A Comissão de Direitos Humanos (CDH), presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), iniciou nesta segunda-feira (25) um ciclo de debates para ouvir especialistas acerca da proposta de reforma previdenciária (PEC 6/2019) apresentada na última semana por Jair Bolsonaro.
Os convidados foram unânimes ao destacar que a proposta enviada ao Congresso Nacional prejudicará os trabalhadores e cidadãos mais pobres do País ao destruir o sistema solidário de seguridade social existente nos dias de hoje e garantido pela Constituição de 1988.
“Somos favoráveis a uma reforma que construa pontos positivos e aprimore o sistema de seguridade social. Infelizmente, a PEC 6 é integralmente contrária a qualquer possibilidade de evolução e aprimoramento do sistema. Ela impõe o fim do sistema de seguridade social”, explicou Dirce Namie Kosugi, presidente do Instituto de Estudos da Seguridade Social Wladimir Novaes Martinez.
Paulo Penteado, assessor Especial da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), explicou o malabarismo feito pelos defensores da reforma da Previdência a fim de justificar a existência de um grande déficit nas contas do sistema.
O Brasil, segundo ele, anunciou um déficit total da Seguridade Social, em 2016, de R$ 242 bilhões. No mesmo ano, o País abriu mão de R$ 144 bilhões em recursos da Seguridade Social com renúncias. Outros R$ 92 bilhões foram retirados da Seguridade e destinados para outras áreas pelo mecanismo da Desvinculação das Receitas da União (DRU).
“Se somarmos a DRU e as renúncias, significa que o resultado da Seguridade Social seria negativo em apenas 6 bilhões de reais, ou seja, 0,1% do PIB. Estamos abrindo mão de receitas bilionárias e depois dizemos haver déficit. Claro, se eu não cobro os devedores [da Previdência] e desvio aquilo que ela arrecada, obviamente terei déficit”, destacou.
Para Pedro Armengol, secretário Nacional Adjunto da Secretaria de Relações de Trabalho da CUT, o sistema político brasileiro tem descaracterizado, nos últimos anos, o sentido da palavra ‘reforma’. As propostas de reforma, segundo Pedro, têm se baseado nas retiradas de direitos adquiridos e de renda dos trabalhadores.
“Essa reforma tem o intuito de atacar trabalhadores e os mais pobres, além de privilegiar bancos e empresários. Mais uma vez se coloca para os trabalhadores pagarem uma conta que não é deles”, disse Saulo Arcangeli, representante da FENAJUFE e CSP-Conlutas, que também teceu críticas ao regime de capitalização, apresentado na proposta do governo.
Na avaliação do senador Paulo Paim, a reforma da Previdência é um tema que está acima da disputa partidária e de blocos de situação e oposição. Para ele, é preciso construir uma proposta equilibrada que seja de interesse do povo brasileiro.
“Precisamos nos unir para fazermos uma proposta equilibrada. Não tem como não discutir a DRU, a apropriação indébita. Precisamos tratar de algumas questões de gestão, recomendadas pela CPI da Previdência, que só conseguiremos fazer com uma reforma. Temos de construir um caminho equilibrado pensando no bem do povo brasileiro. Com essa reforma, todo mundo perde. Faremos uma grande mobilização e tenho certeza de que essa reforma, do jeito que está, não vai passar”, destacou o senador.
Confira os principais pontos da proposta apresentada por Bolsonaro:
Idosos muito pobres terão de esperar até 70 anos
A reforma de Jair vai fazer o benefício de idosos de baixa renda, de até 70 anos, ficar abaixo de um salário mínimo. Bolsonaro vai propor mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas), pago a pessoas com deficiência e idosos de baixa renda. O projeto propõe o pagamento de R$ 400 para idosos de baixa renda a partir dos 60 anos. Somente brasileiros com 70 anos ou mais receberiam o valor integral correspondente a um salário mínimo.
Militares ficaram fora da reforma
Jair e seu ministro Paulo Guedes estão com pressa para retirar os direitos dos trabalhadores brasileiros. Mas só dos trabalhadores mesmo, já que na proposta entregue nesta terça (20), Bolsonaro não incluiu os ajustes relacionados à aposentadoria de militares. O Secretário Especial da Previdência, Rogério Marinho, confirmou que os militares ficaram de fora e disse que o desgoverno vai encaminhar uma proposta a parte no fim de março. Será?
