Grosseria com a relatora, prática de transfobia contra deputada e uma sequência de negativas sem sentido para tentar desviar da responsabilidade por fomentar atos golpistas durante os últimos quatro anos. Esse foi o roteiro do depoimento prestado pelo general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Jair Bolsonaro, à CPMI do Golpe nesta terça-feira (26/9).
Para tentar dar um ar de legalidade para sua atuação no governo Bolsonaro, Augusto Heleno adotou a estratégia de minimizar os acampamentos golpistas instalados nas portas dos quartéis do Exército em diversas cidades do Brasil.
Questionado pela relatora Eliziane Gama (PSD-MA) sobre a produção de relatórios por parte da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que estava sob a estrutura do GSI, o general disse desconhecer boa parte das informações apresentadas a ele que indicavam para a insurgência de bolsonaristas contra o resultado das eleições. Mas, mesmo assim, o general afirmou à CPMI que os acampamentos eram locais “pacíficos e ordeiros” – para depois, ao ser confrontado, tentar desdizer o que falou categoricamente.
“Nunca fui ao acampamento. Não por falta de tempo, mas por falta de condições de participar do que realizavam no acampamento. Pelo que se sabia, eram atividades extremamente pacíficas, ordeiras. Nunca considerei o acampamento algo que interessasse à segurança institucional. Sempre achei que era uma manifestação política pacífica”, disse o general.
Eliziane Gama rebateu a argumentação do militar lembrando o fato de o acampamento golpista instalado em frente ao Quartel General em Brasília ter servido como base para o planejamento de diversos crimes, como a tentativa de explosão de uma bomba perto do aeroporto de Brasília e a invasão do prédio da Polícia Federal.
“Houve planejamento, houve uma ação orquestrada feita a médio e longo prazo. Houve arrecadação de dinheiro. Nos 69 dias de acampamento, tinha gerador de energia elétrica. Tinha atividades de lazer. Houve financiamento de transporte dos manifestantes. Quando a gente fala de planejamento e liderança, houve incitação explícita por militares, civis e autoridades em grupos de WhatsApp”, destacou a relatora.
O líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), questionou o general se o GSI, sob seu comando, não produziu relatórios de inteligência. Heleno responde afirmando que foram produzidos relatórios e tentou justificar sua apatia dizendo não ter sido encontrada “arma na mão do pessoal dos acampamentos”.
Contarato rebateu a argumentação do subordinado de Bolsonaro apontando que diversos crimes foram cometidos pelos golpistas que se aglomeravam em frente ao QG de Brasília.
“Crime não é só ter uma arma, não. Crime é atentar contra a democracia. Crime é atentar contra os Poderes. Crime é atentar contra as instituições. Nós não podemos ter uma visão simplista de falar da arma [de fogo] pura e simplesmente. Teve um atentado a bomba, atentado à sede da Polícia Federal. Nós tivemos quatro anos de ataques, [governistas] atacando as instituições e os Poderes [da República]”, destacou Contarato.
Para mostrar como o general estava alinhado com as aspirações golpistas de apoiadores de Bolsonaro, mesmo após as eleições, a deputada federal Jandira Feghali (PcdoB-RJ) apresentou um vídeo, de novembro do ano passado, no qual Augusto Heleno aparece ao lado de uma manifestante golpista demonstrando apoio aos “patriotas” que estavam nas ruas pedindo um golpe de Estado.
Durante sua gestão no GSI, existem registros de que o general recebeu diversos golpistas apoiadores de Bolsonaro, até mesmo, participantes dos ataques de 8 de janeiro que estão presos pelos crimes cometidos.
Heleno, durante sua carreira, foi ajudante de ordens do então ministro do Exército Sylvio Frota, em plena ditadura militar, na gestão de Ernesto Geisel. Frota também ensaiou um golpe dentro do golpe, mas acabou defenestrado por Geisel, em forte derrota da linha-dura militar que sonhava em impedir a redemocratização. Na avaliação do senador Rogério Carvalho (PT-SE) a trajetória do militar mostra o desapreço do subordinado de Bolsonaro pela democracia.
“Temos, hoje, um depoente que esteve no regime militar. Um regime militar que prendeu, torturou e matou quem era contra e se colocava contra em favor da democracia. E queria endurecer (o regime). Nós passamos pelo regime militar, e, infelizmente, não houve punição. E aqui está o retrato da impunidade sentado à mesa como depoente no dia de hoje”, disse Rogério Carvalho.
Silêncio sobre reunião com chefes militares
Amparado por um habeas corpus, Augusto Heleno se negou a responder praticamente todas as perguntas formuladas pela senadora Ana Paula Lobato (PSB-MA). Pouco tempo depois, ele voltou a se calar diante da CPMI ao ser questionado se esteve presente na reunião promovida por Jair Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas depois das eleições para discutir um plano que permitisse um golpe de Estado no país.
