Mesmo representando apenas 1% dos trabalhadores com emprego formal no país, a categoria dos bancários representa 24% dos afastamentos por doenças mentais. O índice elevado de casos levou a senadora Augusta Brito (PT-CE) a promover audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado nesta quinta-feira (26/10) para discutir as razões que têm levado esses profissionais para essa situação e buscar soluções para o problema.
De acordo com os trabalhadores ouvidos, a pressão por resultados, o estabelecimento de metas inalcançáveis, a constante ameaça aos seus empregos e a própria forma de os bancos gerirem seus empregados contribuem para o alto índice de problemas relacionados à saúde mental entre bancários e bancárias.
A diretora de políticas sociais da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), Rachel de Araújo Weber, mencionou que os bancários obtiveram vitórias salariais e de direitos ao longo do tempo, mas a maior conquista desses trabalhadores seria a garantia de um ambiente de trabalho que não ocasionasse problemas de saúde.
“Não adianta a gente trabalhar ou viver sem saúde. E a gente percebe que, muitas vezes, as pessoas nem sabem o que são questões como assédio nem o que elas mesmas podem estar praticando. Então, essa pauta é importante para nós, porque a gente vive um processo de negacionismo em relação à saúde mental e acreditamos que cuidar do assunto é uma tarefa de todos”, disse.
Dados apresentados pela representante da Fenae mostram que 83% dos afastamentos médicos da categoria têm origem emocional. Entre eles, há casos de depressão, ansiedade, esgotamento físico, mental e emocional e síndrome de pânico.
Mauro Sales, representante do Sindicato dos Bancários, relatou o fato de as mulheres que atuam nas agências bancárias sofrem uma violência ainda maior. Além da pressão pelo atingimento de metas, essas profissionais ainda sofrem assédio de seus empregadores para que se vistam bem e estejam “sempre bonitas” para levar o cliente a contratar serviços oferecidos.
Além de ser fundamental dar publicidade ao assunto, a senadora Augusta Brito destacou a necessidade de se combater também o quadro de violência contra a mulher nas instituições bancárias.
“Além de servir para a gente dar visibilidade e perceber a importância do cuidado com a saúde de todos esses profissionais, o objetivo dessa audiência é gerar proposições, desde as construídas no Senado até ações [a serem construídas] junto ao Poder Executivo e a outros órgãos competentes. Nossa missão é contribuir para afetivamente ajudar a sanar esses problemas, com medidas propositivas”, disse.
Profissionais que adoecem são discriminados
De acordo com a procuradora do Trabalho Cirlene Luiza Zimmermann, os profissionais que pedem afastamento do trabalho em virtude de doenças emocionais acabam sofrendo com a discriminação. Isso se dá pelo fato de as empresas do setor não reconhecerem o adoecimento inerente à função.
Os bancos, segundo a subprocuradora, estão no topo da subnotificação de casos, tanto de lesões musculares por movimentos repetidos pelos trabalhadores quanto de problemas psicológicos dos funcionários.
Além disso, nenhuma ação tem sido implementada para evitar o cenário.
“Quando olhamos as estatísticas de afastamentos por doenças, vemos um volume expressivo de pessoas em funções gerenciais e de chefia. E esses trabalhadores, quando retornam, são rebaixados simplesmente porque um dia tiveram de se afastar por um adoecimento causado, em muitos casos, pelo próprio trabalho”, denunciou.
Já a coordenadora-geral de Vigilância em Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Luciene de Aguiar Dias, apontou o alto índice de subnotificações de casos de doenças mentais entre bancários no Brasil.
Ela informou que, mesmo com a subnotificação, o número de trabalhadores afetados com doenças no setor bancário é alto: são 70,3 doentes a cada 100 mil empregados.
Entre os anos 2007 e 2022, foram registrados 5.102.245 de vínculos ativos de trabalhadores de serviços bancários na Relação Anual de Informações Sociais (Rais).
No mesmo período, segundo Luciene, foram notificados 4.120 novos casos de doenças e agravos relacionados ao trabalho entre esses profissionais ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Desse total, 45,1% correspondem a acidentes de trabalho, seguidos de casos de Lesão por Esforço Repetitivo (33,9%) e transtorno mental relacionado ao trabalho (17,4%).
“A gente observa muitos casos de subnotificação, porque o SUS tem muito mais dificuldades na identificação do adoecimento em virtude do trabalho e também porque o sistema, muitas vezes, não é alimentado em sua completude. A plataforma previdenciária faz registros do trabalhador formal, daquele com carteira assinada. Então, há muito mais registros junto ao sistema previdenciário do que há no SUS, e isso se deve a muitos fatores, mas, especialmente, à intenção de se ocultar essa invisibilidade que o trabalho tem como determinante social do adoecimento”, explicou.
Grupo de trabalho será criado para tratar questão
Diretor de Relações Institucionais, Trabalhistas e Sindicais da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), Adauto Duarte negou a existência de um vínculo direto entre o adoecimento dos bancários e o ambiente laboral. Apesar disso, propôs a criação de um grupo de trabalho para buscar soluções para a situação. O grupo de trabalho, segundo ele, começará a funcionar na próxima semana, e pelos próximos 100 dias discutirá os problemas da categoria, negociando soluções para as questões elencadas pelos trabalhadores durante a audiência pública.
A senadora Augusta Brito afirmou que irá acompanhar as discussões feitas pelo grupo de trabalho para saber se as partes estão avançando na busca por soluções para os bancários.