Reforma dificulta aposentadoria rural
A reforma de Jair também dificulta a aposentadoria de trabalhadores rurais. Isso porque ao transferir dos sindicatos para as prefeituras a comprovação do tempo trabalhado no campo, Bolsonaro facilita situações de corrupção e ‘cabresto eleitoral’. Antes, a Declaração de Atividade Rural era emitida por sindicatos, mas com a MP 871 a aposentadoria deverá ser homologada por uma Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), credenciada no Plano Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural.
Quem está aposentado corre risco
Caso o regime de capitalização pretendido por Guedes seja realmente aprovado, quem já está aposentado também corre riscos. Isso porque nesse regime, em que cada trabalhador é responsável por poupar para sua aposentadoria, pode ocorrer a total falta de recursos do INSS. “A capitalização não determina esse tipo de contribuição e vai desidratar a Previdência pública. Isso ameaça, sim, quem já está aposentado”, afirma a economista Patricia Pelatieri, do Dieese, à Rede Brasil Atual. O Regime Geral da Previdência (RGPS) foi responsável por 93,5% dos benefícios concedidos em 2017. Desse total, 68,4% correspondem a aposentadorias do INSS.
‘Pedágio’ de quem está quase aposentando
Jair também quer cobrar um ‘pedágio’ de quem está quase aposentando. A reforma prevê uma regra de transição para quem está a dois anos de cumprir o tempo de contribuição mínimo para aposentadorias – 30 anos, se mulher, e 35 anos, se homem. Essas pessoas poderão optar pela aposentadoria sem a exigência de idade mínima, como é atualmente, mas terão que um “pedágio” de 50% sobre o tempo que falta para se aposentar.
Trabalhar mais tempo para ter aposentadoria integral
O tempo de contribuição mínima já saltou de 15 para 20 anos. E isso para o trabalhador receber 60% do benefício. Caso o contribuinte queira se aposentar com o valor integral – o teto hoje é de R$ 5.839 -, o que é um direito dos brasileiros, ele terá que trabalhar por 40 anos. Se o trabalhador contribuir pelos atuais 35 anos, da regra que está em vigor, ele terá direito somente a 90% do benefício.
Reforma de Bolsonaro prejudica professores
Bolsonaro propôs uma idade mínima de 60 anos para professores poderem se aposentar. Além disso, essa categoria terá que ainda contribuir por 30 anos. Atualmente, não há uma idade mínima para a aposentadoria de professores, bastando o tempo de contribuição de 30 anos para homens e 25 para mulheres. Agora, Jair que unificar a contagem para 30 anos, prejudicando as professoras do Brasil.
Trabalhadores informais não vão se aposentar
Se por um lado Bolsonaro incentiva a informalidade, e até pensa em uma carteira de trabalho verde e amarela, por outro ele não está preocupado com os trabalhadores informais. A proposta de reforma não altera a situação de trabalhadores informais, portanto, um brasileiro que não contribuir ao INSS, não terá direito à aposentadoria. Dados do IBGE mostram 34,3 milhões de trabalhadores estão fora do mercado de trabalho formal e o número pode aumentar com a carteira verde e amarela.
Capitalização só traz vantagens aos bancos
Pelo modelo de capitalização proposta por Bolsonaro, as contribuições de cada trabalhador ou trabalhadora serão aplicadas no sistema financeiro, para render juros e correção. Método que já é feito com planos de previdência complementares, administrados por bancos. Se a proposta de Jair foi aprovada, os bancos passarão a cuidar da aposentadoria dos trabalhadores, que será alvo da especulação financeira. Segundo dados recentes da Subsecretaria do Regime de Previdência Complementar, 55% do dinheiro são destinados à renda fixa, tipo de investimento que tem nos títulos da dívida pública sua principal fonte de rendimentos. Isso significa aplicar em papéis desvinculados de atividades que geram trabalho e renda e que só beneficiam os bancos.
Aposentadoria por tempo de contribuição fica inalcançável
Atualmente o trabalhador brasileiro pode se aposentar por meio de um a contribuição mista, em que se soma o tempo de trabalho e idade. Se para conseguir o benefício os homens hoje têm que contabilizar 96 pontos e as mulheres 86 pontos, da soma da idade com o tempo de contribuição, esse valor vai saltar para 105 pontos (trabalhador) e 100 pontos para as trabalhadoras. Com a proposta de Jair, fica praticamente impossível alcançar o benefício pela contribuição mista.