A Justiça Federal de São Paulo recebeu a denúncia do Ministério Público Federal contra o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra pelo sequestro do corretor de valores Edgar de Aquino Duarte, em junho de 1971. Além de Ustra, também foram denunciados o delegado aposentado Alcides Singillo e o delegado Carlos Alberto Augusto, ambos da Polícia Civil de São Paulo. Se condenados, eles poderão receber penas de
Ustra foi o chefe do Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), órgão de repressão política durante o regime militar, de 29 de setembro de 1970 e 23 de janeiro de 1974. Ele nega o seqüestro, repetindo a posição que tem adotado sempre que sua participação em atos de exceção é denunciada — o episódio mais conhecido é o da ex-deputada federal e atriz Bete Mendes, que reconheceu Ustra como seu torturador, quando ele ocupava o posto de adido militar da embaixada brasileira no Uruguai, em 1985.
Sobre o acatamento da denúncia pela Justiça, o coronel afirmou, por meio de seu advogado, que todas as explicações devidas sobre sua participação em atos de exceção estão nos livros Rompendo o Silêncio e a Verdade Sufocada, nos quais defende a repressão política como uma necessidade para “combater os comunistas”.
Delito continuado
Em sua decisão, a 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo levou em consideração que o sequestro do qual Ustra é acusado “se prolonga até hoje, somente cessando quanto a vítima for libertada, se estiver viva, ou seus restos mortais for encontrado, não se aplicado, pois, aqui as disposições da chamada Lei da Anistia, concedida àqueles que no período de 02/05/1961 a 15/08/1979 perpetraram crimes político ou conexos a estes”.
Na ação, o MPF indica que o corretor teria ficado preso ilegalmente “mediante sequestro cometido no contexto de um ataque estatal sistemático e generalizado contra a população, tendo eles [os denunciados] pleno conhecimento das circunstâncias desse ataque”. A vítima teria ficado, até meados de 1973, presa nas dependências do Destacamento de Operações Internas do II Exército (Doi-Codi) e depois no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops-SP), quando desapareceu.
O fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte foi expulso das Forças Armadas logo após o golpe militar de 1964, acusado de oposição ao regime. Exilou-se no México e em Cuba, e voltou ao Brasil em 1968, quando passou a morar
Duarte teria sido levado após se encontrar com um antigo colega da Marinha, José Anselmo dos Santos, o “Cabo Anselmo”, detido nove dias antes pelo delegado Carlos Alberto Augusto. Segundo a ação, o “sequestro da vítima foi testemunhado por dezenas de dissidentes políticos que se encontravam presos nas dependências do DOI-CODI-II Exército e do DEOPS/SP.” O Cabo Anselmo entraria para a história como agente infiltrado pelos órgãos de repressão nas organizações de esquerda. Uma das vítimas da colaboração de Anselmo foi sua mulher, a paraguaia Soledad Viedma, presa e assassinada quando esperava um filho do delator. Há controvérsias, porém se Anselmo já seria agente da repressão quando iniciou sua militância, ou se teria sido cooptado após sua prisão.
Casos anteriores
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) já havia negado, no dia 14 de agosto, recurso protocolado pelos advogados de Ustra e manteve decisão que aponta o ex-militar como responsável por torturas ocorridas durante a ditadura militar. A decisão, da 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, confirma o teor de uma sentença anterior, que foi considerada inédita: em outubro de 2008, o juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível central, julgou procedente o pedido dos autores de uma “ação declaratória” que buscava que a Justiça apontasse Ustra como responsável por crimes de tortura.
O juiz reconheceu que César Augusto Teles, Maria Amélia de Almeida Teles e Criméia Alice Schmidt de Almeida, autores da ação, foram mesmo torturados. Na ação, os autores buscavam mostrar que havia “relação jurídica de responsabilidade civil, nascida de pratica de ato ilícito, gerador de danos morais”.
Ainda em 2006, quando um dos processos começou a ser julgado, Amélia já afirmava que a família não buscava indenização do Estado ou prisão. “É uma ação de efeito político, que vai trazer reconhecimento de que um coronel do Exército, na época major, era torturador”, explicou Amélia na ocasião. Na visão da Justiça paulista, a ação declaratória foi aceita porque ela não é limitada pela Lei da Anistia.
Cyntia Campos com agências onlines