Povos indígenas

“Farei parte dessa história, mas do lado certo”, diz Paim sobre marco temporal

Especialistas criticam argumentos para expulsar povos indígenas de suas terras e pedem que Senado rejeite projeto que “tratora” a Constituição Federal

Comissão de Direitos Humanos do Senado debate marco temporal

“Farei parte dessa história, mas do lado certo”, diz Paim sobre marco temporal

Audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado debateu marco temporal nesta quinta-feira (29/6). Foto: Geraldo Magela

A proposta que trata do marco temporal para demarcação de terras indígenas (PL 2.903/2023) “assassina direitos” e “tratora” a Constituição Federal, ao ferir cláusulas pétreas. Essas são as teses defendidas por debatedores durante audiência pública, nesta quinta-feira (29/6), na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado.

O projeto é absurdo por restringir a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. O texto prevê que esses territórios, para que recebam reconhecimento, devem ao mesmo tempo ser habitados em caráter permanente, usados para atividades produtivas e necessários à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.

Os especialistas presentes na CDH, no entanto, destacaram os erros de interpretar a Constituição, ainda mais via projeto de lei – o correto seria via proposta de Emenda Constitucional (PEC). Sobre o sentido de terras tradicionalmente ocupadas, como prevê o projeto, a principal crítica é que o artigo 231 não se relaciona a tempo de ocupação, mas de conhecimentos e experiências naqueles territórios.

“A Constituição protege a tradicionalidade e a origem desse povo, e não o contrário. Não existe marco temporal. Em nenhuma Constituição existe um marco limitando: olha, a partir daqui existem povos indígenas ou existe a tradicionalidade”, explicou o secretário executivo do Conselho Missionário Indigenista (CIMI), Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira.

Outro ponto sem fundamento é o que trata da alteração de traços culturais – caso isso ocorra na comunidade tradicional, segundo o projeto, a reserva pode ser retomada.

“Se hoje você casar com pessoa asiática e seus filhos forem asiáticos, também, vocês vão ter a sua casa tomada? Seu filho perde direito a herança? E por que nós vamos pagar o preço por alteração de traços culturais quando, historicamente, uma miscigenação foi forçada neste país?”, criticou o representante da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, Eriki Terena.

Ele ainda criticou a possibilidade de implantação de rodovias e bases militares sem a consulta prévia das comunidades tradicionais afetadas, além do artigo da proposta que abre precedente para contato com povos isolados, apontando a contradição com o trecho que coloca em risco as comunidades que mudarem seus traços culturais.

Além de tramitar no Senado, o tema também é julgado no Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da CDH espera que a corte tenha sabedoria, mas confia em que o Senado cumpra seu papel e rejeite a matéria.

“Eu quero fazer parte dessa história, mas do lado certo”, disse o parlamentar.

Assassinato de direitos

A deputada federal Célia Xacriabá (PSOL-MG) defende que é hora de o Brasil “acordar” e impedir a retirada de direitos de povos indígenas em canetadas do Legislativo.

“Precisamos usar essa caneta para assinar, não assassinar direitos. O projeto 2903 é de retrocesso. Projeto anticivilizatório. Aqueles que querem votar urgência, vamos votar urgência pela vida, pela demarcação de terras indígenas, pelo planeta”, alegou.

Para o coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Maurício Terena, além do marco temporal descaracterizar a interpretação constitucional, ainda passa por cima de direitos já garantidos aos povos indígenas.

“Iremos dar trabalho para essa bancada ruralista passar esse projeto. Porque justamente querem tratorar os direitos fundamentais dos povos indígenas. Não estamos pedindo direitos a mais, mas o que já está previsto na Constituição”, apontou.

A comprovação de que a proposta no Senado fere a Carta Magna é simples de ser comprovado, segundo a secretária de Direitos Ambientais do Ministério dos Povos Indígenas, Eunice Kerexu: basta comparar os textos.

Ela acredita que o propostas que atacam povos indígenas são premeditados. “Esse crime de genocídio contra os povos indígenas não é algo como ‘não estou entendendo a lei’. É algo premeditado, algo que vem com esse interesse mesmo da exclusão e do extermínio dos povos indígenas”, afirmou

O PL 2.903 está atualmente na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) – onde tem a relatoria da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), devendo seguir posteriormente para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ao contrário do que aconteceu na Câmara dos Deputados, onde foi aprovada, a proposta não irá tramitar em regime de urgência.

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