Lula: Palácio do Planalto tornou-se a casa do povo brasileiro

Ex-presidente cutuca a imprensa, a oposição e FHC. Lula participou do debate com Marcio Pochmann e a filósofa Marilena Chauí.



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“Se fracassasse teriam falado bem de mim. Diriam:
“Coitadinho, é despreparado. Mas também, ele não
fez nossa escola…” O problema era o meu sucesso”

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve uma noite exatamente do jeito que ele gosta: sem discursos formais e sem protocolo. Num discurso em que foi tão Lula como sempre, cutucou a imprensa, provocou a oposição e deu não tão leves estocadas em seu adversário favorito: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Também bateu o pé na tese de que o Brasil precisa marcar posição entre as grandes nações, fortalecer sua relação com os vizinhos do continente e tomar cuidado com a disputa entre países como a China e os Estados Unidos.

Depois, emocionou-se ao lembrar que abriu as portas do Palácio do Planalto – antes somente ocupado por reis e rainhas, banqueiros e grandes empresários – para os índios, os hansenianos, os moradores de rua, os favelados, “fazendo com que, pela primeira vez, aquela fosse uma Casa de todos e não apenas de uma parcela da população brasileira”.

Lula participou do debate com o economista Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, da filósofa Marilena Chauí e do sociólogo e organizador do livro, Emir Sader, durante lançamento do livro “10 anos de governos pós-neoliberais: Lula e Dilma”, no Centro Cultural São Paulo.

“Conferencista e não lobista”

Ironizando a já conhecida má-vontade da imprensa contra ele e todas as suas ações antes, durante e depois do governo, Lula cutucou: “Tem jornal que está tentando me transformar num lobista. É fantástico. Digo sempre: não sou lobista, não sou conferencista e eu não sou consultor. A coisa que sou é um divulgador das coisas que fiz neste governo. E talvez as pessoas fiquem preocupadas porque eu cobro caro. E eu não digo quanto cobro. Se quiserem saber quanto, me contratem. Porque se as pessoas pagam para ouvir um governante fracassado, tem que pagar bem para ouvir um governante como eu”, disse, provocando aplausos da plateia.

Lula disse também que vinha sendo estimulado a escrever um livro sobre sua passagem pela Presidência, mas que desistiu. “Nenhum presidente pode escrever um livro de verdade. Porque um presidente não pode contar tudo o que aconteceu, nas relações dele no mandato, as conversas com outros chefes de Estado, as reuniões ministeriais, tem coisa que você pode contar, tem coisa que não pode contar. Seria uma biografia meia boca, daquelas “eu me amo”, que só tem virtude. Então resolvi não fazer. É mais verdadeiro e menos pessoal do que aquelas biografias que ninguém vê, ninguém lê. Ninguém lê, eu acho”, disse.

No lugar, o ex-presidente afirmou que está sendo preparado um livro que contará com uma entrevista sua e de diversos representantes da sociedade, como “morador de rua, índio, gente da cooperativa de catadores de papel, empresário, políticos da oposição e da situação, sindicalistas, e com e sem terra”.

Lula também disse que seu governo só despertou críticas e “ódio de classe” porque deu certo. “Se fracassasse teriam falado bem de mim. Diriam: “Coitadinho, é despreparado. Mas também, ele não fez nossa escola…” O problema era o meu sucesso”, afirmou.

O ex-presidente afirmou que vai participar ativamente das eleições do ano que vem. “Sou cabo eleitoral, estarei na rua 24 horas por dia, porque a experiência bem sucedida deste país tem que continuar”, disse.

Sobre as relações comerciais e diplomáticas, Lula disse que o Brasil precisa tomar cuidado com as ameaças estrangeiras e fortalecer sua relação com os vizinhos de continente. “Nós precisamos levar a integração da América do Sul e Latina mais a sério. Nós temos o chinês nos comendo de um lado, o americano, com o tal do Pacto do Pacífico, nos comendo de outro, e se a gente não tomar cuidado, a gente vai ficar isolado, “solito””, disse o ex-presidente.

