Guerra da verdade

Combate a fake news exige regras para redes e militância atuante

Seminário do PT aponta caminhos para tornar ágil e efetiva a luta contra as falsas notícias
Combate a fake news exige regras para redes e militância atuante

Foto: PT na Câmara

Não basta difundir a verdade, denunciar a mentira e esperar uma decisão da Justiça. Na guerra contra as fake news, é preciso ir além: municiar a militância para reagir rapidamente e, ao mesmo tempo, pressionar pela adoção de regras para as plataformas de redes sociais. Esse foi o ponto de convergência entre os debatedores do seminário Combate às Fake News realizado nesta segunda-feira (28), dentro da série de debates Resistência, Travessia e Esperança organizada pelas Lideranças do PT no Senado e na Câmara, PT nacional, Fundação Perseu Abramo e Instituto Lula.

Divididos em duas mesas, os participantes trataram dos desafios para o combate à mentira no Brasil e de como essa ação se refletirá durante as eleições gerais de outubro.

Como salientou o deputado federal Rui Falcão (PT-SP), que coordenou o debate, “estamos entrando numa guerra que já está em andamento”. Ele alerta que, contra a campanha antecipada diária feita pelo presidente e seus ministros, é preciso entusiasmo, engajamento e integração. “Temos que fazer uma campanha militante, integrar todos os setores que podem combater fake news e a milícia digital bolsonarista”, defendeu.

Foto: PT na Câmara

O senador Humberto Costa (PT-PE) lembrou que um dos pontos cruciais para ajudar no combate a falsas notícias é a aprovação da rastreabilidade de mensagens, tema que está em debate por meio do projeto de lei (PL 2.630/2020) que tramita na Câmara sobre fake news, aprovado pelo Senado em 2020.

“É um tema fundamental a possibilidade de rastrear quem foi o primeiro autor de uma notícia falsa. Deveríamos ter um instrumento para aquelas condições em que vale a pena tomar medida judicial, para que possamos tomar contra quem de direito”, afirmou Humberto. “Isso também intimidaria autores e criadores de fake news por dar condições de identificar quem deu origem àquela desinformação, sem que isso signifique qualquer ação contra a liberdade de expressão de ninguém”, completou.

Cenário internacional

A pesquisadora Lia Ribeiro apresentou casos de regulação das plataformas de redes sociais na Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos, demonstrando que a preocupação com a disseminação de mentiras já vem desde 2016, pelo menos. A mais recente é a Lei dos Mercados Digitais, um acordo entre Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu para regular as empresas de tecnologia que têm estatuto de gatekeepers (intermediárias de conteúdo), como Alphabet (Google e YouTube), Apple, Amazon, Meta (Facebook e Instagram), Booking e Alibaba, que somam um valor de mercado equivalente a 75 bilhões de euros (o equivalente a quase R$ 400 bilhões).

Para o jornalista Jonas Valente, integrante do Intervozes, esse cenário internacional mostra que a regulação precisa ter uma visão integrada para coibir a expansão de um modelo de negócio que se baseia em monetizar a partir do engajamento de conteúdos extremos, com discursos de ódio, por exemplo.

Ele também defendeu a aprovação do PL 2.630, mas considerou preocupante o lobby das plataformas. “Infelizmente, há uma ofensiva para reduzir a transparência e a moderação de conteúdos”, alertou. Ainda assim, o projeto é um avanço, para ele, exceto o artigo 38, que trata de conteúdos jornalísticos e deveriam ser tratados em outra lei.

Cide Digital

Na mesma linha, a secretária-geral da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Beth Costa, se colocou contra a inserção desse artigo no projeto sobre fake news e defendeu o PL 2.950/2021, de Rui Falcão, o melhor caminho para o debate, centrado em direitos autorais de jornalistas a serem cobrados das plataformas que reproduzem conteúdo e ganham dinheiro com ele por meio de engajamento.