Informações divulgadas pela imprensa sobre a delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, apontam para a realização de um encontro entre a cúpula das Forças Armadas, à época, para discutir uma minuta sobre a intervenção militar. O general também tentou minimizar, por diversas vezes, a delação premiada de Mauro Cid, homologada pelo STF.
“Quero esclarecer que Mauro Cid não participava de reuniões. Ele era ajudante de ordens do presidente da República. Não existe essa figura do ajudante de ordens se sentar em uma reunião dos comandantes de Força e participar da reunião. Isso é fantasia. A mesma coisa é essa delação é ou não premiada”, disse.
Momentos após, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) apresentou uma foto retirada do perfil oficial do Palácio do Planalto no Flickr que desmentia o general. Na imagem, é possível ver, além de Bolsonaro e dos chefes de Marinha, Exército e Aeronáutica, as figuras do general Heleno e de Mauro Cid.
O senador Fabiano Contarato destacou o fato de Mauro Cid, embora sem papel relevante nas reuniões das quais Bolsonaro participava, poder servir como testemunha de crimes cometidos na sua presença.
“Ele [Mauro Cid] pode ter participado dessas reuniões, não ter o papel deliberativo, mas tudo que ele presenciou ele vai poder, sim, testemunhar na qualidade de testemunha”, apontou o senador.
Heleno voltou a ficar em silêncio ao ser questionado se participou da reunião organizada por Jair Bolsonaro e Carla Zambelli para tratar com o hacker Walter Delgatti Neto sobre a possibilidade de invadir urnas eletrônicas e fraudar as eleições do ano passado.
A mentira do “poder moderador“
Augusto Heleno também admitiu em seu depoimento se reconhecer como “poder moderador”. Durante todo o governo Bolsonaro, era comum ver apoiadores do governo anterior surgirem em manifestações de ataque ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal carregando cartazes pedindo por uma intervenção militar baseada numa leitura distorcida do artigo 142 da Constituição.
“Não tem na Constituição de 88 esse poder moderador. Isso é fora da realidade, é um terraplanismo constitucional”, rebateu o deputado Rubens Pereira Junior (PT-MA).
General comete transfobia contra deputada e desrespeita relatora
Augusto Heleno promoveu, ao menos, dois ataques contra mulheres parlamentares durante seu depoimento. Ao ser perguntado pela senadora Eliziane Gama se as eleições do ano passado foram fraudadas, o general se irritou com os comentários feitos pela relatora da CPMI.
“Já tem o resultado das eleições, já tem um novo presidente da República. Não posso dizer que [as urnas] foram fraudadas, [elas] foram examinadas”, disse Heleno.
“Então o senhor mudou de ideia, não é?”, questionou a senadora ao final de sua inquirição.
Fora do microfone, Heleno se dirigiu ao seu advogado e esbravejou: “Ela [relatora] fala as coisas que ela acha que estão na minha cabeça. É para ficar puto, não é? Puta que pariu”.
Mais tarde, o general chamou a deputada transexual Duda Salabert (PDT-MG) de “senhor” por duas vezes seguidas. Duda resgatou manifestação do general no qual ele havia afirmado que “a ditadura militar salvou o Brasil”.
Heleno interrompeu a parlamentar para rebater a afirmação e, nesse momento, cometeu o ato de transfobia.
“Essa afirmativa. Eu estou querendo proteger vossa excelência. Isso é uma afirmativa mentirosa. Se eu quiser, eu vou para a Justiça, processo o senhor e boto o senhor na cadeia”, ameaçou.
“É a senhora! É a senhora. E não vai me ameaçar, não”, devolveu a deputada Duda Salabert.
Colegiado adia análise de requerimentos
Antes da oitiva de Augusto Heleno, o presidente da CPMI, deputado Arthur Maia (União-BA), anunciou o adiamento da reunião deliberativa de hoje para a próxima quinta-feira (28/9), quando serão votados os requerimentos para os trabalhos finais da comissão.
O deputado Rogério Correia tem defendido a aprovação do acesso aos relatórios de inteligência financeira (RIFs) de Jair Bolsonaro e Michelle Bolsonaro. Além disso, parlamentares da base governista pretendem aprovar a convocação do ex-assessor especial de Bolsonaro Filipe Martins, do almirante ex-comandante da Marinha Almir Garnier dos Santos; de Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e de Meyer Nigri, empresário e apoiador de Bolsonaro.
A senadora Eliziane Gama defende a convocação dos últimos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica na gestão Bolsonaro para ouvi-los sobre reunião ocorrida em novembro de 2022, quando se teria discutido a possibilidade de um golpe de Estado.