Antonio Augusto

O procurador-geral Paulo Gonet, durante o julgamento no STF, nesta terça (25/3)
O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início, nesta terça-feira (25/3), ao julgamento que deve tornar réus o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados golpistas por tentarem destruir a democracia brasileira. Logo no início da sessão, o encarregado do processo, ministro Alexandre de Moraes, fez a leitura do relatório produzido pela Polícia Federal (PF), peça recheada de fartas evidências contra o capitão da extrema direita. Em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, expôs, de maneira contundente, os argumentos da acusação.
Gonet foi inequívoco ao denunciar que Bolsonaro “formou, com outros militares e civis, organização criminosa, que tinha como objetivo gerar ações que garantissem a sua continuidade no poder, independentemente do resultado das eleições de 2022”. O PGR disse ainda que o ex-presidente liderou a trama golpista, juntamente com seu vice, o general da reserva Walter Braga Netto, preso desde dezembro do ano passado.
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“A escalada ganhou impulso mais notável quando Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se elegível e o cenário das pesquisas eleitorais se mostrou a ele inclinado. Foram, então, postos em prática planos articulados para a manutenção a todo custo do poder do então presidente da República. A organização criminosa documentou seu projeto e, durante as investigações, foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens reveladores da marcha da ruptura da ordem democrática”, observou.
O PGR descreveu também como os golpistas tentaram descredibilizar as instituições democráticas do país, a partir de suspeições inventadas acerca da lisura do sistema de votação. “Para criar condições favoráveis ao seu propósito, o grupo registrou a ideia de ‘estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações’ e de replicar essa narrativa ‘novamente e constantemente’, a fim de minar a credibilidade do provável resultado eleitoral desfavorável”, pontuou.
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Segundo Gonet, é possível precisar até a data em que Bolsonaro deu início ao plano subversivo: 29 de setembro de 2021. “Nesse dia, realizou transmissão ao vivo, das dependências do Palácio do Planalto, pela internet, em que retomou as críticas, já provadas insubsistentes, ao sistema eletrônico de votação”, recordou. “A partir daí, os pronunciamentos públicos progrediram em agressividade aos Poderes constituídos e seus membros, com incremento de notícias falseadas”, completou o PGR.
“Fatos atordoantes”
Depois de mencionar a fatídica reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, motivo pelo qual Bolsonaro está inelegível, Gonet falou em “fatos atordoantes” descobertos pela PF na sequência das eleições de 2022, como a tentativa de Bolsonaro de sugar a Cúpula das Forças Armadas (FAs) para dentro da trama golpista, com humilhações e difamações virtuais auxiliadas por influenciadores da extrema direita. O ex-presidente detalhou diretamente aos militares as diretrizes para solapar a democracia.
“Quando um presidente da República, que é a autoridade suprema das Forças Armadas, reúne a cúpula dessas Forças para expor planejamento minuciosamente traçado para romper com a ordem constitucional, tem-se ato de insurreição em curso, que apenas ainda não foi consumado em toda a sua potencialidade danosa”, destacou Gonet.
Mais fatos inseridos na subversão bolsonarista assombram a Justiça, ponderou o PGR, a respeito do plano macabro para assassinar o presidente Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e o próprio Moraes, um dos principais alvos da extrema direita. O sinistro “Punhal Verde Amarelo”, que teve algumas etapas executadas, previa o uso de explosivos, de instrumentos bélicos e até de veneno para impedir que Lula subisse a rampa do Planalto em janeiro de 2023.
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“Foram praticados atos de execução da operação de monitoramento dos alvos de neutralização – o ministro Alexandre de Moraes e o presidente eleito, Lula da Silva”, sublinhou Gonet.
A natureza estável da organização golpista
Antes do PGR expor o conteúdo da denúncia remetida ao STF, Moraes enumerou os crimes imputados a Bolsonaro: liderar organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público e deterioração de patrimônio tombado. O ministro mencionou o nome do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que delatou a organização golpista após acordo com a Justiça.
“A natureza estável da organização criminosa é evidente em sua ação progressiva e coordenada, que se iniciou em julho de 2021 e se estendeu até janeiro de 2023. As práticas da organização caracterizaram-se por uma série de atos dolosos”, sustentou Moraes.
“A ação coordenada foi a estratégia adotada pelo grupo para perpetrar crimes contra as instituições democráticas, os quais não seriam viáveis por meio de um único ato violento. A complexidade da ruptura institucional demandou um iter criminis mais distendido, em que se incorporavam narrativas contrárias às instituições democráticas, a promoção de instabilidade social e a instigação e cometimento de violência contra os poderes em vigor”, completou.
O ministro ainda apontou a gravidade do plano “Punhal Verde Amarelo”, que só não foi levado a cabo completamente por conta da falta de apoio do Alto Comando das FAs. Segundo Moraes, “o ímpeto de violência da população contra o Poder Judiciário foi exacerbado pela manipulação de notícias eleitorais baseada em dados falsos”.
“Ações de monitoramento contra autoridades públicas colocaram em risco iminente o pleno exercício dos poderes constitucionais. Os alvos escolhidos pela organização criminosa somente não foram violentamente neutralizados devido à falta de apoio do Alto Comando do Exército ao decreto golpista, que previa expressamente medidas de interferência nos poderes constitucionais”, concluiu o ministro do STF.