Constituição de 1988

Golpe coloca conquistas dos povos indígenas em risco

“Estamos diante de um povo ameaçado pela ganância" afirma a senadora Regina Sousa (PT-PI), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado
Golpe coloca conquistas dos povos indígenas em risco

Foto: Alessandro Dantas

A promulgação da Constituição 1988 estabeleceu um marco no reconhecimento dos direitos e interesses dos povos originais do Brasil. Essas conquistas, porém, nunca estiveram tão ameaçadas como agora, sob o governo que emergiu do impeachment de 2016. “Completados 30 anos da Constituição Federal de 1988, que consagrou a natureza pluriétnica do Estado brasileiro, os povos indígenas do Brasil vivem o cenário mais grave de ataques aos seus direitos desde a redemocratização do país”, afirmam representantes de 190 etnias indígenas no documento final do Acampamento Terra Livre.

Realizado todos os anos para marcar o Dia do Índio, o acampamento reuniu em Brasília, ao longo desta semana, mais de 4 mil indígenas, para debates sobre os desafios à sobrevivência de suas culturas e enfrentar as tentativas conservadoras de mudar a legislação e o estrangulamento das políticas públicas voltadas para os indígenas. Retroce

Direito à diferença
A Carta de 1988 foi profundamente inovadora em relação às constituições anteriores e ao Estatuto do Índio. Ela abandonou de vez a ideia de assimilação — a concepção segundo a qual os indígenas precisariam ser “civilizados” aos moldes da sociedade branca, sendo absorvidos por esta. O modelo pautado em noções de tutela e assistencialismo foi substituído pelo reconhecimento de cada cultura indígena como uma forma de estar no mundo, não como “desvio” ou mesmo “atraso”.

A pluralidade étnica do Brasil foi consagrada no texto constitucional, cabendo ao Estado proteger e promover esse “direito à diferença” assegurando a prerrogativa dos indígenas de permanecerem como tais indefinidamente. “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, diz o caput do artigo 231 da Constituição.

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Foto: Alessandro Dantas

Direito à terra
A Constituição de 1988 também reconheceu a capacidade civil dos povos indígenas e retomou a noção dos chamados “direitos originários”, reconhecida desde a época colonial que afirma o direito dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam como anterior à formação do próprio Estado brasileiro, existindo, portanto independentemente de qualquer reconhecimento oficial. Esse é um dos aspectos da Carta de 88 que vem sofrendo o maior bombardeio dos setores conservadores.

“O direito originário sobre nossas terras, assegurado como cláusula pétrea pelo Artigo 231 da Constituição, vem sendo sistematicamente violado pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, não apenas com a completa paralisação das demarcações das terras indígenas, mas também mediante a revisão e a anulação dos processos de reconhecimento dos nossos direitos territoriais”, denunciam os indígenas reunidos no Acampamento Terra Livre.

Eles alertam que “o governo ilegítimo de Michel Temer” fere a Constituição ao tentar impor a tese do marco temporal—segundo a qual uma área teria que estar ocupada por uma comunidade indígena à época da promulgação da Constituição para ser considerada terra indígena. “Essa é uma das mais graves violações contra os nossos povos”, acusam as etnias, situação fruto de negociações com a bancada ruralista.

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Desmantelamento
A esse quadro, somam-se as protelações no âmbito do Judiciário, onde tramitam milhares de ações baseadas pela tese do marco temporal, e o sucateamento das políticas públicas destinadas a promover a qualidade de vida e a proteger os direitos indígenas.

O loteamento político da Fundação Nacional do índio (FUNAI)—cuja direção está sendo disputada por um general e um ruralista, como denunciou a senadora Regina Sousa — e o desmantelamento do órgão, com redução drástica em seu orçamento, inviabiliza as ações voltadas para demarcações, fiscalização, licenciamento ambiental e proteção de povos isolados e de recente contato”.

“Temer está desmontando a Funai, um órgão de Estado essencial para assegurar o direito à cidadania, à dignidade, às terras, às riquezas e ao respeito às culturas indígenas”, aponta o senador Paulo Rocha (PT-PA) , que participou intensamente das atividades do Acampamento Terra Livre. Desde a derrubada do governo Dilma, as verbas federais destinadas às políticas para os povos indígenas sofreram drástica redução.

Cabide de empregos
A proteção aos indígenas está ameaçada, acusa o senador Jorge Viana (PT-AC), porque o governo Temer “resolveu transformar a Funai num cabide de empregos e de ajuste de acordos políticos. E isso é terrível numa hora como esta”. Os cortes no orçamento deixam a instituição até mesmo sem recursos para os servidores. “Para agravar, resolveram agora estabelecer critérios de composição de aliança político-partidária usando a Funai como um espaço a ser ocupado nesse sentido”.

A situação fica ainda mais grave com a Emenda Constitucional 95, derivada da “PEC da Morte”, que congela os investimentos públicos por 20 anos. Uma das reivindicações dos povos reunidos no Acampamento Terra Livre é exatamente a revogação dessa emenda, a chamada Lei do Teto de Gastos. A União planeja destinar à Funai, neste ano, R$ 100 milhões em custeio (queda de 25% em relação a 2015) e R$ 7,5 milhões em investimento (-23%).

Ameaças legislativas
Assim como toda a bancada do PT, Paulo Rocha está empenhado em barrar propostas legislativas que ameaçam as comunidades indígenas, como o PLS 626/2011 — que pretende escancarar a Amazônia ao plantio da cana-de-açúcar, estimulando a derrubada da floresta.

Mas a principal ameaça legislativa aos direitos e à sobrevivência das comunidades indígenas é a proposta que pretende mudar a Constituição para colocar nas mãos do Congresso a decisão sobre demarcações de terras. A PEC 215, gestada pela bancada ruralista, quer substituir a decisão técnica sobre a questão pela decisão política. “São muitas ameaças às comunidades indígenas”, lamenta o senador Jorge Viana (PT-AC). “Eles não querem nada além do que preservar as suas áreas, que seus parentes que ainda não têm as áreas demarcadas possam ter sua terra”.

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