A Comissão de Direitos Humanos (CDH) realizou audiência pública nesta quarta-feira (4) para debater o impacto das políticas de austeridade sobre os direitos humanos. Na oportunidade, também foi apresentado relatório da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca Brasil) questionando com dados a real necessidade de enfrentamento da atual crise econômica pela qual o País passa utilizando-se a austeridade fiscal.
“Essa relatoria faz com que a gente se distancie das estatísticas frias e passe a olhar um retrato da realidade que talvez seja mais cruel do que a gente possa imaginar”, resumiu o economista Pedro França.
De acordo com o relatório apresentado pela Dhesca Brasil, o País enfrenta hoje a maior contração do PIB de sua história, superior a 7%, além de índices alarmantes de desemprego: de acordo com os dados do último PNAD, são 13 milhões de pessoas sem ocupação formal.
“A partir de 2015, marco da promoção do desemprego, da queda de indicadores e da ruptura constitucional, o discurso da necessidade de redução das funções do Estado e de austeridade ganhou amplitude”, alerta trecho do documento.
Além disso, iniciativas recentes do governo federal, como a Emenda Constitucional 95 (que congela gastos públicos nos próximos vinte anos) e a Reforma da Previdência, apontam para o gradual desmonte do Estado como indutor de políticas sociais e fragilizam trabalhadoras e trabalhadores, entidades, movimentos sociais e organizações da sociedade civil.
De maneira articulada, tem-se o aumento da repressão policial, da criminalização de movimentos do campo e da cidade e de defensores de direitos humanos, além da intensificação de políticas racistas de contenção de conflitos sociais – sobretudo por meio do encarceramento em massa e de medidas socioeducativas.
“Essa política econômica adotada pelo governo vem destruindo direitos, gerando um conjunto de cortes e desmontando políticas sociais, concentrando renda e apoiando processos de privatização. Essa política [de austeridade] vem acirrando as desigualdades de gênero, raciais, campo e cidade, geracionais e entre regiões do País”, disse Denise Carreira, representante da Plataforma Dhesca.
Pedro França alertou para os riscos de uma política de austeridade de longo prazo iniciada pelo atual governo com a aprovação da emenda constitucional do teto de gastos e tem o objetivo de “reduzir de forma sistemática do papel do Estado, o gasto público e a garantia dos direitos”.
Teto de gastos contestada judicialmente
A procuradora federal dos direitos do cidadão, Deborah Duprat lembrou que os resultados da emenda 95 já eram previstos no momento da discussão da proposta no Congresso Nacional (PEC 241 e PEC 55). Durante a audiência ela também tornou pública a intenção de encaminhar manifestação à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, questionando a inconstitucionalidade do texto inserido na Constituição Federal.
“Todo o orçamento social de 2018 está reduzido em praticamente 98% comparado ao ano de 2017. Observando a proposta de lei orçamentária de 2018, as políticas de enfrentamento a violência e promoção de autonomia das mulheres sofrerão redução orçamentária de 74%. Em 2017, o corte foi de 52% em relação a 2016. Podemos dizer que acabou a política de promoção do direito das mulheres do Brasil”, exemplificou.
[blockquote align=”none” author=”Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH)”]“Precisamos denunciar essa situação para toda a população. O que está sendo feito significa a violação massiva, intencional e projetada dos direitos humanos. Não podemos aceitar. Precisamos continuar lutando pelos nossos direitos”[/blockquote]
O representante da CNDH ainda afirmou que o relatório da Dhesca Brasil será analisado pelo conselho para que endosse a necessidade de a PGR questionar a emenda 95, a reforma trabalhista “e qualquer possibilidade de retirada de direitos, inclusive, de outras reformas que possam vir a retirar direitos da população”.
A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) destacou a importância da plataforma Dhesca Brasil, rede formada por mais de 40 organizações da sociedade civil, no desenvolvimento de ações de promoção e defesa dos direitos humanos.
“Essa rede tem um papel muito importante na luta em defesa da cidadania do povo brasileiro e averiguação dos casos de violação de direitos. A apresentação desse relatório é muito importante para pautar o trabalho parlamentar e possamos, à luz da pesquisa e da realidade apresentada, lutar contra os retrocessos e avançar nas políticas públicas voltadas para a promoção da cidadania”, destacou.
A senadora Regina Sousa (PT-PI), presidenta da CDH, realizou recentemente audiência pública na cidade de São Paulo para discutir o aumento da população de rua no Brasil. Para ela, é visível o empobrecimento da população e o aumento da população em situação de rua em todos os estados do País.
“Estive em São Paulo recentemente para ouvir a população de rua e ouvi de um deles: ‘O ruim não é morar na rua. O ruim é não ter direitos. Não quero ser acordado com um jato de água fria’. A gente ouve esse tipo de coisa de uma população invisível que o Estado brasileiro não faz questão de ver. Inclusive uma faixa levada por eles para a audiência pública dizia: ‘Não somos perigosos. Estamos em perigo’. Isso é muito forte”, enfatizou.
Recomendações do relatório
O relatório apresentado pela Dhesca Brasil traz as seguintes recomendações:
– Adoção de políticas anticíclicas; Referendo Nacional em 2018 sobre as Emendas Constitucionais 95 (teto de gastos) e 93 (desvinculação de receitas de estados e municípios); Criação de um Comitê Nacional de Emergência; Criação do Mecanismo Nacional de Proteção às Políticas Econômicas de Austeridade; Garantia do cumprimento integral e imediato das vinculações constitucionais para as políticas de educação e saúde (ADI 5595); Reforma Tributária Progressiva.
Estudos realizados pela plataforma
Para formular o relatório, a plataforma realizou estudos em cinco estados do País, cada um com diferente foco: São Paulo (população em situação de rua e moradia), Rio de Janeiro (violência nas comunidades), Goiás (agricultura familiar e reforma agrária), Pernambuco (tríplice epidemia – dengue, zika e chikungunya) e nacional (direitos dos povos indígenas).
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