composição do Congresso é bastante conservadora e é preciso enfrentar essa realidade. “Direitos sagrados estão sendo ameaçados e, portanto, é necessária muita união para enfrentar isso”, disse. “Estaremos mais atentos e mais vigilantes ainda para barrar essa pauta conservadora”, enfatizou.
O senador Paulo Paim (PT-RS), na apresentação do visitante ilustre à comissão que preside, Direitos Humanos, acrescentou a legislação que pretende regulamentar e ampliar a terceirização de trabalhadores como outra pauta em curso no Congresso que também ameaça os direitos dos trabalhadores. Para o senador, a terceirização “é uma espécie de escravidão”.
Educação e liberdade
Kailash Satyarthi, Prêmio Nobel da Paz em 2014, criticou duramente a tentativa de fazer as leis brasileiras retrocederem. Lembrando que o Brasil conquistou uma das legislações mais avançadas do mundo, Satyarthi contou histórias sobre pessoas escravizadas por gerações e o primeiro contato de crianças trabalhadoras com a liberdade. O grande questionamento desses escravos sempre foi “por que vocês não vieram antes”, relatou.
Hoje, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 21 milhões de pessoas são submetidas a condições análogas à escravidão em todo o mundo. Desse total, 5 milhões são crianças.
Estima-se que os lucros com essa exploração cheguem a 150 bilhões de dólares ao ano. Se fosse uma atividade econômica normal, seria a terceira maior do mundo, perdendo apenas para a exploração sexual e o tráfico de armas.
Para o prêmio Nobel da Paz, é a liberalização da economia que está levando, cada vez mais, à busca por força de trabalho barata. E as pessoas que são escravizadas acabam submetidas a esse tipo de exploração porque não tiveram outra alternativa.
“Temos um déficit econômico em relação a essas pessoas. Mesmo quando elas são resgatadas, suas condições de sobrevivência são mínimas porque elas não tiveram acesso à educação”, observou. Para Satyarthi, a única forma de reverter a situação é a educação. ”Educação é a ferramenta de libertação para enfrentar este problema”, resumiu, sendo aplaudido de pé.
Giselle Chassot
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