Discurso ensaiado, evasivas e memória seletiva: esse foi o script do depoimento do ministro da Justiça Sergio Moro, que compareceu à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, nesta quarta-feira (19), para tratar das denúncias do site noticioso The Intercept Brasil. A oitiva de Moro se estendeu das 9:16 às 17:49h, mas o ministro de Bolsonaro disse muito pouco.
Blindado pela base bolsonarista, Moro deixou sem resposta as perguntas “inconvenientes” formuladas pelos senadores que pretendiam esclarecer as acusações trazidas à tona pelo Intercept — mensagens trocadas entre o então juiz, a quem cabia julgar os processos da Lava Jato, e uma das partes nesses processos, os responsáveis pela acusação, o que configuraria conluio.
Brasileiros enganados
“O senhor enganou milhões de brasileiros. Peça desculpas e tenha a humildade de pedir demissão, pois não cabe a uma pessoa com todas essas acusações graves ser chefe da Polícia Federal”, cobrou o líder do PT, senador Humberto Costa (PE).
Ao longo de mais de seis horas de audiência, Moro insistiu que não se recorda das mensagens reveladas pelo Intercept — ao tempo em que reiterava que o contato entre o julgador e partes em um processo seriam “normais”. “Mente de forma tão descarada que não consegue dar coerência ao próprio discurso”, notou o senador Humberto Costa.
Dois mantras
Moro também se esquivou diversas vezes de responder se autorizaria o aplicativo Telegram de divulgar a íntegra dos arquivos de suas mensagens que poderiam estar armazenados no servidor.
Em lugar de responder perguntas e esclarecer fatos, Moro usou e abusou de dois recursos. O primeiro foi tentar desqualificar as acusações levantadas pelo Intercept de “sensacionalismo” — apenas nas primeiras 7 horas de depoimento ele repetiu essa palavra, ou o adjetivo “sensacionalista”, nada menos do que 62 vezes. Um “mantra” diversionista, como notou o senador Cid Gomes (PDT-CE).
“O senhor falou não sei quantas vezes em sensacionalismo. O norte principal da Lava Jato para ganhar apoio popular era o sensacionalismo. Eu assisti pessoalmente. Antes de a PF chegar para prender, estava lá a grande imprensa”, cobrou o senador Paulo Rocha (PT-PA).
Manto do paladino
O segundo artifício de Moro foi tentar sustentar a conduta que está sendo questionada — a “combinação de jogo” com uma das partes nos processos, o que é vedado pela Constituição —escondendo-se atrás do manto do paladino do “combate à corrupção”.
“Não está em discussão aqui o combate à corrupção, que não é propriedade de nenhum governo e de nenhuma pessoa em particular. O que se discute tema aqui é se V. Exa. cometeu ou não o crime da imparcialidade, da seletividade”, cobrou Rogério Carvalho (PT-SE). “O que se quer apurar é se V. Exa. coordenou um conluio para perseguir, em favor dos seus interesses políticos”.
Delações
O instituto da delação premiada foi o objeto dos questionamentos do senador Jean Paul Prates (PT-RN), que questionou o largo uso desse recurso em detrimento de outros instrumentos probatórios, como acareações.
Além das prisões cautelares, que podem ter servido de ferramenta para pressionar delações, o senador ressaltou o surgimento de uma verdadeira indústria da delação premiada.
Testemunha ou investigado?
Antes do início da inquirição de Sérgio Moro, o senador Humberto Costa questionou a condição na qual o ex-juiz da Lava Jato e ministro de Bolsonaro compareceu à CCJ. “Estará aqui na condição de testemunha ou de investigado?”, perguntou o senador.
A definição, ressaltou Humberto, implica “questões sensíveis para o depoente, como o direito ou não de permanecer calado, o direito de faltar com a verdade em defesa própria e mesmo o de recusar a assinar, ao fim da audiência, os termos de seu depoimento”.
“Autoconvidado”
A Constituição prevê o comparecimento de ministros de Estado ao Legislativo para expor assuntos de relevância de suas pastas. Humberto lembrou, porém, que Moro já vive a condição de investigado, pois há uma representação na Procuradoria Geral da República cobrando a apuração dos fatos imputados ao ministro e aos procuradores da Lava Jato, a partir das denúncias de The Intercept.
A presidenta da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), apontou que Moro ia falar ao colegiado como convidado —na verdade, autoconvidado. Nem testemunha nem investigado —fato que foi saudado por Humberto: “Se o ministro vier a faltar com a verdade ou se omitir, a própria população poderá fazer o seu julgamento e isso certamente servirá de base para que outras ações possam ser efetivamente realizadas”.
O senador Rogério Carvalho também advertiu Moro que o registro de suas falas permaneceria nos Anais do Senado, podendo ser utilizados a qualquer momento, no curso das investigações. “Outros fatos virão, espero que o senhor fale a verdade”.
Investigação isenta
O senador Jaques Wagner ressaltou a necessidade se assegurar uma investigação isenta dos fatos levantados pela reportagem do Intercept. Wagner questionou Moro se ele cogitava se afastar do Ministério da Justiça, já que, permanecendo no cargo, permaneceria como chefe da Polícia Federal, a quem cabe essa apuração.
O senador fez um paralelo com as várias prisões preventivas determinadas por Moro, quando era juiz da Lava Jato, “sempre no intuito de não se acabar com provas e não deixar que o agente pudesse atrapalhar a investigação”.
“Se houver ali [nas mensagens vazadas pelo Intercept] irregularidade da minha parte, eu saio [do Ministério]”, respondeu Moro.
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