O ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Gonçalves Dias afirmou à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Golpe que os ataques golpistas contra os prédios do Três Poderes da República em 8 de janeiro só foram possíveis em decorrência das falhas na execução do Plano Escudo de defesa do Palácio do Planalto, responsabilidade inicial da Polícia Militar do Distrito Federal.
“O consórcio de ações e inações das forças policiais que não foram eficazes no cumprimento de atividades previstas no Protocolo de Ações Integradas, elaborado pela área de segurança do governo do Distrito Federal, levou àqueles eventos”, disse o militar nesta quinta-feira (31/8).
De acordo com Gonçalves Dias, a Polícia Militar do DF seria a responsável pela realização de um bloqueio na altura da Rodoviária do Plano Piloto – local onde foram divulgadas imagens dos bolsonaristas sendo conduzidos por policiais até a Esplanada dos Ministérios – e um segundo bloqueio na altura dos palácios do Ministérios do Itamaraty e da Justiça.
“Assisti ao último bloqueio da PMDF ser facilmente rompido antes que vândalos chegassem ao [Palácio do] Planalto. Aquilo não poderia ter acontecido, só aconteceu porque o bloqueio da PMDF foi extremamente permeável. Foi um ataque único, inimaginável e inédito”, disse o general aos parlamentares.
“Naquele dia foram cometidas agressões impensáveis à democracia brasileira”, emendou Gonçalves Dias.
O general também relatou aos parlamentares não ter recebido informes de inteligência sobre os iminentes ataques do dia 8 de janeiro. Segundo Gonçalves Dias, ele recebeu apenas mensagens “esporádicas” e de maneira informal por meio do ex-diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Saulo Moura da Cunha.
O militar ainda relatou à CPMI que decidiu ir ao Palácio do Planalto em 8 de janeiro, mesmo após o secretário-executivo do GSI à época, general Carlos Penteado, tendo dito que ele não precisaria se deslocar até o local. Ao chegar ao Planalto, Gonçalves Dias relatou ter cobrado com “um palavrão” o general Penteado acerca da ausência do bloqueio de responsabilidade da PMDF. Sem responder, Carlos Penteado teria saído para “montar o bloqueio”, segundo G. Dias.
Após os atos, surgiram imagens na imprensa nas quais Gonçalves Dias surge dentro do Palácio do Planalto entre os manifestantes golpistas. Questionado pela relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), o ex-ministro negou que tenha colaborado com os invasores e disse que deixou o GSI em abril após a “divulgação imprecisa e desconexa” dos vídeos.
“Claro que tive ímpetos de reagir e confrontar. Contudo, controlei-me porque tinha que cumprir minha missão: não deixar que devassassem o núcleo central do poder palaciano, o gabinete do presidente da República. Eu estava desarmado e à paisana. Concentrei-me para retirar os vândalos do Palácio o mais rápido possível, de preferência sem baixas e sem confrontos sangrentos”, explicou.
O líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), rebateu a narrativa dos extremistas de direita que apontam a participação do governo Lula a partir de uma alegada omissão diante dos atos golpistas. O senador destacou ser impossível que apenas com oito dias de governo, o general Gonçalves Dias pudesse fazer o mapeamento de todos os servidores, dentre os 1.200 lotados no GSI, com aspirações golpistas herdados pela gestão Bolsonaro.
“Querer atribuir responsabilidade ao presidente Lula? O que foi feito com os acampamentos que ficaram na frente dos quartéis desde novembro do ano passado? A PM escoltando os golpistas por oito quilômetros, nisso sim vemos responsabilidade. O senhor não agiu com dolo ou culpa. Agiu dentro daquilo que o dever lhe competia”, disse o senador Fabiano Contarato.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) elogiou a postura do depoente, que, segundo ele, esclareceu todos os pontos necessários para a elucidação dos fatos e necessários ao avanço das investigações. Além disso, o senador destacou o contexto altamente contaminado e politizado das Forças Armadas encontrado pelo general em seu retorno ao comando do GSI, no início deste ano. Durante o governo Dilma Rousseff, o general foi chefe da Coordenadoria de Segurança Institucional.
