De toda a equipe ministerial do futuro governo Jair Bolsonaro, sem dúvidas, uma das que causou maior estranheza e espanto foi a da advogada e pastora evangélica Damares Alves. Não pela profissão que exerce, muito menos pelo exercício da fé e da religião. O impacto vem pelas posições publicamente defendidas pela futura ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos.
A ex-assessora do senador conservador Magno Malta (PR-ES) é conhecida por posições que devem ameaçar as conquistas recentes obtidas pelas Minorias durante os governos Lula e Dilma.
Damares já afirmou ser contra a legalização do aborto e disse que a gravidez “é um problema que dura apenas nove meses”. Além disso, o Estatuto do Nascituro deve ser prioridade da pasta. O projeto encontra-se em tramitação no Congresso Nacional e tem como objetivo garantir direitos dos fetos e também prevê uma bolsa à mulher que sofreu estupro para que ela não efetue o aborto, garantido por lei neste caso.
“Temos projetos interessantes no Congresso Nacional. O mais importante que a gente vai estar trabalhando é a questão do Estatuto do Nascituro. Vamos estabelecer políticas públicas para o bebê na barriga da mãe nesta Nação”, disse a futura ministra.
O Brasil possui cerca de 11,6 milhões de famílias constituídas de mães solo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outro dado que a ministra parece desconhecer ou ignorar é que só no estado de São Paulo ocorreram 19.715 prisões de homens que não pagaram pensão alimentícia em 2017, segundo informações da Polícia Civil. “A afirmação é no mínimo absurda e um desrespeito com todas as mulheres que se dedicam a criar seus filhos sozinhas”, denuncia a Secretária Nacional de Mulheres do PT, Anne Karolyne.
“Gravidez não é problema, o problema são as inúmeras crianças sem pais no registro, os diversos casos de violência obstétrica, as dificuldades que as mulheres encontram para retornar ao mercado de trabalho depois de se tornarem mães”, emenda Anne.
Damares deve se tornar responsável também pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pela Fundação Palmares, instituição que hoje está vinculada ao Ministério da Cultura.
A Fundação Palmares está em atividade desde 1988, tendo sido a primeira instituição pública voltada para promoção e preservação da arte e da cultura afro-brasileira. Neste período, emitiu mais de 2,4 mil certificações para comunidades quilombolas no País. O documento reconhece os direitos das comunidades quilombolas e dá acesso aos programas sociais do governo federal.
As comunidades quilombolas foram alvos de ataques de Jair Bolsonaro durante discurso realizado no Clube Hebraica, no Rio, em abril do ano passado. “Eu fui em um quilombo em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”, afirmou o então deputado. Bolsonaro disse ainda que os quilombolas da comunidade “não fazem nada” e “nem para procriador eles servem mais”, disse à época.
Defensora do projeto que ficou conhecido como Escola Sem Partido, Damares defendeu recentemente uma espécie de “contrarrevolução cultural” baseada na educação transmitida às crianças.
“Vamos ter que cuidar da mulher lá na infância, lá na escola. Menino de 3 anos vai aprender que a menina merece ganhar flores. Menino de 7 anos vai poder levar chocolate para a menina porque ela é especial”, disse a futura ministra.
Na avaliação da senadora Regina Sousa (PT-PI), presidenta da Comissão de Direitos Humanos (CDH), os pensamentos externados, até o momento, pela futura ministra representam uma séria ameaça nas conquistas já obtidas por parcelas da população anteriormente marginalizadas.
“Nossa preocupação é com as conquistas já obtidas e com o tratamento que receberão as minorias que os governos petistas tentaram tornar visíveis, como índios, negros, quilombolas. Gente que nunca teve voz. Eu temo o desastre que pode se instalar na política de Direitos Humanos com a mudança radical de postura e direcionamento do setor”, disse a senadora.