“A orientação da minha defesa técnica foi permanecer em silêncio até o acesso à íntegra dos autos e a apresentação da defesa com todos os esclarecimentos para cada um dos fatos que me são imputados.” Essas foram as poucas palavras proferidas pelo ex-comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Fábio Augusto Vieira e repetidas de forma reduzida durante todo o depoimento prestado à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Golpe, nesta terça-feira (29/8).
O coronel foi um dos presos em operação deflagrada pela Polícia Federal no último dia 18 de agosto. Foram detidos também o coronel Klepter Rosa, que o havia substituído do comando da PMDF, e outros cinco militares da corporação.
Os pedidos de prisão foram feitos pelo coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos (GCAA), Carlos Frederico Santos, a partir das investigações feitas pela Procuradoria-Geral da República sobre os ataques golpista do dia 8 e omissões identificadas por parte da cúpula da PMDF.
Como o próprio ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres admitiu em depoimento à CPMI, a responsabilidade pela segurança da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes era da PMDF – e havia um planejamento detalhado sobre como a polícia deveria agir na oportunidade. O plano, no entanto, acabou ignorado pelo próprio comando da PMDF, dentre eles, o coronel Fábio Augusto Vieira.
Entre as sabotagens já identificadas, está o uso de policiais pouco experientes naquele dia e a determinação de que as tropas ficassem de sobreaviso (em casa) e não de prontidão (nos batalhões).
“O que me causa mais constrangimento como cidadão é ver que aqueles de patente mais alta, que deveriam se posicionar contra, eram os principais autores da conivência com a tentativa do golpe. No Exército, nas forças de segurança e na política. Uma institucionalidade que estava acometida pela sanha golpista que tomou conta do país por quatro anos”, destacou o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
Durante fala inicial, o coronel disse ter ficado “consternado” com os golpistas depredando prédios públicos, patrimônios históricos e atacando instituições do país.
Mas, não era esse o comportamento verificado nos grupos de mensagens frequentados pelo coronel e outros membros da cúpula da PMDF. O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) expôs áudio enviado pelo coronel Klepter Rosa, sucessor de Fábio no comando da PMDF, para o colega de corporação.
“Na hora que der o resultado das eleições que o Lula ganhou, vai ser colocado em prática o art. 142, viu? Vai ser restabelecida a ordem, se afasta Xandão, se afasta esses vagabundo tudinho e ladrão, safado, dessa quadrilha… Aí vocês vão ver o que é pôr ordem no país. Não admito que o Brasil vai deixar um vagabundo, marginal, criminoso e bandido, como o Lula, voltar ao poder”, disse.
“Rapaz, vocês têm que entender o seguinte: o Bolsonaro, ele está preparado com o Exército, com as Forças Especi… As Forças Armadas, aí, para fazer a mesma coisa que aconteceu em 64. O povo vai pras rua, que ninguém vai aceitar o Lula ser… Ganhar a Presidência, porque não tem sentido, o povo vai pedir a intervenção e, aí, meu amigo, eles vão nos livrar do comunismo novamente”, diz a voz enviada pelo policial no grupo integrado pelo coronel Fábio Augusto.
O material encontrado em grupos frequentados pelos membros do comando da PMDF, aponta Rogério Correia, mostra como houve uma ação deliberadamente dolosa por parte de membros das forças de segurança do Distrito Federal e o coronel Fábio Augusto integrou a tentativa de golpe com sua omissão, inclusive, colocando em risco a vida de seus colegas de farda.
O senador Fabiano Contarato (ES), líder do PT no Senado, lembrou que a PMDF, comandada pelo coronel Fábio Augusto Vieira à época, escoltou os golpistas por quase oito quilômetros no trajeto entre o acampamento em frente ao Quartel General e a Praça dos Três Poderes. Essa seria mais uma prova da omissão da força policial do DF.
“A Constituição determina qual é a função da Polícia Militar. Compete à Polícia Militar o trabalho de policiamento ostensivo para garantia da ordem pública e prevenir que a conduta delituosa ocorra. Quando o senhor como comandante da PM se omite deliberadamente, a omissão do senhor é penalmente relevante”, ressaltou.
Coronel tinha conhecimento das manifestações na véspera
A relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), apontou que mensagens recebidas pelo coronel Fábio Augusto, no dia 7 de janeiro, detalhavam como seria todo o cronograma das manifestações da Esplanada, com indicativo de ataque às sedes dos Três Poderes.
“Todas as informações que vêm até o senhor, até o momento, eram informações claras de que realmente havia uma possibilidade e uma ação iminente ali que colocaria, na verdade, em xeque, em risco, a vida das pessoas. E aí quando eu falo das pessoas, falo, inclusive, de militares que deveriam ser direcionados para aquele lugar. Daí a necessidade de serem pessoas com uma certa experiência para poder, de fato, fazer esse enfrentamento”, disse a senadora.
Eliziane Gama ainda argumentou que, apesar de a Secretaria de Segurança do DF ter elaborado um Plano de Ações Integradas, apenas um efetivo de 200 militares alunos do curso de formação foram realmente direcionados para esse atendimento.
Anderson Torres é o elo entre Bolsonaro e cúpula da PMDF
Na avaliação do deputado pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), as investigações demonstram de maneira didática que havia baixo efetivo destacado para impedir o avanço dos golpistas no dia 8 de janeiro, boa parte dos policiais destacados para a Esplanada dos Ministérios estava no curso de formação e a tropa sequer estava de prontidão.
“Isso me parece uma falha deliberada, e as condutas devem ser individualizadas”, apontou. “Contaminada ideologicamente, uma força de segurança agiu contra a democracia.”
Além disso, o parlamentar aponta para o elo entre Bolsonaro e a cúpula da PMDF. Anderson Torres deixou de ser ministro da Justiça do governo anterior para virar secretário de Segurança Pública do DF.
“No dia 6 de janeiro, esse indivíduo, com esse histórico, com esse contexto, viaja antes das férias formais para fora do Brasil. Seria injusto, será injusto se toda a responsabilidade ficar na cúpula da PM e não se entender Anderson Torres como elo de ligação entre Bolsonaro, bolsonarismo, intencionalidade golpista e a Polícia Militar do DF”, reforçou o pastor Henrique Vieira.
Para além de Anderson Torres e da cúpula da PMDF, o senador Rogério Carvalho pontuou ser necessária a convocação de membros do Exército para explicarem aos parlamentares os motivos que impediram os militares de desmontarem os acampamentos golpistas montados na frente dos quartéis de diversas cidades brasileiras.
“É preciso trazer alguns generais aqui para explicar o porquê e para que, ao invés de proteger os brasileiros, o Brasil e o Estado Democrático de Direito, decidiram ferir tudo isso para perpetuar a ignorância, o terraplanismo e o obscurantismo”, disse o senador.