Duas imagens no início do ano contrastaram no país: primeiro, a criação do primeiro Ministério dos Povos Indígenas (MPI), enquanto, em Roraima, os brasileiros se chocaram com cenas da crise humanitária vivida pelos Yanomamis em Roraima. Após anos de descaso, o país finalmente pode se orgulhar de retomar políticas de apoio aos povos originários.
“Hoje [19/4] é o Dia Internacional dos Povos Indígenas. Depois de 4 anos de preconceito, desrespeito e esquecimento, agora, no governo Lula, os povos originários tem vez, voz. Comemoramos as conquistas e os avanços e seguimos exigindo justiça e respeito. Sempre!”, afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE), pelo Twitter.
Além da criação do MPI, o governo Lula já começou com a ajuda emergencial ao povo Yanomami. Operações organizadas pelo governo federal identificaram um cenário de terror em Roraima, com terras indígenas invadidas por homens armados, destruição de postos de saúde, desvio de medicamentos, poluição dos rios com mercúrio (utilizado no garimpo), exploração sexual, trabalho análogo ao de escravo, além de doenças, desnutrição e mortes.
As medidas incluíram atendimento médico imediato a milhares de indígenas, além de envio de alimentos, remédios e servidores para destruir acampamentos de garimpo ilegal, aplicação de multas e investigações para descobrir os culpados pelo descaso.
Lula também se preocupou em garantir recursos imediatos para os povos originários. No início de abril, assinou uma medida provisória abrindo crédito extraordinário de R$ 640 milhões para ações de auxílio e proteção aos indígenas e seus territórios.
Do total disponibilizado, R$ 146 milhões serão destinados à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para, entre outros, a demarcação de terras indígenas; R$ 135 milhões para o emprego das Forças Armadas em apoio a ações emergenciais nesses territórios; R$ 64 milhões para a fiscalização ambiental e R$ 91 milhões para a Polícia Federal atuar na prevenção e repressão ao tráfico e outros crimes.
“O Brasil voltou a respeitar os povos originários, com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, a retomada da política indigenista, a homologação de territórios. A luta continua. Co Yvy Oguereco Yara – Esta Terra Tem Dono. ‘Nunca mais um Brasil sem nós’”, destacou o senador Paulo Paim (PT-RS), nas redes sociais.
Para o senador Rogério Carvalho (PT-PE), é preciso trocar o preconceito pelo respeito.
Bom dia! Neste 19 de Abril, Dia dos Povos Indígenas, troque o preconceito pelo respeito. Os indígenas não são mais os mesmos de 500 anos atrás. Modernidade e ancestralidade caminham juntas em defesa do direito de ser indígena! pic.twitter.com/LpvMwRNjoF
— Rogério Carvalho 🇧🇷 1️⃣3️⃣ (@SenadorRogerio) April 19, 2023
Comissão externa
A crise humanitária que atingiu o povo Yanomami em Roraima se tornou tema de uma comissão externa criada no Senado, que tem Humberto Costa como representante do Partido dos Trabalhadores.
As denúncias recolhidas pelos integrantes do colegiado são extremamente graves. De acordo com representantes dos povos indígenas, além de fome e mortes, o governo Bolsonaro incentivou o aumento da violência e do desmatamento no território.
“Durante os últimos quatro anos, o governo anterior incentivou o garimpo ilegal. Fez de tudo para legaliza-lo na nossa região. Os garimpeiros chegavam lá dizendo para as comunidades que o presidente havia legalizado. Mas não é verdade. Mentem. Governo anterior incentivou a violência nas terras indígenas Yanomami”, apontou Júlio David Magalhães, presidente da Associação Wanasseduume Ye’kwana.
A diferença no tratamento ao tema entre as gestões Bolsonaro e Lula, aliás, também foram tema de uma das audiências da comissão. Quando esteve no colegiado, a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, afirmou que, enquanto um governo deixava os indígenas expostos a riscos, o atual foca na proteção e apoio a esses povos.
“Estamos mudando a gestão. O que sempre alertamos é que temos uma legislação que já obriga o Estado brasileiro a fazer a proteção territorial. Temos uma vasta lista de decisões judiciais neste sentido. Estava faltando vontade política? Então estamos numa nova era, onde os gestores estão com toda a vontade política tanto de cumprir a legislação quanto as decisões judiciais”, esclareceu.
Dados divulgados mostram que o governo atual, por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), expediu mais de 50 autos de infração e multas que ultrapassam os R$ 28 milhões. Além disso, fez diversas apreensões para inviabilizar o garimpo ilegal no território: entre elas, 23 barcos, 6 aviões e 1 helicóptero. Também foram desmobilizados mais de 280 acampamentos, onde era comum a apreensão de armas.
Punições
Além de ações emergenciais, integrantes da base aliada do governo querem punição aos responsáveis pela situação dos Yanomamis. Para o líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), o governo Bolsonaro deve ser responsabilizado tanto por ação quanto por omissão.
Contarato citou como exemplo a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, julgada em 2022 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e que trata da crise Yanomami. Em um despacho sobre o caso, o relator Luís Barroso citou medidas adotadas pelo governo anterior que podem ter agravado a situação no território indígena.
Uma delas foi a publicação no Diário Oficial, pelo então ministro da Justiça Anderson Torres, da data e local de realização de operação sigilosa de intervenção em terra indígena. Outra suspeita são os indícios de alteração do planejamento em uma operação da Força Aérea Brasileira (FAB), resultando em alerta aos garimpeiros que comprometeu a efetividade da ação.
“O Supremo vem na ADPF e fala: olha, o governo Bolsonaro está sendo omisso sistematicamente. Tanto que defendi que fosse incluído no relatório da CPI da Covid também a omissão pelo genocídio dos povos indígenas. E se não for comprovado dolo, agiu ou por imprudência, que é um ato perigoso, ou por inação, ou por imperícia. Mas esses são os fatos”, argumentou o líder do PT no Senado.
O parlamentar pontuou diversos desmontes promovidos pela gestão anterior e que resultaram na crise vivida pelo povo Yanomami. Entre elas, a edição da Medida Provisória (MP), atribuindo ao Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas. Contarato citou ainda medidas que aumentaram a produção e proliferação de agrotóxicos no país e autorizações de exploração em terras indígenas.
Para Contarato, os resultados de medidas como essas “vão ficar na história”, já que facilitaram uma série de crimes cometidos contra o povo Yanomami. Na sequência, o senador listou a “ficha corrida” dos ilícitos facilitados pelo governo anterior.
“Homicídios, lesão corporal, ameaça, estupro, favorecimento da prostituição, exploração sexual de crianças e adolescentes, corrupção de menores, tráfico de pessoas, condição análoga à de escravo, crime contra a saúde pública, esbulho possessório [quando o proprietário perde a posse de um bem por meio de violência ou clandestinidade], dano, falsificação de documento público. Ele [Bolsonaro] permeou o Código Penal”, afirmou o líder do PT no Senado.
“Todo esse desmonte que foi operado na pauta ambiental tem nome e sobrenome: Jair Messias Bolsonaro e seus ministros. E que devem ser responsabilizados tanto por ação quanto por omissão. Tanto a título de dolo quanto a título de culpa. E quero que sejam responsabilizados nos âmbitos penal, civil e administrativamente”, acrescentou.