As alterações promovidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) a partir da reforma trabalhista têm sido alvo recorrente de críticas por parte de especialistas no direito trabalhista. E nesta segunda-feira (25/9) não foi diferente, quando a Comissão de Direitos Humanos (CDH) debateu a possibilidade de aprovação do Estatuto do Trabalho.
Os convidados criticaram pontos modificados pela reforma aprovada durante o governo pós-golpe de Michel Temer, como a autorização para a terceirização da atividade-fim e o esvaziamento de competências da Justiça do Trabalho.
Por iniciativa do senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CDH, o colegiado tem realizado um ciclo de debates sobre a criação do Estatuto do Trabalho, conforme a sugestão legislativa (SUG) 12/2018, encaminhada ao Senado por associações vinculadas à Justiça do Trabalho.
De acordo com Paim, a sugestão popular foi uma reação à aprovação da reforma trabalhista, na gestão Michel Temer, os retrocessos ligados aos direitos laborais.
“Nós queremos trabalho decente para todos. Não dá mais para sermos notícia internacional como país que ainda tem trabalho escravo, por exemplo”, disse o senador.
O presidente da Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho (ALJT), Hugo Cavalcanti Melo Filho, explicou que o trabalho análogo à escravidão se desenvolve com a “possibilidade de terceirizações sem limites”.
Segundo Melo Filho, essa é uma das três questões “mais angustiantes para a classe trabalhadora”, juntamente com o fim da contribuição sindical e a falta de vínculo profissional entre trabalhadores de aplicativos e as respectivas empresas de tecnologia.
“Talvez [a terceirização da atividade-fim seja] o problema mais grave gerado pela reforma trabalhista. No extremo, chegamos no trabalho escravo. Temos constatado que os últimos resgates [de trabalhadores] mostraram que as empresas terceirizadas arregimentam trabalhadores, que depois são submetidos a condições análogas à escravidão”, apontou o magistrado.
A outra questão, segundo o presidente da ALJT, é a incapacidade dos sindicatos para mobilizar os trabalhadores e a redução da militância impactada pela da eliminação das fontes de custeio dos sindicatos.
Trabalhadores de aplicativo
Segundo o doutor em desenvolvimento econômico da Universidade Estadual de Campinas (UniCamp) Marcelo Prado Ferrari Manzano, os motoristas de aplicativo e outros profissionais semelhantes são prejudicados por uma mudança no sistema econômico e social influenciada pelo mercado financeiro desde os anos 1970.
“O iFood começa como marketplace [modelo de negócio que coloca em contato comprador e vendedor] e cobra uma taxa por isso. Vai ganhando como intermediário de mão de obra. Em seguida, vai migrando para uma empresa de crédito. A gente vai percebendo que o iFood passou por vários setores, e ele se anuncia como do setor de tecnologia, que não ‘põe a mão’ em nada”, explicou Marcelo Manzano.
“Curiosamente, tanto o iFood quanto muitas dessas empresas não realizam lucro. Eles oferecem ao mercado um tipo de negócio que parece muito promissor, vendem isso no mercado [financeiro]. Essas empresas passam a se valorizar apenas na especulação. Isso acontece com Uber, com iFood, com Nubank. Qual a cereja do bolo dessa modelagem de valor? É oferecer um negócio que é imune às relações de trabalho”, completou.
Marcelo Manzano mencionou políticas adotadas por outros países como alternativas a esse arranjo. Segundo ele, a Dinamarca passou a tributar a renda e patrimônio das empresas independentemente da quantidade de seus empregados. Já na China, há empresas estatais que gerem os contratos de trabalho e direcionam os profissionais para as empresas.
Justiça do Trabalho
Diretora de assuntos jurídicos da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), Carolina Pereira Mercante apontou que decisões de tribunais superiores diminuíram a esfera de atuação da Justiça do Trabalho. Para ela, é importante que as ações de trabalho dos servidores públicos sejam julgadas pela Justiça do Trabalho. Atualmente, a justiça comum é a responsável.
“Tudo o que foi debatido aqui depende de um Poder Judiciário especializado. Já temos o artigo 114 da Constituição, que diz que a Justiça do Trabalho é competente para julgar as ações oriundas das relações de trabalho. Infelizmente, muitas decisões do STF e do STJ limitam essa competência”, disse a procuradora.
A juíza Dayna Lannes Andrade demonstrou a mesma preocupação. Ela lembrou que o STF decidiu que a “competência para julgar as lides de representantes comerciais autônomos é da justiça comum”, em prejuízo da justiça especializada. O caso foi julgado em 2020.
Para o senador Paulo Paim, a Justiça do Trabalho atua de forma benéfica na mediação de discussões trabalhistas, resolvendo o problema sem precisar que se torne um processo judicial.
“Quando era sindicalista, eu ia construir acordo na Justiça do Trabalho, que acabava mediando, chamando as partes, discutindo. Ela cumpre um trabalho fundamental”, disse o senador.
O consultor do Senado Luiz Alberto dos Santos criticou a prevalência de negociações coletivas entre trabalhadores e patrões sobre a lei trabalhista. Essa foi uma das alterações feitas pela reforma trabalhista de 2017.
Nova CLT
Chamada de “novo Estatuto do Trabalho”, “nova CLT” ou “CLT do Século 21”, a SUG 12/2018 está em tramitação na CDH. O consultor do Senado apresentou as principais mudanças propostas pela proposta e afirmou que o texto corrige injustiças causadas pela reforma trabalhista de 2017.
“Temos 595 artigos, que têm um papel fundamental: assegurar estabilidade a um marco jurídico. A terceirização [é] vedada, exceto em caso de trabalho temporário, transporte de valores e vigilância. Trabalho intermitente [também é] vedado, que é muito importante. E trabalho temporário [permitido] somente para substituir pessoal permanente ou situação excepcional”, explicou.
“[A proposta prevê] proteção contra a demissão a partir de dois anos antes da idade mínima para a aposentadoria e jornada de 40 horas semanais, que já vem sendo adotada em muitos países do mundo. [Também prevê] salário mínimo com garantia de aumento real baseada na variação do PIB, obrigação de salários [corrigidos] pela inflação, e a [prevalência do] negociado sobre o legislado somente se mais benéfico ao trabalhador”, concluiu Luiz Alberto.
Com informações da Agência Senado