“O senhor veio aqui com muita decência e dignidade. E falou tudo aquilo que aconteceu. O senhor vinha de um tempo em que o Exército não estava contaminado nem era um puxadinho de um partido político. Era uma instituição que guardava sua autonomia. Doze anos depois, o senhor volta e esse Exército tem uma contaminação por uma bactéria que deixou as pessoas desnorteadas e motivadas por uma sanha golpista”, destacou Rogério Carvalho.
General negou adulteração de documentos do GSI
O general Gonçalves Dias afirmou durante o depoimento que “nunca mandou ninguém adulterar” relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre os atos golpistas.
O militar se explicou aos parlamentares após o surgimento da tese de que ele teria ordenado a alteração de um documento levado à CPMI pelo ex-diretor-adjunto da Abin Saulo Moura Cunha.
“Não mandei ninguém adulterar documento nem tirar meu nome dos relatórios. Tão somente determinei ao senhor Saulo que organizasse as informações que seriam enviadas à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência dentro de uma lógica única”, explicou.
Segundo o general, os alertas sobre as manifestações de 8 de janeiro foram feitos em um grupo de WhatsApp “constituído de órgãos públicos”.
“Como eu não integrava aqueles grupos, como não estava sequer usando celular público naquele momento e não constava o nome de pessoas no relatório ,apenas de órgãos, determinei que as informações fossem padronizadas a fim de respondermos com presteza e com a verdade”, detalhou.
Ministro dá explicação sobre o uso da Força Nacional
Em ofício enviado à CPMI, o ministro da Justiça, Flávio Dino, informou que a anuência do governador Ibaneis Rocha para a atuação da Força Nacional durante a invasão aos prédios públicos só foi dada às 17h29 daquele dia.
O ministro acrescentou que, por força de lei, os integrantes da Força Nacional não poderiam agir sem a autorização do governo do Distrito Federal, por conta de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Jamais poderia cometer abuso de autoridade confrontando uma decisão do STF”, diz Flávio Dino no documento.
O ministro explicou que uma decisão do STF de setembro de 2020 estabelece que a dispensa de anuência dos governos estaduais violaria os princípios da autonomia das unidades da Federação.
O ministro da Justiça também cita uma reunião feita com a equipe de segurança pública do Governo do Distrito Federal na véspera dos ataques à Praça dos Três Poderes avisando que a Força Nacional ficaria responsável pelo policiamento dos prédios do ministério e da Polícia Federal, e caberia à Polícia Militar do DF a segurança dos outros locais.
Dois outros ofícios foram enviados pelo Ministério da Justiça à comissão: um dispondo de imagens de câmeras de segurança do prédio; e outro explicando que foram encaminhadas à CPMI as imagens consideradas importantes pela Polícia Federal.
O documento acrescenta que muitas imagens foram apagadas por conta do contrato com a empresa que presta o serviço, que estabelece um período de 30 dias para a guarda do material.
Em resposta aos extremistas que apontam a possibilidade de o governo estar escondendo alguma coisa da CPMI, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) explicou que o GDF, mesmo após deliberação do colegiado, não enviou nenhuma imagem do Centro Integrado de Operações de Brasília. O motivo é que as imagens são apagadas após 60 dias.
Mesmo assim, nenhum parlamentar extremista questiona a ausência de informações prestadas pelo governo local à CPMI. “Questionam imagens que vieram do Ministério da Justiça e ninguém falou aqui que o GDF recusou [o envio] das imagens, porque dizem que foram apagadas. É bom a gente mostrar a falta de isenção no debate político e a parcialidade na análise dos documentos que chegam à CPI”, disse a deputada Jandira Feghali.