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Jacarezinho: não podemos deixar esse resultado falando sozinho

A explicação da chacina por seus autores deixa claro que quinta-feira foi no Jacarezinho. Amanhã pode ser em qualquer lugar, enquanto perdurar essa besta faminta da necropolítica
Jacarezinho: não podemos deixar esse resultado falando sozinho

Foto: Alessandro Dantas

O terror vivido pelos 40 mil moradores da Comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro sacudiu o País, nesta última quinta-feira (6): uma lembrança amarga de que a bocarra da necropolítica não se sacia com 417 mil mortes evitáveis na pandemia.

Não basta esperar sentado, prescrevendo placebos, ridicularizando cuidados, negando oxigênio e vacinas, e deixando que o vírus faça a sua parte.

É preciso ir buscar as vítimas em casa, sempre nas moradias precárias das periferias desassistidas de tudo — e que ninguém acuse a necropolítica de passividade.

E o resultado está aí: 25 mortos (entre eles um policial), nove horas de terror, balas, sangue e mais um trauma para esse país exausto de ver  o fundo do poço sendo mais e mais escavado—e logo quem, as autoridades, que deveriam zelar pelo bem-estar, saúde e segurança de um povo atônito e atirado às feras.

Numa tragédia como a registrada no Jacarezinho esta semana, não há como destacar uma “pior parte”. Mas é fundamental ecoar o alerta de ativistas antirracistas como o advogado e filósofo Silvio Almeida, que classificou a entrevista coletiva pós-chacina da polícia do Rio de Janeiro como “o grau zero da barbárie”.

“O recado foi dado de forma límpida e clara: não haverá lei ou tratado internacional que pare essa gente. Eles já definiram quem merece morrer”, advertiu Silvio Almeida.

Ele tem razão. E é por isso que esta nova chacina não pode ser assistida como algo distante de quem não vive no Rio, não mora no Jacarezinho e não passou nove horas sob o zumbido das balas e o matraquear dos helicópteros.

Na entrevista coletiva, divulgada acriticamente pelos meios de comunicação mainstream, ouve-se um representante da polícia afirmar que os 24 mortos da comunidade “não eram suspeitos. Eram bandidos” — e dane-se o devido processo legal.

Mais alarmante foi ouvir outro representante da polícia criticarem o “ativismo judicial” que “não está do lado da Polícia Civil nem da sociedade de bem”, numa clara alusão à determinação do Supremo Tribunal Federal de suspender operações nas comunidades durante a pandemia.

Segundo esse delegado da polícia Civil do Rio de Janeiro que quer “o bem da sociedade”. Parece a Lava Jato, que sequestrou a lei, as instituições e o Estado de Direito para fazer valer sua concepção celerada de combate à corrupção.

Só que é muito pior, porque esse é um sequestro armado até os dentes, onde as vítimas estão mortas e não serão reivindicadas com o passo da História e o arrefecimento da histeria.
Não se enganem: a explicação da chacina por seus autores deixa claro que quinta-feira foi no Jacarezinho. Amanhã pode ser em qualquer lugar, enquanto perdurar essa besta faminta da necropolítica.

Numa coisa os representantes da Polícia Civil têm toda razão: o resultado da operação no Jacarezinho “fala por si só”. A sociedade minimamente saudável que está do lado de cá não pode deixar esse resultado falando sozinho.

Artigo originalmente publicado no Congresso em Foco

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