descaso com os povos originários

Audiência revela situação de abandono vivida pelos ianomâmis

Debate convocado pelos senadores Humberto Costa e Paulo Paim mostrou a situação de abandono e o cenário de fome, desnutrição e precariedade vivida na maior reserva indígena do Brasil
Audiência revela situação de abandono vivida pelos ianomâmis

Foto: Leonardo Prado/PGR

Na maior reserva indígena do Brasil, os ianomâmis vivem um cenário de guerra contra fome, desnutrição de crianças, doenças como a malária, precariedade no socorro médico e invasão do garimpo ilegal.  Esse colapso — em 350 comunidades que somam cerca de 30 mil pessoas — preocupa o Senado, que nesta quinta-feira (25) promoveu audiência na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa para debater a situação e encontrar mecanismos que ajudem a resguardar os direitos desses povos.

O debate foi requerido pelo presidente do colegiado, Humberto Costa (PT-PE), e pelo senador Paulo Paim (PT-RS) a partir de reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo, exibida no dia 14 de novembro, que retrata quadro preocupante, principalmente na comunidade do Surucucu.

O presidente da CDH expediu ofícios aos ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, e da Justiça, Anderson Torres, solicitando informações sobre o que tem ocorrido e tem sido feito pelo governo federal na região.

Ao presidir a audiência pública, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) destacou o descumprimento por parte do governo federal de preceitos fundamentais dos povos indígenas. Ele relatou visita feita aos povos guarani-kaiowá, no Mato Grosso do Sul, onde também observou situação dramática.

“Contra fatos não há argumentos. Os indígenas estão sendo dizimados”, disse.

A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) disse que tão grave quanto a degradação do meio ambiente é a insistência do governo em contestar imagens, como as de crianças desnutridas.

“Como médica, [digo que] isso é muito grave. O governo que dar a entender que estamos vendo o que não existe”, acusou.

A deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) destacou audiência na Câmara nessa quarta-feira (24) sobre a morte de duas crianças indígenas que teriam sido sugadas por maquinários em garimpos ilegais.

“O garimpo ilegal aumentou seriamente nesses dois últimos anos. Se antes era um crime dos que buscavam o pão, hoje passou a ser domínio de grandes empresas. A própria Polícia Federal aprendeu 60 aeronaves. O garimpo não só impacta socialmente e culturalmente os povos indígenas, como o meio ambiente a agora causa a morte de crianças”, denunciou.

Garimpo ilegal
Integrante do Grupo de Trabalho Comunidades Indígenas da Defensoria Pública da União, Renan Vinícius Sotto Mayor destacou que a problemática dos garimpos também atinge outros grupos indígenas.

“Há uma verdadeira omissão do Estado brasileiro em combater esse tipo de crime. Uma violação massiva dos direitos humanos”, disse.

Sotto Mayor condenou projeto de lei que regulamenta garimpo em terras indígenas (PL 191/2020), de autoria do Poder Executivo.

“É necessária uma ação estrutural para enfrentamento ao garimpo ilegal, quando falamos em 20 mil a 30 mil garimpeiros nessa região. O Estado tem de se estruturar para combater de forma efetiva”, destacou.

Dinamam Tuxá, co-coordenador da Comissão Permanente dos Direitos dos Povos Indígenas, dos Quilombolas, dos Povos e Comunidades Tradicionais, de Populações Afetadas por Grandes Empreendimentos e dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Envolvidos em Conflitos Fundiários (CNDH/MMDH) aponta o garimpo ilegal como um problema sistêmico, sendo preciso montar uma força-tarefa para enfrentar a situação.

O garimpo ilegal teria crescido 30% em 2020, segundo Tuxá.

“O garimpo ilegal causa vulnerabilidades, que perpassam problemas relacionados à saúde, segurança alimentar. Traz riscos como a malária. Houve sim um agravamento do garimpo ilegal e a consequência disso é o aumento do desrespeito dos direitos humanos”, explicou.

Falhas na gestão
Procurador regional dos Direitos do Cidadão substituto e membro da 6ª Vara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (CCR), Alisson Marugal afirmou que há falhas de gestão na saúde pública direcionada aos ianomâmis.

Inicialmente, ele apontou a falta de profissionais de saúde. Do mínimo de 23 médicos necessários para atendimento dos ianomâmis, só 12 estariam destacados no momento, segundo o procurador. Da mesma forma, são poucos os nutricionistas e não antropólogos e biólogos.

Marugal destacou também a questão da logística e que o governo não consegue licenciar uma empresa de serviços aéreo para atendimento a esses indígenas.

“Fica bem evidente que é uma logística deficiente, principalmente em regiões como na comunidade do Surucucu. Isso resulta em baixa cobertura vacinal, alimentar. Vemos malária, subnutrição, aumento de mortalidade infantil”, explicou.

O procurador enfatizou ser essencial uma ação mais forte do Estado. “Tem que haver política de segurança alimentar, que vai além de uma assistência de cesta básica. É importante também que falemos na educação, com foco com alimentação escolar de qualidade”, disse.

Desnutrição
O médico e pesquisador em saúde pública da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Cesar Basta, destacou que há 20 anos levantamento do IBGE já apontava que a taxa de mortalidade infantil para os povos indígenas era quase duas vezes maior que a média nacional.

Mais recentemente, outro levantamento feito pela imprensa, no período de 2000 a 2012, mostrou que nas aldeias indígenas houve uma perda 240% maior de vida de crianças — com os ianomâmis no topo da lista — na comparação com as médias brasileiras de outras regiões do país.

“Isso é reflexo da desigualdade, do preconceito, da discriminação, do racismo estrutural que é historicamente construído no nosso país”, acusou.

Dados da própria Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), disse Basta, informam que no período de 2010 a 2016 a média brasileira é de 13 mortes para cada mil nascidos vivos, número que salta a quase 30 entre os indígenas.

Estudo de 2008/2009, em 130 aldeias nas cinco macrorregiões do país, apontou também na Região Norte que a prevalência de baixo peso por idade era de 11,14% e de 40,8% para a baixa estatura. Entre os ianomâmis, esses índices batiam 60% e 80%, respectivamente.

“Em área conflagrada por garimpo mantém-se elevado o déficit de estatura e peso para a idade. Isso está associado a baixa estatura das mulheres, mostrando um traço intergeracional, que significa que a desigualdade, a penúria, a escassez são tão grandes que são transferidas de uma geração para a outra”, destacou o médico.

O pesquisador informou que recentemente a Funai vetou pesquisa sobre contaminação por mercúrio entre os ianomâmis e fez um pedido público para que haja a revisão dessa decisão.

Com informações da Agência Senado

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