Em maio de 2011, quando Osama Bin Laden foi morto, um colega de trabalho expressou sua descrença na humanidade e nos avanços dos Estados democráticos, ao fundamento de que, após os Estados Unidos da América terem assumido publicamente que praticaram tortura para conseguir informações sobre o paradeiro do líder da Al Qaeda e o mundo emudecer, nada mais espanta e não há nenhuma certeza no palco da justificação dos meios pelos fins.
Faz todo sentido. Sendo a tortura um crime contra a humanidade, a justificação de seu uso para prisioneiros é tão obscena que jamais deveria receber condescendência, quanto menos ter em sua legitimação o silêncio das autoridades de todo o mundo. Dar guarida à crença de sua serventia é trocar qualquer indício de humanidade pela mais abjeta barbárie.
Lembro-me dessas nossas altercações no presente porque, passados dois exatos anos, me parece que o quadro não só era verdadeiro como vem se agravando no mundo inteiro, no claro do dia, não mais em surdina, e bem diante de nossos olhos. No Brasil, o Congresso Nacional se apresenta como a fotografia viva de que vivemos uma onda de conservadorismo explícito, que se manifesta nos discursos e propostas apresentadas, na composição das comissões das duas Casas Legislativas, na influência de poder nos colegiados de decisões, justificados, em parte, pelo corporativismo entre os pares, pelo sistema de alianças e formação de blocos parlamentares e pela preponderância dos interesses de lobistas dos mais variados temas, legítimos ou não.
Os recentes debates que envolvem a questão da diminuição da maioridade penal e da internação compulsória de dependentes do uso de drogas, longe de serem os únicos, são dois temas que evidenciam o avanço do conservadorismo no Congresso. Não por serem novos, porque de fato não o são, mas por contarem, de um lado, com a intensa militância de setores ligados às igrejas evangélicas fundamentalistas e a segmentos reacionários da sociedade, e de outro com a ausência de discursos e proposições que façam o contraponto dentro de uma visão progressista e de esquerda.
Pelo levantamento divulgado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – Diap em 2012, há 160 parlamentares que defendem o agronegócio, presentes na bancada ruralista e que se misturam à bancada de empresários. A bancada evangélica, por sua vez, possui 73 parlamentares, sendo 70 deputados e 3 senadores e, não raro, fazem alianças com os ruralistas. O exemplo da “dobradinha” mais emblemático foi na votação do Código Florestal.
Como caixa de ressonância da sociedade que é, o Congresso Nacional parece refletir a paralisia aparente dos movimentos sociais e o enfraquecimento dos partidos políticos com história e legitimidade para fazer o devido enfrentamento dos temas, complicados pela formação de alianças para conferir governabilidade e a dificuldade de fazer uma reforma política verdadeira, que não trate apenas de mudanças pontuais sobre o sistema eleitoral. Além, por óbvio, da relação com a mídia, também conservadora, e dos resultados das pesquisas como indicadores de posicionamento da sociedade sobre determinadas matérias.
A moralidade cristã é hoje um dos principais pilares da tomada de decisão para voto no parlamento brasileiro, seja para aprovar, rejeitar ou barrar a tramitação de um projeto. Basta verificar, mesmo que superficialmente, o teor dos discursos proferidos nos debates legislativos. O assustador é que isso se dê
Por outro lado, no que se reporta ao debate da maioridade penal, a exemplo de todos os temas que se referem ao Direito Penal, feito em dissonância com a pesquisa científica, o conhecimento técnico e jurídico e as experiências mundiais, os discursos e os projetos de lei tem como base os receios e anseios populares, feitos sempre à mercê da ocorrência de algum acontecimento violento que comove o país, como se a ampliação da democracia pudesse se restringir a dar ensejo ao populismo penal, sem questionamentos sobre os efeitos concretos de uma lei e os resultados que pretenda alcançar.
Dado é que estamos em um processo que se acentua. E assistir placidamente a ele, dia após dia, me entristece e me lembra, inexoravelmente, aqueles fragmentos dos versos do brasileiro Eduardo Alves da Costa, tão comum a todos que são filhos da esquerda neste país, atribuído quase sempre e por equívoco ao alemão Bertold Brecht. Diz o poeta que, de termos silenciado sempre e nunca feito nada, quando “eles” roubarem nossa luz e nos arrancarem a voz da garganta já não poderemos mesmo fazê-lo, será tarde.
Paz e bem.
* Tânia M. S. Oliveira é assessora técnica da Liderança do PT no Senado