Uma comitiva de oito parlamentares – cinco senadores e três deputados – chega nesta quarta-feira (11) em Roraima com os desafios de avaliar o grau de abandono a que está exposto o povo Yanomami e entender os motivos pelos quais aquele território deixou de ser fiscalizado pelo poder público. Além disso, identificar responsabilidades e trazer ao Congresso elementos que possam provocar medidas que mudem o quadro atual. Denúncias levadas ao Senado por entidades ligadas aos direitos dos povos indígenas dão conta de estupro e assassinato de uma criança e de desaparecimento de yanomamis, crimes que teriam sido cometidos pelo garimpo ilegal na região. Para piorar, a Associação Nacional dos Servidores de Meio Ambiente (Ascema) revelou na semana passada que a última fiscalização sobre esse território indígena por parte dos órgãos responsáveis, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), ocorreu há cinco meses.
A iniciativa da diligência é da Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH), por requerimento do presidente, senador Humberto Costa (PT-PE). Além dele, compõem a comitiva os membros da bancada de Roraima – senadores Telmário Mota (Pros), Mecias de Jesus (REP) e Chico Rodrigues (UB) –, e as senadoras Eliziane Gama (CID-MA) e Leila Barros (PDT-DF). Também acompanham o grupo os deputados José Ricardo (PT-AM) e Orlando Silva (PCdoB-SP), que preside a CDH da Câmara, a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas.
A primeira reunião, às 14h desta quarta, é com organizações indígenas e indigenistas em Boa Vista. Na quinta, parlamentares se reúnem com representantes do Ministério Público Federal, Assembleia Legislativa de Roraima, governo estadual, Exército, Funai, Ibama, Ministério Público Estadual, Defensoria Pública da União, Conselho Indígena de Roraima, além de organizações indígenas. Também haverá reunião com o superintendente da Polícia Federal em Roraima e uma audiência com o governador do Estado. Já a visita às terras indígenas afetadas depende de confirmação, em razão da logística necessária. O retorno da comitiva a Brasília está marcado para sexta-feira.
O descumprimento de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que no ano passado determinou a proteção integral do território Yanomami, demarcado e homologado em 1993, é um dos pontos da pauta com autoridades federais e locais. Organizações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) acusam o governo de conivência com os crimes do garimpo ilegal nesses territórios, que tiveram devastação 46% maior no ano passado em comparação com 2020. Para o senador Humberto Costa, os dados apontam um desmonte acelerado de órgãos essenciais às políticas ambientais e, consequentemente, de proteção aos povos indígenas. Por isso, segundo ele, a comitiva vai em busca de respostas.
“Nós esperamos construir em Roraima, nestes dois dias de diligências que faremos lá, uma agenda muito positiva de proteção aos povos indígenas, especialmente os Yanomami. Queremos ouvir as denúncias de violência e estarmos a par do processo de apuração. É possível que, sem o apoio logístico e de segurança das Forças Armadas e da PF, não consigamos chegar à área de conflito, o que deverá ficar para outra oportunidade. Mas será, de toda forma, muito produtivo que conheçamos a realidade mais de perto, a partir do depoimento das próprias vítimas. A ida de uma dezena de parlamentares federais a Boa Vista demonstra o interesse que o Congresso está dando ao tema”, ressaltou Humberto Costa.
Também o líder do PT, Paulo Rocha (PA), cobrou medidas concretas sobre as denúncias: “É preciso averiguar o motivo de não haver a fiscalização adequada nessas terras. Nessas áreas, onde a possibilidade de conflito é constante, é preciso vigiar a todo momento para averiguar a situação local. O poder público não pode ficar omisso”, frisou o senador.
Política de massacre
A nota da Ascema, intitulada “Governo Bolsonaro boicota IBAMA e ICMBio no caso Yanomami”, que denuncia o abandono do poder público por cinco meses na região, aponta que “sem fiscalização, as atividades criminosas ganharam espaço para se desenvolver livremente, colocando sob risco não apenas os povos originários do Brasil, mas também toda a população, as futuras gerações, bem como a nossa megabiodiversidade”.
Humberto Costa afirmou que os dados divulgados pela Ascema serão utilizados na diligência. “Essa denúncia é a tradução objetiva daquilo que, na prática, vemos todos os dias: o desmonte acelerado de órgãos essenciais às políticas ambientais e, consequentemente, de proteção aos povos indígenas. Esse governo Bolsonaro é um fiador do garimpo e do desmatamento ilegais, é sócio nessas atividades criminosas, seja pelas suas ações, seja pelas suas omissões”, indignou-se Humberto Costa.
Na avaliação de Fabiano Contarato (PT-ES), o relato mostra que Brasil está diante de “uma política sistêmica de massacre, apagamento e destruição promovida pelo governo Bolsonaro” sobre os povos indígenas.
“É preciso que os órgãos de fiscalização e controle apurem imediatamente o sequestro das atribuições da Funai, do ICMBio e do Ibama por interesses contrabandeados contrários às populações indígenas. As graves denúncias de morte de yanomamis se somam à confirmação de que órgãos ambientais não estão exercendo suas atribuições e deveres legais”, cobrou o senador.
À beira do caos
O desmonte das estruturas de fiscalização e de proteção dos povos indígenas é evidente. Em fevereiro, no aniversário de 33 anos do Ibama, os servidores já alertavam sobre a precarização do trabalho e do próprio órgão. Além da defasagem dos salários e das diárias dos profissionais que vão a campo, o corpo de fiscais caiu 55% em relação a 10 anos atrás, e o que subiu, mesmo, foi o número de processos administrativos contra servidores, pressionados pelo andar de cima, alega a associação. Da Funai, nem se fala. O órgão que nasceu há 55 anos para coordenar e executar a política indigenista do Brasil sofreu desvio de função no atual governo, perdeu dois terços da força de trabalho e tem a maioria de seu orçamento contingenciada.
O resultado dessa equação é que só no primeiro trimestre uma área equivalente a 200 campos de futebol foi devastada dentro do território Yanomami, que o mundo inteiro denuncia como o alvo mais visado pelo garimpo ilegal no Brasil. De acordo com relatório da Hutukara Associação Yanomami, entre outubro de 2018 e o fim do ano passado, a área destruída pelo garimpo ilegal quase dobrou de tamanho, ultrapassando 3,2 mil hectares. Apenas de 2020 para 2021, o desmatamento cresceu 46% em terras yanomamis.
O cenário que o grupo de parlamentares irá encontrar é de desespero, advertem entidades que lutam pelos direitos indígenas. Rios intoxicados pelo garimpo, explosão de casos de malária, oferta em massa de álcool e outras drogas como estratégia de aproximação com jovens indígenas, exigência de sexo em troca de comida. Essas são algumas das denúncias que já chegaram aos senadores. Documento do Instituto Socioambiental (ISA) classifica este como “o pior momento de invasão das terras Yanomami desde a demarcação e homologação”, no início dos anos 1990.
Para o senador Paulo Paim (PT-RS), a soma do relato das organizações não governamentais à denúncia recente da Ascema não deixa dúvidas: “O governo atual mostra total desprezo para com o povo Yanomami”.
“É uma situação inaceitável. A fiscalização é fundamental para coibir o garimpo ilegal, a poluição dos rios, a devastação do meio ambiente. Mulheres e crianças indígenas estão sendo estupradas e mortas. Líderes indígenas que denunciam estão sendo ameaçados de morte. Um ataque frontal aos direitos humanos”, protestou o senador.