Maior legado
Entre todas as recordações e realizações de seus dois governos, Lula disse que o maior legado que deixou não foi nenhum dos programas sociais de êxito, mas sim ter mostrado que é possível “governar de forma republicana sem aqueles que me odiavam”.

O ex-presidente lembrou das 74 conferências nacionais que fez, “sobre todos os temas que vocês possam imaginar. E eu ia lá para ouvir mais do que falar”.

Sobre as críticas que recebeu desde o início de seu governo, Lula foi direto: “eu tinha consciência que meu problema com parte da elite política desse País e da elite da imprensa brasileira era meu sucesso. Se eu fracassasse, eles falariam bem de mim: ‘coitadinho do operário. Coitadinho chegou lá, mas não tem culpa, não estava preparado, não fez nossa escola’.”

Mudanças estruturais
Marcio Pochmann lembrou as mudanças estruturais pelas quais o Brasil passou. E fez um mea-culpa em nome dos economistas, que apostaram durante décadas que era preciso primeiro crescer para depois dividir o bolo, ideia que Lula provou estar errada. “Em 1980, o Brasil era a oitava economia do mundo, enquanto um em cada dois brasileiros vivia em condição de miséria”, lembrou. “No ano 2000, já tínhamos caído para a 13ª posição entre as maiores economias do mundo, atrás do México na América Latina, tínhamos 11 milhões de desempregados”, disse, enquanto lembrou que o Brasil vive situação próxima ao pleno emprego atualmente.

A professora Marilena Chauí citou o Bolsa Família, o Prouni e a criação de uma nova classe trabalhadora no Brasil como exemplos da transformação que o Brasil viveu. Para Marilena Chauí, “o efeito do Bolsa Família para as mulheres, conseguiu alterar o conceito e o modo de operação da família de um jeito que seis décadas de feminismo não conseguiram”.

No programa Bolsa Família, é a mulher quem recebe o cartão com o benefício, e ela tem autonomia para escolher como gastá-lo. A professora diz ainda que o criticado Prouni, ao lado do Enem e das cotas estão preparando uma revolução na educação brasileira no longo prazo, ao serem capazes de acabar com a indústria do vestibular e provocar uma reestruturação do ensino. Por fim, ela lembrou que o Brasil tem agora não uma nova classe média, mas uma nova classe trabalhadora como sujeito político de comportamento bastante diferente da classe média tradicional.

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Panorama de desafios

Essencialmente uma reflexão sobre os rumos da política brasileira na última década, o livro oferece um panorama dos desafios enfrentados pelo País. Além de trazer uma rara e inédita entrevista com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a obra reúne 21 artigos de alguns dos principais intelectuais engajados e ativamente envolvidos na política dos últimos anos.

Ao lado do organizador do livro lançado, o sociólogo Emir Sader, do economista Marcio Pochmann e da filósofa Marilena Chauí, Lula lembrou que não teve qualquer interferência nos artigos escritos por 23 intelectuais sobre os dez anos de governo.

“Aliás, ainda não li o livro. Mas estou lendo demais, vocês não imaginam. Depois que deixei a Presidência, estou lendo mais do que todo o tempo antes na minha vida. E depois que eu peguei o câncer, aí é que eu lia. É por medo de morrer e também de continuar no céu meio analfabeto, vou me preparar um pouco aqui para chegar mais culto lá em cima”, brincou.

Lula iniciou seu discurso também com outra ironia, ao rebater Marilena Chauí, que havia dito que discordava que houve no Brasil uma ascensão da classe média. Ela disse se tratar de uma nova classe trabalhadora, e que odeia a classe média, porque é “o atraso, estúpida, o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista”. O ex-presidente respondeu: “Vamos ter em conta o seguinte: agora, depois de tantos anos de luta, que eu cheguei a ser considerado classe média, esta mulher avacalha com a classe média. Não é possível”, brincou.

Giselle Chassot, com informações da Fundação Perseu Abramo e do site do PT Nacional

Foto: Instituto Lula

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