O Brasil tem mais de 1,6 milhão de pessoas trabalhando como motoristas ou entregadores por aplicativo. E esse enorme contingente de trabalhadores atua hoje no Brasil sem nenhum tipo de regulamentação.
De acordo com a pesquisa “Futuro do Trabalho por Aplicativo”, conduzida pelo DataFolha, 51% dos trabalhadores do setor dependem exclusivamente desse trabalho como fonte de renda. Outros 14% afirmam que esse tipo de trabalho é sua principal fonte de renda. Além disso, cerca de 89% dos entrevistados afirmam ser essencial garantir direitos e benefícios para esses trabalhadores, desde que a flexibilidade existente não seja afetada.
A situação levou a Comissão de Direitos Humanos (CDH), presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS) a debater nesta quinta-feira (23/11) a situação dos trabalhadores de aplicativos e a relação trabalhista. A audiência pública foi realizada no âmbito do ciclo de debates para tratar do Estatuto do Trabalho (SUG 12/2018).
O senador destacou o fato de que, desde 2019, foram registradas mais de 780 mil ações envolvendo pedido de reconhecimento de vínculo empregatício, o que mostra a urgência de o Brasil ter uma legislação acerca do tema.
“É fundamental uma regulamentação em lei. E o Congresso Nacional tem essa obrigação”, disse Paim.
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse nesta semana à imprensa que está otimista para um acordo de regulação de trabalho por empresas de aplicativos por transporte de passageiros. Conforme o ministro, a base de um projeto de lei que regulamente a atuação dessas companhias está próxima. Os últimos detalhes estão para serem acertados e a proposta será encaminhada ao Congresso Nacional.
O objetivo da regulamentação é estabelecer diretrizes em quatro áreas cruciais: remuneração mínima, seguridade social, segurança no trabalho, transparência nos pagamentos e nos critérios dos algoritmos.
O juiz do Trabalho Gilberto Augusto Leitão Martins apontou que os trabalhadores por aplicativos de transporte estão numa situação de total desamparo. Segundo o magistrado, vende-se a informalidade como uma política moderna, mas a ausência de proteção social do trabalhador é o que se pode ter de mais atrasado na legislação.
“Se diz muito que a relação de trabalho, é uma relação privada entre o trabalhador e a empresa. É sim. Mas que interessa a toda a sociedade. É o trabalho formal que está por trás de políticas públicas importantes, como o FGTS e como era a Previdência Social. Imagine que o motorista de aplicativo se acidenta, adoece. E que tipo de auxílio ele vai ter? Ele está completamente jogado à margem da nossa sociedade”, disse.
Para o advogado José Pinto da Mota Filho, o ponto principal da regulamentação do exercício desses trabalhadores deve ser garantir a proteção previdenciária.
“Não é possível que trabalhadores que desempenhem essa atividade não tenham nenhuma proteção previdenciária. Imagine uma mulher motorista de Uber, ela fica grávida, precisa tirar uma licença-gestante, muitas vezes fica uma semana com o bebê, volta a trabalhar e precisa retornar para casa e amamentar o bebê. Ou seja, não tem direito sequer ao salário-maternidade para cobrir esse período de licença”, disse o advogado.
Empresas utilizam de artimanhas para negar relação com trabalhadores
A classificação dessas empresas no Brasil é uma das preocupações apresentadas pela procuradora do Trabalho Priscila Dibi Schavarcz. Segundo ela, existe uma pressão para que essas plataformas digitais sejam caracterizadas como empresas de tecnologia.
“Essas empresas não ofertam tecnologia, não vendem aos seus usuários soluções tecnológicas. Elas ofertam um serviço de transporte de uma pessoa de um ponto ao outro, ou de uma mercadoria. Essas são empresas de transporte ou entrega de mercadoria. Não são empresas de tecnologia. E esse é mais um subterfúgio utilizado para afastar a relação entre a prestação de serviço dos trabalhadores e a atividade principal”, alertou a representante do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Trabalhadores não têm o mínimo de suporte para atuar
A advogada do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos do Distrito Federal Lili de Lima Cruz relatou o cotidiano desses trabalhadores, que, sem suporte dos aplicativos, não têm acesso às questões básicas.
“Eu mesma já atuei como motorista de aplicativo e eu senti o que passam os motoristas com a falta de pontos de apoio. E isso tem tudo a ver com direitos humanos. São horas e horas dirigindo, e a gente não consegue parar por conta das corridas que surgem. Precisamos pedir favor para ir ao banheiro num bar ou restaurante, até mesmo em casas de passageiros”, relatou.
O presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos do Distrito Federal, Marcelo Rodrigues Chaves, explicou a mudança de comportamento das empresas para atrair profissionais desde o começo da implementação das plataformas e a forma com que hoje elas exploram o trabalhador que atua nesse segmento.
“A taxa do aplicativo [por corrida] antigamente era um sonho para gente. Girava entre 20% e 25%. Hoje tem corrida que a plataforma desconta até mesmo 70%. Ou seja, ela deixou de ser parceira e passou a ser sócia majoritária sem ter nenhum gasto. O que as empresas deram no período de implementação, hoje elas estão tirando dos motoristas”, criticou.
Nova CLT
Chamada de “novo Estatuto do Trabalho”, “nova CLT” ou “CLT do Século 21”, a SUG 12/2018 está em tramitação na CDH.
A sugestão foi apresentada por meio do portal e-Cidadania pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), pela Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT) e a Associação Latino-Americana dos Juízes do Trabalho (ALJT).
A sugestão legislativa foi arquivada em dezembro de 2022 em razão do encerramento da legislatura, mas foi desarquivada a pedido do presidente da CDH, senador Paulo Paim, que também é relator da matéria e requerente do ciclo de audiências. Caso aprovada, a SUG 12/2018 passará a tramitar como projeto de lei, primeiramente na própria CDH.