Direitos Humanos

Falta de clareza sobre deficiências prejudica cidadãos, apontam especialistas

Audiência pública solicitada pelo senador Paulo Paim serviu para divulgar a avaliação biopsicossocial, instrumento previsto pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência

Alessandro Dantas

Falta de clareza sobre deficiências prejudica cidadãos, apontam especialistas

Senador Paulo Paim coordenou debate na manhã desta segunda-feira (27/11)

A falta de uma legislação clara sobre os diferentes tipos de deficiências prejudica quem tem essa condição e leva a uma sobrecarga do sistema de proteção social. A análise foi apresentada nesta segunda-feira (27/11) pelos participantes de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH), cujo objetivo foi divulgar a avaliação biopsicossocial prevista no parágrafo 3º do art. 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Trata-se de um instrumento do Grupo de Trabalho (GT) sobre a Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência, instituído pelo Decreto Presidencial 11.487/2023, que funciona no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

O requerimento para a audiência foi apresentado pelo presidente do colegiado, senador Paulo Paim (PT-RS), a pedido de representantes do Poder Executivo e de entidades da sociedade civil. Além de subsidiar a avaliação, o GT tem como metas propor os processos de implantação e de implementação das medidas em construção, bem como planejar os processos de formação e de qualificação das equipes envolvidas. O relatório final deve ser apresentado até junho de 2024.

Gradação

Para a especialista em políticas públicas e gestão governamental do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Liliane Cristina Gonçalves Bernardes, a legislação que garante direitos e benefícios para as pessoas com deficiência no Brasil não esclarece a gradação, contemplando indistintamente pessoas com deficiência leve, moderada ou grave. Segundo Liliane Bernardes, isso gera competição entre as próprias pessoas com deficiência, resulta em má alocação de recursos públicos e prejudica os indivíduos com deficiência em maior gravidade, que assim enfrentam maior restrição de participação social. 

Liliane Bernardes apontou a falta de coordenação entre os órgãos públicos e serviços responsáveis por atender demandas das pessoas com deficiência e disse ser preciso revisitar e reestruturar o conjunto de políticas públicas, com vistas à redefinição de objetivo, público e observando as eventuais sobreposições. A especialista frisou também que todo esse trabalho é uma competência comum dos os entes federados, com o governo federal como responsável por induzir a implantação da avaliação em âmbito nacional.

“É uma responsabilidade compartilhada [entre os entes federativos], e isso é importante ser colocado aqui, para que possamos refletir e agir. Além disso, a meu ver, a gradação é uma situação que precisa ser aprimorada, ou seja, a diferenciação na avaliação do grau de uma deficiência, se é leve, moderada ou grave. É necessário orçamento específico para implantação e manutenção do sistema nacional de avaliação ao longo do tempo, com um sistema de tecnologia da informação apropriado, bem como qualificação das equipes”, observou

Exercício da cidadania

Outro ponto destacado na audiência pública é a necessidade de se esclarecer, junto à sociedade, que a deficiência não é um impeditivo dos indivíduos de gozarem plenamente de seus direitos e de exercer a cidadania. Diretora de Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Naira Rodrigues Gaspar explicou que o modelo biopsicossocial é uma abordagem multidisciplinar que compreende as dimensões biológica, psicológica e social de um indivíduo. Portadora de deficiência visual, ela disse ser preciso mais difusão de conhecimento sobre o assunto e políticas sociais melhor direcionadas.

“O fato de eu ser cega não define como eu vivo a experiência de deficiência. No Brasil, a vivência de uma mulher cega, branca, que vive no Distrito Federal e que tenha tido acesso a estudo, como eu, é diferente de uma mulher cega, negra, moradora de outras regiões mais empobrecidas. As populações mais vulneráveis, que vivem mais isoladas, em regiões de menor potencial e negligenciadas pelo Estado brasileiro são pessoas distintas, que precisam de políticas distintas”, disse Naira Gaspar.

Modelo biopsicossocial

O diretor do Departamento de Benefícios Assistenciais do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Raimundo Nonato Lopes de Sousa, enfatizou que a avaliação biopsicossocial tem relevância ainda maior junto às camadas mais empobrecidas da sociedade. Ele agradeceu o espaço para discutir o assunto no Senado e pediu apoio da sociedade e dos órgãos públicos que trabalham em favor das pessoas com deficiência. 

“A avaliação feita agora é importante, plena, holística, abrangendo as pessoas com deficiência em sua diversidade. O sistema atual não atende plenamente, por isso é importante que o modelo biopsicossocial seja o único [adotado], porque é necessário abranger o entorno em que vivem esses cidadãos. Não é só uma condição corpórea; as pessoas vivem num território, e todo esse ambiente precisa ser avaliado. Isso é o que analisamos, ouvindo a sociedade, em todos os segmentos, e o que será muito mais justo de ser implementado em favor dessas pessoas”, afirmou.

Avaliação dinâmica

Já o diretor da Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade (APABB), Roberto Paulo do Vale Tiné, considerou que os frutos do grupo de trabalho “farão significativa diferença na vida das pessoas com deficiência e de suas famílias”. Ele ressaltou que o conceito de deficiência permanecerá o mesmo, mas as barreiras que impedem a completa interação desses indivíduos na sociedade tendem a ser minimizadas. Tiné lembrou ainda que a avaliação é dinâmica e poderá ser revisada, aperfeiçoada e readaptada ao longo do tempo.

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