Defesa dos povos originários

Frente contra mineração em terras indígenas ganha corpo

Senadores do PT anunciam resistência ao projeto em discussão na Câmara. Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública da União atuam judicialmente contra a proposta. E Coalizão Brasil, que reúne empresários do agronegócio, junta-se à campanha para frear ecocídio
Frente contra mineração em terras indígenas ganha corpo

Foto: Vinícius Mendonça/Ibama

Enquanto milhares se manifestavam na Esplanada dos Ministérios na quarta-feira (9) contra o Pacote da Destruição – conjunto de projetos governistas que envenenam a comida, incentivam a grilagem e a violência no campo e atentam contra o meio ambiente e os povos indígenas –, a poucos metros dali, no plenário da Câmara, o governo conseguia aprovar urgência ao projeto (PL 191/2020) que libera a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas. A reação foi imediata. A bancada do PT e as mais de 200 organizações por trás do Ato pela Terra e contra o Pacote da Destruição prometeram resistência dentro e fora do Congresso.

“Vamos trabalhar para que o projeto que autoriza a mineração em terras indígenas não seja aprovado no Senado Federal. Nós, senadores e senadoras, temos que nos aprofundar e nos sensibilizar diante desses projetos que têm como objetivo único agredir o meio ambiente”, afirmou Jaques Wagner (PT-BA), presidente da Comissão de Meio Ambiente, pondo às claras o verdadeiro motivo da pressa governista, que deu como desculpa para a urgência a possível crise de abastecimento de fertilizantes em razão do conflito no leste europeu.

O argumento de Bolsonaro e seus apoiadores não se sustenta. Estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), feito a partir do cruzamento de dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) e do Serviço Geológico Brasileiro, revela que dois terços das reservas nacionais de potássio – de onde saem os fertilizantes de que o Brasil mais depende – estão fora da Amazônia. Ou seja, não é necessário agredir terras indígenas para obter esse mineral.

O governo também joga com palavras ao afirmar que “não há sobreposição de jazidas a áreas indígenas já demarcadas”. De acordo com a UMFG, 11% do subsolo com potássio na Amazônia está sob territórios indígenas em processo de demarcação. Para piorar o cenário montado pelo Planalto, o próprio diretor do Departamento de Transformação e Tecnologia Mineral do Ministério de Minas e Energia, Enir Sebastião Mendes, admitiu à Comissão de Agricultura do Senado, na quinta-feira (10), que o plano do governo esbarra na proximidade a territórios indígenas, que seriam afetados. Como? Cada jazida explorada representa rejeitos de salmoura concentrada, que se misturam aos rios na época das cheias, poluindo afluentes e matando peixes. Isso para ficar no terreno da geologia.

O senador Paulo Paim (PT-RS) lembrou dos riscos já existentes às comunidades tradicionais e originárias e advertiu sobre a tragédia que significaria a aprovação do projeto: “Não é acabando com a legislação que se vai resolver. Pelo contrário, só vai piorar. Isso tem que ter um basta, os povos indígenas, os quilombolas são ameaçados, há grilagem em suas terras, muitos já foram mortos, assassinados, inclusive pelo garimpo ilegal”.

O agronegócio brasileiro, já pressionado por sanções internacionais, igualmente tem muito a perder. Em manifesto, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que reúne mais de 300 representantes do agronegócio, sociedade civil, setor financeiro e academia, afirmou que a mineração em terras indígenas não resolve o problema dos fertilizantes e ainda pode agravar a produção agrícola:

“A integridade ambiental das terras indígenas, áreas cruciais para a estabilidade climática do país, está em risco caso a Câmara dos Deputados aprove, sem discussões mais aprofundadas e melhoras substanciais, o Projeto de Lei (PL) 191/2020 que permite a lavra de recursos minerais e o aproveitamento de energia elétrica naqueles territórios”, sentenciou o manifesto, que critica ainda a falta de consulta às organizações representativas dos povos indígenas, “os maiores interessados no assunto”.

Por falar nessas organizações, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) afirmou em relatório que “o projeto contradiz a Constituição e o direito internacionalmente reconhecido à autodeterminação dos povos indígenas garantido pela Convenção 169 da OIT”. Isso porque o projeto elimina o atual poder de veto dessa população. Além disso, se o texto for aprovado, teme a entidade, poderá haver uma perda de 160 mil km² na Amazônia, área maior que a superfície da Inglaterra. A APIB também lembrou que o desmatamento ligado à mineração na região aumentou 62% em 2021, em comparação com 2018.

Desmatamento, mais gases de efeito estufa, poluição de rios, precarização da vida indígena, com efeitos sociais como aumento da prostituição e da violência infantil. Defensoria Pública da União e Ministério Público Federal também estão em campo, ou melhor, na justiça, há anos, para evitar mais danos. O alvo concreto, nesse caso, é o projeto, irregular, de gigante canadense na Amazônia. É a Potássio do Brasil (PDB), controlada pelo banco Forbes & Manhattan, em parceria com a chinesa CITIC, que tem como lobista o general aposentado Cláudio Barroso Magno Filho, com circulação livre no Palácio do Planalto. Num de seus empreendimentos, a PDB almeja extrair 770 milhões de toneladas de potássio numa mina de quase mil metros de profundidade em Autazes, a 112 quilômetros de Manaus. Ela chegou a perfurar a terra indígena Jauary, sem qualquer consulta – obrigatória pela Constituição – ao povo Mura, que ocupa 44 aldeias da região. Por ação do MPF, o empreendimento entre os rios Madeira e Amazonas está suspenso.

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