A primeira audiência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para debater a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 133/2019) – PEC Paralela – foi marcada pela apresentação de estudo que aponta erros nos cálculos apresentados pelo governo para subsidiar os debates em torno da reforma da Previdência de Bolsonaro (PEC 6/2019). A proposta deve ser votada em segundo turno pelo plenário do Senado na próxima semana.
André Luiz Passos Santos, mestre em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) e Henrique Nogueira de Sá Earp, professor doutor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutor em Matemática pelo Imperial College London apontaram, pelo menos, quatro problemas nas contas do governo que podem ser considerados como “vício de origem” por deturparem a discussão acerca da reforma do sistema previdenciário na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Abaixo alguns dos erros apresentados pelo governo nos cálculos que justificariam a realização da reforma da Previdência:
– Para o salário de R$ 11,7 mil, usado na simulação oficial do custo de uma aposentadoria por tempo de contribuição, o governo usa cálculos para uma aposentadoria por idade mínima.
– O governo inflou o déficit da aposentadoria por idade mínima ao superestimar a aposentadoria tomando o pico contributivo ao invés da média das 80% maiores contribuições e, na outra ponta, subestimar as contribuições do empregado e do empregador.
– Para o salário mínimo, o governo chega a resultados errados ao trocar a simulação de uma aposentadoria por tempo de contribuição por uma aposentadoria por idade mínima.
– Para a aposentadoria por idade, o erro ocorre ao não ser considerada a condição mínima de 15 anos de tempo de contribuição ou a média da aposentadoria por idade nas regras atuais (19 anos de tempo de contribuição), e de tomar o pico e não a média dos salários.
A conclusão do estudo é que a reforma da Previdência acabará diminuindo o subsídio aos trabalhadores mais pobres e acabará jogando cerca de 4 milhões de famílias na miséria nos próximos dez anos.
“Nós somos favoráveis aos fins dos privilégios, mas apenas o fim das aposentadorias por tempo de contribuição não faz isso. Pelo contrário. Nós corremos o risco de jogar 4,5 milhões de pessoas na pobreza. Um dia a sociedade vai nos cobrar isso”, alertou André Luiz.
O cidadão só terá direito ao benefício integral da aposentadoria, de acordo com a proposta do governo, após 40 anos de contribuição. Com base no novo cálculo, será considerada toda a vida laboral e não as 80% maiores contribuições. Assim, ficará quase impossível um trabalhador receber o valor integral do benefício de aposentadoria.
“O Ministério da Economia apresentou dados falsos à sociedade, à imprensa e ao Parlamento e desvirtuou o debate em torno da reforma da Previdência no que tange ao Regime Geral de Previdência Social”, enfatizou Henrique Nogueira.
Dificuldade para acesso aos dados do governo
O professor da Unicamp também questionou o fato de o governo ter levantado sigilo sobre os dados que subsidiaram os cálculos feitos pelo governo Bolsonaro para justificar a reforma. Os dados só foram obtidos pelos especialistas por meio da Lei de Acesso à Informação e após a votação da proposta na Câmara dos Deputados.
“Será que não foi gerado um vício de origem na discussão dos parlamentares ao crerem de boa-fé nos dados de subsídio apresentados pelo governo? Por que decretar sigilo sobre um trabalho bem feito e honesto? ”, questionou.
O secretário de Previdência do Ministério da Economia, Leonardo José Rolim Guimarães, afirmou que o sigilo dos dados ocorreu até o momento da instalação da Comissão Especial na Câmara. A partir daí, segundo ele, todos os estudos foram colocados na página da Secretaria de Previdência.
Durante sua exposição, o representante do governo afirmou que reforma da Previdência, ao contrário do que a propaganda oficial afirmou nos últimos meses, não vai equilibrar o sistema previdenciário.
“A PEC não vai tornar o sistema [previdenciário] equilibrado e não era de se esperar que fosse [equilibrá-lo]. Nosso sistema se torna menos insustentável do que é hoje, embora continue tendo déficit e crescimento da despesa”, afirmou.
Na primeira audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para debater a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 6/2019) – Reforma da Previdência de Bolsonaro –, no dia 20 de agosto deste ano, o secretário especial de Trabalho e Previdência do Ministério da Economia, Rogério Marinho, havia admitido que a proposta do governo não iria gerar emprego e renda. “Não será a reforma do sistema previdenciário que vai gerar emprego, renda e oportunidade no Brasil”, disse ao final de sua apresentação.
Em abril deste ano, Jair Bolsonaro usou seu perfil no Twitter para defender a aprovação da proposta de reforma da Previdência garantindo que o Brasil iria gerar 4,3 milhões de empregos até 2022 apenas com a aprovação da medida.
O senador Paulo Paim (PT-RS), autor do requerimento da audiência pública, afirmou que diante da divergência de dados e diante das dúvidas em torno da reforma do sistema previdenciário, o provável destino da execução das novas regras, se aprovadas, será o questionamento judicial.
“Reconhecemos que as dúvidas continuam. Não ficou claro ainda. Já tivemos outro debate, não tinha ficado claro e continua não ficando claro. Essa divergência nos números deverá, mais adiante, terminar no Poder Judiciário”, avaliou.
Confira a apresentação de André Luiz Passos Santos e Henrique Nogueira de Sá Earp
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