O assassinato de Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, será lembrado pela concretização de seguidas ameaças feitas por Bolsonaro e seus aliados. Mas também pode marcar o recrudescimento do combate à violência política no Brasil. Um projeto de lei apresentado nesta segunda-feira (11) pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, Humberto Costa (PT-PE), altera o Código Penal para tornar qualificado o homicídio cometido por motivo de ideologia, intolerância ou inconformismo político, assim como o que é executado para interferir no processo político eleitoral ou para impedir o livre exercício de mandato eletivo.
Caso o projeto se torne lei, um assassinato como o que vitimou Marcelo Arruda deixaria de ser considerado homicídio simples e seria julgado com outra dosimetria. Em vez de 6 a 20 anos, o criminoso poderia pegar entre 12 e 30 anos de cadeia. No texto da proposta, Humberto Costa defendeu que esse tipo de crime atenta contra o bem jurídico mais relevante tutelado pelo Estado, que é a vida, e representa uma grave ameaça à democracia.
“Hoje a violência política patrocinada pelo presidente da República e seus principais seguidores, se não for parada agora, terá durante a eleição um aumento muito significativo, e um projeto de lei como esse vai incluir a violência política que resulta em assassinato, em nosso Código Penal, como homicídio qualificado. É uma maneira de tentar impedir que situações como essa se repitam e que o Brasil possa seguir o rumo que sempre teve até hoje — um país democrático e que resolve suas diferenças políticas na eleição, democraticamente e pacificamente”.
Indignação
Era uma comemoração de aniversário. Com tudo a que tinha direito: bolo, música e sorrisos. Até ser invadida por um penetra que resolveu provocar os convidados e o homenageado, que havia escolhido Lula e o PT como tema para a decoração da festa. Houve discussão. E minutos depois o invasor, bolsonarista, assassinou o aniversariante, que em legítima defesa — como comprova câmera de vídeo de segurança do local — ainda atirou contra o criminoso. Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, 50 anos, deixou família, quatro filhos. O assassino está hospitalizado.
O assunto foi notícia dentro e fora do Brasil neste domingo (10) e gerou indignação — inclusive com parte da mídia tradicional, que insiste na tese de crime decorrente de “polarização ideológica”, o que foi imediatamente refutado por Humberto Costa.
“Não é sobre disputa política. O Brasil viveu praticamente 20 anos de polarização entre PSDB e PT e jamais vimos tamanha violência política. O que estamos vivendo é uma ação criminosa de extremistas, incentivados pelo discurso de ódio de Bolsonaro. E isso precisa ficar claro”, sustentou o senador.
Bolsonaro, que emula a violência dia sim, dia também, foi o último dos presidenciáveis a se pronunciar sobre o caso, e o fez com mais uma agressão, postando que violenta é a esquerda. Humberto Costa reagiu.
“Finalmente Bolsonaro resolveu se manifestar sobre a morte de Marcelo Arruda. E suas declarações dizem muito sobre ele. Mais uma vez, ele ataca os adversários e sequer manifesta solidariedade com a família da vítima. Nem em um momento de dor, o presidente consegue ter humanidade”, analisou.
Vice de Bolsonaro, o general Mourão desdenhou da morte de Marcelo ao afirmar que “não é preocupante, ocorre todo final de semana”. Mas em outro terreno, o do bom senso, restou a certeza de que foi um crime de ódio, e que não foi isolado. Pessoas poderiam ter morrido com artefato explosivo jogado na multidão em encontro com Lula na Cinelândia, no Rio de Janeiro, semana passada. Antes, houve o episódio de Uberlândia, em que um drone jogou sobre o público substância usada em lavoura.
Líder da Minoria, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) lembrou esses antecedentes e afirmou que as instituições precisam dar respostas vigorosas.
“A democracia está sendo atacada. Mais do que prender um ou outro maluco, é preciso ir ao cerne dessa questão: quem incentiva essa violência? A quem interessa perturbar essa eleição, que já tem um franco favorito? O poder judiciário e o poder legislativo não podem fingir que não há algo de errado. Isso não é normal e precisamos nos mobilizar já para garantir que episódios como esse ou até piores não se repitam nos próximos meses”, pregou o senador.
Ao se solidarizar com a família de Marcelo, o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), também apontou de onde parte o estímulo à violência.
“O assassinato de Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu tem o incentivo de Bolsonaro e seus milicianos. Trata-se de um crime bárbaro, estimulado diariamente por quem fala em ‘fuzilar a petralhada’ na campanha. Toda solidariedade à família, aos companheiros do PT e amigos de Marcelo!”, escreveu o líder.
“O extremismo e a violência do bolsonarismo fizeram sua primeira de muitas vítimas nessa temporada eleitoral sangrenta e sombria”, anotou Fabiano Contarato (PT-ES), ao manifestar condolências aos familiares de Marcelo.
Também Paulo Paim (PT-RS) enviou pêsames à família do companheiro de partido e pediu um basta à intolerância política, aos discursos de ódio e às ameaças.
“Se algum espaço houver na prática de uma política que se queira maiúscula em qualquer sociedade avançada, é preciso compreender que a intolerância legalmente albergada e aceita não é compatível com a democracia. A democracia não tem como tolerar a própria intolerância”, analisou.
Rogério Carvalho (PT-SE) lamentou que “a intolerância política, a destruição de reputações com notícias falsas, a violência e o ódio se tornaram uma realidade que ameaça vidas no Brasil.”
Já o colega Jaques Wagner (PT-BA) classificou o ocorrido como “um ato inaceitável” e cobrou providências. “Precisamos acabar com a política do ódio para voltarmos a ter um ambiente de respeito, acima de qualquer divergência. Violência e ódio não podem e não serão normalizados”, indignou-se.
Disque-denúncia
Antes mesmo do assassinato de Marcelo Arruda, a CDH vem trabalhando para coibir casos de violência política. Num encontro na semana passada, Humberto Costa obteve do procurador-geral da República, Augusto Aras, o compromisso de agilizar as investigações sobre violência política ocorridas no Brasil. O assunto pode ser objeto de acordo entre a Procuradoria Geral da República e o Congresso Nacional nos próximos dias.
Outra providência é a criação de um canal exclusivo para o recebimento de denúncias de violência política. A CDH criou um e-mail para receber essas manifestações: [email protected].