Ela informou ainda que está em estudo um novo projeto de lei, que está sendo debatido com a Liderança do PT no Senado, para criar a Cide Digital, que seria a formação de um fundo criado pela taxação das grandes plataformas pelo uso de conteúdo jornalístico de terceiros para cobrir os chamados desertos de notícias. “Quase 2 mil municípios não têm nenhum veículo de comunicação. A ideia é implementar a informação plural e independente para que a comunicação no Brasil seja democrática”, afirmou.

Mais militância, menos judiciário

Para o jurista Eugênio Aragão, a judicialização deve ser o último recurso, a ser usado em casos mais graves e quando há identificação clara do autor. Neste período pré-eleições, ele considera a articulação com as redes sociais e ações de inteligência os caminhos mais efetivos para minimizar a força da mentira.

“Não pode depender do Judiciário, porque é como enxugar gelo: se derruba dez sites, aparecem mil outros. Os partidos políticos precisam trabalhar no período que antecede as eleições sobretudo com articulação junto às plataformas. E o trabalho de inteligência e contrainteligência também é muito importante, infiltrar nas redes hostis pessoas que possam, antes que as notícias falsas se massifiquem, identificar a fabricação e interferir a tempo”, afirmou.

Ele defendeu também investimento em formação e educação política para municiar e motivar a militância a combater fake news com rapidez e eficiência. “A direita trabalha com o que a ciência política alemã chama de shit storms, ou seja, tempestades de excrementos, um mecanismo extremamente efetivo e rápido para difundir uma mentira cuja base é uma semiverdade. E para isso, é preciso conhecer dinâmica dessas redes”, explicou.

Verdade na Rede

Para o advogado Cristiano Zanin, “o grande desafio é dar resposta no tempo adequado”. E a Justiça, nesse caso, acaba não tendo a agilidade necessária. Ele enumerou as dificuldades da judicialização: não há crime específico para enquadrar o autor, sendo possível recorrer apenas os crimes contra a honra do Código Penal; a identificação da autoria do crime é difícil; o custo de investigação para definir a autoria é muito alto e demorado; o acesso a informações das plataformas ainda é limitado.

“É preciso garantir outras formas de combate, como a educação política, o engajamento e a propagação de informação correta”, afirmou Zanin. Ele citou o exemplo do projeto Verdade na Rede, que já está atuando para servir como contraponto às fake news contra o PT, Lula e outros dirigentes, e também como canal de denúncia e como fonte de informações e dados para a atuação da militância.

Para o representante do InternetLab, Francisco Brito Cruz, a regulação das plataformas é parte essencial do processo de combate às fake news. Segundo ele, isso pode acontecer por várias frentes, como o projeto em debate na Câmara, resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acordos para moderação de conteúdos e pressão política para uma atuação proativa das redes.

“É importante ter uma visão de ecossistema, já que existem muitas plataformas diferentes e cada uma cumpre uma função diferente para públicos diferentes”, considerou. “É uma atividade gigantesca, industrial. As redes precisam ter boas regras, mas precisam ter times organizados e inteligência artificial para identificar e fazer valer essas regras.”

Papel do TSE

Na opinião da advogada eleitoral Samara Castro, o TSE tem papel estratégico na luta contra a desinformação. “Justamente pelos ataques que sofreu, teve que nos últimos meses desenvolver uma expertise que não existia no judiciário brasileiro para entender qual é o funcionamento da desinformação, de onde vem, para onde vai e como se organiza. E tem tido sucesso nisso”, disse.

Para ela, foi um ponto fora da curva a decisão do fim de semana de um juiz do tribunal que acatou pedido do PL, partido de Bolsonaro, para impor censura a artistas do festival Lollapalooza após uma manifestação pró-Lula da cantora Pablo Vittar.

“Essa decisão segue lógica parecida com a da desinformação de maneira global, que é a lógica da pós-verdade. É um questionamento que não busca ganhar o debate, mas só fazer com que as pessoas tenham desconfiança e gerar compartilhamento”, alertou.

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