“Direitos só para um lado”, denunciam participantes de audiência

O direito à propriedade, garantido pela Constituição e evocado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para determinar a reintegração de posse do terreno do Pinheirinho, valeu apenas para o especulador Naji Nahas, dono da empresa Selecta, a cuja massa falida pertence o terreno onde viviam as 1600 famílias desalojadas pela polícia no dia 22 de janeiro. Essa foi uma das constatações a que chegaram os participantes da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado que discutiu a desocupação da comunidade, nesta quinta-feira (23/02).

“Por que tanta pressa em destruir a propriedade dos pobres? De passar com o trator sobre camas, colchões, roupas e documentos?”, questionou o senador Eduardo Suplicy, referindo-se à ação fulminante do governo paulista, que, poucas horas após a expulsão das famílias, começou a por abaixo suas casas, sem sequer dar tempo aos moradores de recolher seus pertences. O vídeo “Somos Todos Pinheirinho”, exibido na abertura da audiência, mostra retroescavadeiras destruindo móveis e eletrodomésticos.

Articulação nefasta
“Nunca vi uma articulação tão nefasta entre os poder Executivo e o Judiciário”, atestou o deputado Ivan Valente (PSol-SP), também presente à audiência. Há quatro anos, ele acompanhava a luta da comunidade do Pinheirinho pela desapropriação do terreno. “Fala-se em cumprimento de ordem judicial, em respeito ao direito à propriedade, mas fica claro que se cumpriu a lei de um lado só, em favor de um especulador”.

Apesar dos protestos do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) — único aliado do governo paulista presente à audiência — Valente afirmou ser “bastante razoável” questionar os interesses que pautaram a juíza Márcia Farias Mattei Loureiro, da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, que permaneceu irredutível em sua ordem de reintegração de posse, apesar de estar em curso uma negociação que já havia assegurado 15 dias de prazo aos moradores do Pinheirinho. O acordo contava com o aval até do administrador da massa falida da empresa Selecta, dona do terreno.

Razoabilidade
Valente, Suplicy, o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e o presidente do PSTU, José Maria de Almeida lembraram, que, para além do conflito entre as decisões judiciais exaradas em instâncias distintas — a 6ª Vara Cível determinava a reintegração, enquanto o Tribunal Regional Federal proibia qualquer intervenção da polícia — e a contraposição do direito à propriedade dos donos do terreno com o direito à moradia das 1.600 famílias, o governo do estado de São Paulo desrespeitou o princípio da razoabilidade, ao determinar a expulsão das famílias.

Além da violência, eles apontaram a falta de um plano de contingência que assegurasse alojamento digno aos 6.000 expulsos do Pinheirinho, no curto prazo, e alternativas de moradia, mais adiante, como exemplo doe que o governo de São Paulo excedeu os limites da lei, ferindo o princípio da razoabilidade.

“Quando a Polícia Militar age à revelia da decisão judicial, ela está infringindo a Lei”, afirmou José Maria. “A sinalização que foi dada é clara: quem tem força faz o que quer”, denunciou. Ele exigiu a identificação, a responsabilização e a punição dos culpados pelos episódios de violência registrados durante a desocupação do terreno.

Antônio Ferreira pediu a ação do Governo Federal para tentar encontrar uma solução para o impasse. “Nós esperamos que o Governo Federal promova a desapropriação da área, para que possamos resolver de vez o problema”.

Ele disse que a comunidade do Pinheirinho sempre esteve disposta a pagar pelas parcelas do terreno que ocupavam. “Se houve radicalismo, não partiu dos moradores”, garantiu.

O advogado convidou os presentes a participar da comemoração pelos oito anos da ocupação do Pinheirinho, que será festejada com uma grande festa no próximo dia 03/03, na área conhecida como “Campão”, onde o tumulto gerado pela ação policial contra os moradores começou.

Leia mais:

Suplicy reage, indignado, às insinuações de senador tucano

PSDB tenta esvaziar audiência sobre Pinheirinho; Suplicy quebra manobra

Pinheirinho: União diz que prefeitura se recusou a participar de acordo

Pinheirinho: “Desocupação foi um estupro social”, diz morador

To top