“Passaram-se 132 anos da abolição da escravatura e o Brasil continua em débito com o seu povo. A dívida com os descendentes de escravos ainda não foi paga. O povo negro continua largado a própria sorte e banido dos capítulos da cidadania e da inclusão social”. O trecho acima foi retirado de discurso feito pelo senador Paulo Paim (PT-RS), único negro na atual legislatura, na semana de aniversário da Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1888.
Apesar dos avanços em políticas públicas durante os governos do PT, dados mostram que ainda existe um abismo real para que ocorra a inclusão social da população negra. Após o fim da escravidão no Brasil, a população negra foi abandona à sua própria sorte.
De acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada em novembro do ano passado, pretos e pardos são maioria entre trabalhadores desocupados (64,2%) ou subutilizados (66,1%). Os negros representam 55,8% da população brasileira e 54,9% da força de trabalho.
Enquanto 34,6% de pessoas brancas se encontram em condições informais de trabalho, a informalidade atinge 47,3% de pretos e pardos.
No que diz respeito a ocupação de cargos gerenciais, os negros são a minoria (29,9%). Pela divisão de trabalhadores por níveis de rendimento, apenas 11,9% dos maiores salários gerenciais são pagos a trabalhadores pretos e pardos, enquanto essa população ocupa 45,3% dos postos com menor remuneração.
Os negros representam 75,2% da parcela da população com os menores ganhos e apenas 27,7% dos 10% da população que tem os maiores rendimentos
Esse cenário também se reflete nas condições de moradia. Assim, a população negra do Brasil continua relegada as regiões periféricas, sem emprego e renda, sem moradia digna, sem escola e sem atendimento adequado na área da saúde.
“A população negra é vítima da fome, da miséria. As poucas políticas públicas que existem estão sendo descontinuadas e jogadas para debaixo do tapete. O sistema de cotas e o Estatuto da Igualdade Racial são dois exemplos de políticas que estão sendo abandonas”, denunciou Paim.
A pandemia do novo Coronavírus deixou ainda mais escancarado o abismo entre brancos e negros no Brasil e a necessidade de ações afirmativas capazes de mitigar essa desigualdade social e racial.
Levantamento do Instituto Locomotiva indica que 73% das pessoas negras e pardas perderam renda durante a pandemia. Entre os brancos, a taxa é de 60%. Dados do boletim epidemiológico da Prefeitura de São Paulo do dia 30 de abril apontavam que o risco de morte de negros por Covid-19 é 62% maior em relação aos brancos.
Com intuito de tornar mais claro o impacto da pandemia sobre a população negra e, a partir dos dados, construir políticas públicas efetivas, o senador Paulo Paim, que também é presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), apresentou o Projeto de Lei (PL 2179/2020). A ideia da proposta é tornar obrigatório que órgãos e instituições de saúde promovam o cadastramento de dados relativos a marcadores étnicos-raciais, idade, gênero, condição de deficiência e localização dos pacientes atendidos em decorrência da infecção pelo novo Coronavírus.
“É fundamental a produção de informações precisas sobre fatores de vulnerabilidade, como raça, gênero, idade, condição de deficiência e localização geográfica da população atingida. Sem tais informações, o inimigo não será corretamente identificado, e ceifará vítimas de forma indiscriminada, impedindo até mesmo que o Estado direcione seus esforços para evitar mortes e o colapso da rede de atenção à saúde”, explicou o senador.
Estatuto da Igualdade Racial
O senador Paulo Paim também foi autor do Estatuto da Igualdade Racial. Trata-se de um conjunto de regras e princípios jurídicos que visam coibir a discriminação racial e a estabelecer políticas para diminuir a desigualdade social existente entre os diferentes grupos raciais.
Sancionado pelo ex-presidente Lula em julho de 2010, o Estatuto ainda carece de aplicação de diversos pontos constantes na legislação. Dados do Ministério da Mulher, Direitos Humanos e Cidadania, de 2019, mostram que apenas 67 municípios e 18 estados, além do Distrito Federal aderiram ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir). O Sistema foi criado para organizar e articular políticas e serviços do poder público federal para vencer as desigualdades raciais no Brasil.
“O País é um oceano de desigualdade social e concentração de renda. As desigualdades, as injustiças e a violência aumentam todos os dias. E ela tem cor, nome e sobrenome: é preta. Lá atrás existiam senzalas e chibatas. Hoje, negam a cidadania e a vida da população negra continua não valendo nada. Desossam a carne desse povo que já segurou o País pelo braço”, critica o senador Paulo Paim.
Legado do PT
Nos governos de Lula e Dilma, a inclusão social e os direitos humanos passaram a caminhar lado a lado. E tornar essas frentes em prioridade trouxe avanços para aqueles que não tinham visibilidade.
Durante as gestões do PT houve a aprovação da Lei 12.711/2012, que implantou a política de cotas sociais e raciais em universidades e institutos federais, da PEC do Trabalho Escravo, que prevê a desapropriação de propriedades rurais e urbanas onde forem flagradas situações similares à escravidão.
Com Lula e Dilma, o Brasil tornou-se referência mundial no combate ao trabalho escravo. Entre 2003 e 2013, mais de 40 mil trabalhadores foram resgatados de situações análogas à escravidão. Essa estatística é resultante de uma guerra sem trégua travada desde o início do governo Lula, com a criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
Um dos destaques das ações de prevenção e combate ao trabalho escravo é a elaboração da chamada “Lista Suja”, que relaciona nomes de empregadores condenados no nível administrativo pelo uso de mão-de-obra escrava, restringindo-lhes o acesso a créditos junto a bancos oficiais. A lista, atualizada a cada semestre, pode ser acessada aqui.
“Avançar na conquista dos direitos humanos significa exercer mais democracia, significa exercer mais justiça social, significa valorizar os pobres deste país”, disse o ex-presidente Lula, em discurso no Fórum Mundial de Direitos Humanos realizado em Brasília, em 2013.
Em junho de 2014, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional 81 (PEC do Trabalho Escravo), que prevê o confisco de propriedades rurais e urbanas que possuem trabalhadores submetidos à escravidão. As propriedades serão destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular. A PEC ainda aguarda regulamentação.
Também ocorreram nas gestões petistas a sanção da Lei nº 10.639, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras nas escolas de todo o país e sanção da Lei 12.990/2014, que reserva à população negra 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos federais.
“A trajetória de luta e resistência contra a ditadura, a trajetória de defesa de todos aqueles que lutaram pela democratização do nosso País exige que trabalhemos para a afirmação dos direitos humanos, compreendendo sua universalidade e interdependência”, disse a então presidenta Dilma Rousseff, durante cerimônia de entrega do Prêmio Direitos Humanos 2013, em Brasília.
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