“O que posso afirmar, com toda segurança, é que houve falha grave na execução do Protocolo de Ações Integradas. Se tivessem cumprido à risca o plano, os atos de vandalismo do dia 8 de janeiro não teriam sido consumados.” Assim, o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres derrubou a falsa tese bolsonarista de omissão do governo federal com relação aos atos golpistas.
Durante o depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Golpe, Anderson Torres afirmou categoricamente que a proteção da Esplanada dos Ministérios era responsabilidade exclusiva da Polícia Militar do Distrito Federal. “Pelo que a gente viu nas imagens, faltaram policiais ali naquele dia”, declarou Torres nesta terça-feira (8/8).
“Nós tivemos um comportamento que a PMDF praticamente escoltou os golpistas até aqui, então a omissão e a conivência das instituições a CPMI têm que apurar dando relevância e responsabilidade a quem de qualquer forma tenha concorrido para esses eventos”, destacou o líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES).
Importante lembrar que Anderson Torres, então secretário de Segurança Pública do DF, tinha a PMDF como órgão subordinado à sua pasta. “A PM virou saco de pancada e o objeto de defesa do inquirido. Quando, na prática, ele [Torres] era o comandante maior dessas forças”, lembra o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
O deputado federal Rubens Pereira Júnior (PT-MA) destacou que a tese bolsonarista de omissão do governo federal se desmonta por completo após a afirmação feita por Anderson Torres de que o protocolo foi descumprido pela PMDF.
“O protocolo impediria uma tentativa de golpe de Estado. Mas o protocolo não foi seguido. E a principal suspeita é de que tenha sido o senhor que tenha determinado que ele não fosse cumprido”, disse o deputado a Torres.
O deputado ainda lembrou o fato de, na CPI da Câmara Legislativa do DF, o coronel Marcelo Casemiro ter declarado que o coronel Paulo José, então chefe do comando de Operações da PM, foi o autor da ordem para abertura da Esplanada dos Ministérios para os bolsonaristas.
“Quem enterra a tese de omissão [do governo federal] é Anderson Torres”, enfatizou Rubens Pereira Júnior. “A minha dúvida, e eu ainda estou na fase da dúvida, é se foi uma falha ou um boicote.”
O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) também demonstrou estranheza com a facilidade com a qual os golpistas acessaram o interior de prédios localizados na Praça dos Três Poderes.
“Eu já participei de muitas manifestações, participei de muita greve, sempre pacífica. Se essa fosse uma manifestação pacífica, e ela não era, a PM teria feito a dispersão daquele pessoal imediatamente, principalmente sabendo do que eu li aqui. Qualquer manifestação muito maior já foi dispersada por forças, inclusive, pequenas. E lá nada disso foi feito”, pontuou.
Retorno ao Brasil e o celular perdido
Anderson Torres tomou posse como secretário de Segurança Pública no DF em 2 de janeiro, e no dia 6 viajou de férias para os Estados Unidos. Após os ataques golpistas, o bolsonarista retornou para o país em 14 de janeiro, já com sua prisão decretada. Torres alegou ter perdido seu aparelho celular durante a viagem, contou não ter feito qualquer registro formal disso e, depois, entregou senhas inválidas para acesso aos dados na nuvem.
Fabiano Contarato questionou se Anderson Torres, ao dar como perdido o celular nos EUA, fez registro da ocorrência junto à polícia local. Torres alegou ter sentido falta do aparelho na véspera de seu retorno ao Brasil e por isso não teria feito qualquer registro oficial do caso.
Além disso, o senador questionou se Anderson Torres teria conhecimento da convocação, em redes sociais, por parte da esposa, para “a maior mobilização da história”. A convocação seria para as manifestações golpistas realizadas em 15 de novembro do ano passado. À época, Torres ainda era ministro da Justiça de Bolsonaro. Torres alegou desconhecer o episódio até tomar conhecimento ali, na CPMI.
Minuta do golpe
A relatora da CPMI, Eliziane Gama (PSD-MA), disse não ser crível a versão apresentada por Anderson Torres, de que a “minuta do golpe”, encontrada em sua casa, era lixo para ser descartado, como alegado pelo depoente.
O documento, segundo a senadora, não estava “jogado” num canto da casa e pronto para ser descartado. “No documento do Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da República, em um dos pontos diz o seguinte: ‘Não se trata de documento que seria jogado fora estando, ao invés, muito bem guardado’”.
Torres afirmou durante o depoimento que o documento não foi para o lixo por “mero descuido”.
Operação da PRF nas eleições
O colegiado ainda questionou Anderson Torres sobre os bloqueios realizados por policiais rodoviários federais em rodovias durante o segundo turno das eleições em outubro do ano passado. A PRF está sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça.
Torres afirmou que a diretoria de inteligência do Ministério da Justiça produziu uma planilha “onde constavam os locais onde os candidatos Lula e Bolsonaro obtiveram mais de 75% dos votos no primeiro turno, com o intuito de fazer um cruzamento e tentar identificar possíveis crimes eleitorais nestes redutos”, mas o documento não teria sido compartilhado com a PRF.
Torres ainda confirmou ter ido até a Bahia, cinco dias antes do segundo turno, para vistoriar obras. Na oportunidade, ele teria se encontrado com o superintendente do órgão no estado. O superintendente da Polícia Federal na Bahia durante o período eleitoral, Leandro Almada, já afirmou em depoimento à PF ter recebido de Torres pedido para reforçar policiamento nas ruas em 30 de outubro, dia do segundo turno.
“O assunto específico seria o debate dos pontos de votação, sobretudo os pontos onde o então candidato à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, teria uma proeminência de votos. O Almada coloca de forma clara e diz que não foi apenas uma visita a órgãos em construção da Polícia Federal. Eu estou protocolando [pedido de] uma acareação entre os dois para que a gente possa dirimir esses fatos e trazer ao conhecimento da comissão sobre o que realmente ocorreu”, disse a senadora Eliziane Gama.