A política de sufocamento econômico promovida há seis décadas pelos Estados Unidos, a despeito da reprovação da maioria esmagadora da comunidade internacional, é causa direta das manifestações registradas em Cuba no último domingo (11). “O que procuram? Provocar agitação social, causar mal-entendidos entre os cubanos”, e também “a famosa mudança de regime”, denunciou o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, em discurso transmitido por rádio e televisão no mesmo dia.
“Quando as pessoas estão em condições severas, acontecem eventos como os que vivemos em San Antonio de los Baños”, explicou. “Por que não têm coragem de abrir o bloqueio? Que fundamento legal e moral sustenta que um governo estrangeiro possa aplicar essa política a um país pequeno e em meio a situações tão adversas? Isso não é genocídio?”, questionou Díaz-Canel.
O presidente cubano afirmou que o governo tenta enfrentar e superar as dificuldades face às sanções norte-americanas. As medidas foram reforçadas desde o mandato de Donald Trump, “que promoveu uma campanha de perseguição financeira e energética com o objetivo de sufocar a economia do nosso país”, prosseguiu Díaz-Canel.
Em quatro anos, Trump adotou 243 medidas coercitivas unilaterais contra Cuba. Elas causaram uma crise de energia e de combustível, restringiram as viagens de turistas norte-americanos e o envio de remessas de cubano-americanos para parentes na ilha.
Além de sabotar os esforços dirigidos a barrar o avanço da Covid-19, salvar vidas e cooperar com outros países contra a doença, o recrudescimento do bloqueio econômico, comercial e financeiro gerou o efeito esperado em tempos de guerra híbrida, já traduzido em outras “primaveras”: crise econômica e insatisfação popular, potencializada pelo uso insidioso de redes sociais.
“Teve limitação de combustível, limitação de peças de reposição e tudo isso gerou insatisfações, aumentou os problemas acumulados, que não conseguimos resolver. E a isso se juntou uma feroz campanha midiática de descrédito como parte da chamada guerra não convencional, que tenta romper a unidade entre o partido, o governo, o Estado e o povo”, concluiu o presidente.
Na segunda (12), Díaz-Canel reforçou as denúncias. “Há um grupo de pessoas contratadas pelo governo dos EUA, pagas indiretamente através de agências governamentais norte-americanas para organizar esse tipo de manifestação”, disse a apoiadores.
Perdas de US$ 144 bi
Em vigor há 59 anos e endurecido em várias ocasiões, o bloqueio não conseguiu derrubar o governo do Partido Comunista cubano. Imposto em 1962 por John F. Kennedy, apenas o Congresso dos Estados Unidos pode acabar com ele. Por seu caráter extraterritorial e violador do direito internacional e da Carta das Nações Unidas, há quase 30 anos sofre repúdio esmagador da comunidade internacional.
Ao apresentar à imprensa o relatório anual de Cuba para as Nações Unidas sobre os efeitos do bloqueio ianque, o ministro de Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez Padilla, assinalou que entre abril de 2019 e março de 2020, as perdas no país chegaram a US$ 5,57 bilhões (R$ 28,8 bilhões).
“É a primeira vez que os danos do bloqueio ultrapassam a cifra de US$ 5 bilhões em um ano”, apontou o chefe da diplomacia cubana. Além disso, “os danos acumulados durante quase seis décadas alcançam, calculados em preços atuais, a cifra descomunal de US$ 144,413 bilhões (R$ 746,95 bilhões), o que para uma economia pequena como a de Cuba é uma carga verdadeiramente opressora”.
O relatório “Necesidad de poner fin al bloqueo económico, comercial y financiero impuesto por los Estados Unidos de América contra Cuba” foi apresentado como resolução na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em junho. Pela 29ª vez, o bloqueio recebeu a condenação da absoluta maioria dos países.
Em discurso presencial para defender a resolução, Rodríguez comparou o embargo à pandemia. “O governo dos Estados Unidos assumiu a Covid-19 como um aliado na sua guerra não convencional contra Cuba”, afirmou o chanceler cubano.
Realizado desde 1992, o voto anual de condenação ao embargo foi suspenso em 2020. Na votação realizada em 23 de junho deste ano, foram computados 184 votos contra dois – os tradicionais de Estados Unidos e Israel. O Brasil, que historicamente votava contra o embargo e se posicionou a favor da resolução em 2019, se absteve. Ucrânia e Colômbia fizeram o mesmo.
Apenas uma vez, em 2016, Washington optou pela abstenção, em um contexto de aproximação do governo de Barack Obama com a ilha. Os dois países restabeleceram relações em 2015, mas Donald Trump reativou a beligerância ianque, no bloqueio econômico mais longo já imposto a um país em toda a história.
O atual presidente norte-americano Joe Biden, que participou da política de reaproximação com Cuba como vice de Obama, não reverteu nenhuma das sanções impostas por Trump. Durante a campanha, no entanto, prometera mudar a postura, chegando a afirmar que a linha dura do republicano contra Cuba “não fez nada para se avançar na democracia e nos direitos humanos” na ilha. Agora, manda Díaz-Canel “escutar seu povo”.
Para Lula, bloqueio é desumano
Em entrevista à Rádio Bandeirantes na terça (13), o presidente Lula considerou “desumano” o bloqueio a Cuba, especialmente durante uma pandemia. “O que está acontecendo em Cuba de tão especial? Houve uma passeata em Cuba. Aliás, numa das televisões a que eu assisti, o presidente de Cuba [Miguel Díaz-Canel] estava na passeata, conversando com as pessoas. Há razões de ter protesto em Cuba? Há. Cuba é um país que está empobrecido por conta de um bloqueio que é muito sério, são 60 anos de bloqueio. Nessa questão da pandemia, é desumano manter o bloqueio porque quem morre é criança, quem morre são os velhos, são pessoas que não estão em guerra”, afirmou (leia mais aqui).
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