Aposta na barbárieRetrocesso

Governo transforma reforma agrária em “concurso público”

De acordo com a MP 759, o processo de seleção de indivíduos e famílias candidatos a beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária será realizado por meio de edital de convocação
Governo transforma reforma agrária em “concurso público”

Foto: Alessandro Dantas

“Reforma agrária não é concurso público e não pode ser feita por chamada”. Essa é a avaliação de Cleia Anice Porto, assessora da secretaria de política agrária da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) em referência a Medida Provisória (MP 759/2016) e as previsões de modernização e desbloqueio da reforma agrária aventadas pelo atual governo.

De acordo com a Medida, o processo de seleção de indivíduos e famílias candidatos a beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária será realizado por projeto de assentamento e com ampla divulgação de edital de convocação no Município em que será instalado o projeto de assentamento e na internet, na forma do regulamento.

Na avaliação da representante da Contag, o artigo que parece buscar a universalidade de um direito, na verdade esconde a tentativa de retirada de força das organizações sociais e dos acampamentos de terra existentes.

“Quem conhece a realidade desse País, os processos de disputa pela terra, sabe que se não houver uma organização social forte vira barbárie. A disputa pela terra, a mediação que os movimentos sociais fazem a mediação de conflitos e a regulação de processos de disputa pela terra que tem evitado mortes e conflitos. Restringir ou acabar com esse papel das organizações sociais sob o argumento de que está se democratizando o direito à propriedade é falacioso. Reforma agrária não é concurso público e não pode ser feita por chamada. A reforma agrária tem um papel na sociedade”, criticou.

Alexandre Conceição, coordenador Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), criticou o fato de o governo ter “enfiado goela abaixo” de intelectuais, trabalhadores rurais e técnicos agrícolas uma MP em que o governo, na verdade, cria “um completo retrocesso da reforma agrária”.

[blockquote align=”none” author=”Senador Paulo Rocha (PT-PA)”]“Mexer na estrutura agrária do País através de Medida Provisória chega a ser uma irresponsabilidade, dada a complexidade do tema. No final vai sair um Frankenstein que não solucionará os problemas existentes”[/blockquote]

“A questão agrária tem sido tratada como caso policial, algo menor e, na verdade, é, junto com a agricultura familiar, quem produz mais de 70% do alimento que está na mesa do trabalhador. Essa desburocratização não atende os agricultores familiares e nem os assentados da reforma agrária. Está na essência política dessa medida o fim dos assentados e de suas organizações sociais”, apontou.

Marco Antônio Delfino de Almeida, procurador da República no Município de Dourados (MS), reforçou a tese de que a MP 759 é inconstitucional por não cumprir o requisito da urgência para o tema tratado na proposta.

Em sua avaliação, o único requisito de urgência colocado na MP refere-se ao acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) e aos procedimentos relacionados a reforma agrária e aos assentamentos rurais.

“[O acórdão] não enfrenta a lei 11.952, nem a alienação em terras públicas, nem a reforma fundiária urbana. Toda essa parte da MP, em tese, não teria requisito constitucional de urgência para tramitação por meio de MP”, explicou.

Além disso, o procurador afirma ser flagrante na Medida Provisória inconstitucionalidades por trata de matéria reservada a lei complementar. Ao revogar dois dispositivos da Lei Complementar 76/1993 – que trata da desapropriação de imóvel rural para fins da reforma agrária.

“A Constituição Federal em seu artigo 184 prevê que a desapropriação seja feita por meio de títulos da dívida agrária (TDA). Ainda que se tente alterar o nome para compra e venda, ela não é regulamentada pela Constituição e, sim, em dispositivos infra legais como o Estatuto da Terra. Esse é mais um aspecto que caberá a provocação ao Procurador Geral da República para que haja seu enfrentamento por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao STF”, enfatizou.

Foto: Alessandro Dantas

Para o senador Paulo Rocha (PT-PA) nenhum governo após a redemocratização do País conseguiu resolver o problema da estrutura agrária do País e não será um governo “fraco” como o de Michel Temer que será capaz de solucionar essa questão, muito menos por meio de uma Medida Provisória.

“Mexer na estrutura agrária do País através de Medida Provisória chega a ser uma irresponsabilidade, dada a complexidade do tema. No final vai sair um Frankenstein que não solucionará os problemas existentes. A questão da terra tem que ser vista como instrumento de desenvolvimento e solução da desigualdade regional no interior do País. Se não for visto dessa forma, continuaremos na mesma situação. O papel da terra no desenvolvimento de qualquer país é fundamental”, avaliou.

A discussão pelo Congresso Nacional de um Estatuto da Questão Agrária no País, na avaliação do senador, seria a solução definitiva para o tema. “Precisamos buscar uma legislação que resolva de forma definitiva a estrutura agrária do País. Aí sim colocaremos o Brasil no rumo do desenvolvimento não sendo apenas grande exportador, mas resolvendo os conflitos internos”, enfatizou.

Avaliar se não é o caso de se retirar a MP, separar o urbano do rural, talvez num projeto de lei com urgência constitucional para resolver essas questões e destravar a reforma agrária. Ter essas duas realidades no mesmo diploma legal complica muito a discussão.

Cleia Anice Porto, da Contag, sugeriu a retirada da MP e a separação entre a questão rural e urbana nos debates futuros. “Ter essas duas realidades [rural e urbana] no mesmo diploma legal complica muito a discussão”, disse.

Saiba mais sobre a MP 759 clicando aqui e aqui

 

Conheça alguns aspectos da MP 759/2016:

– Facilita a legalização de posses na Amazônia, muitas vezes fruto de grilagem e mantida com base na violência;

– Elimina a possibilidade de pagamento em Títulos da Dívida Agrária – TDAs nas aquisições de terras para a reforma agrária, por compra e venda e arrematação judicial;

– A desapropriação sancionatória dos latifúndios perde de vez a possibilidade de liderar o processo de obtenção de terras;

– A MP também facilita a venda dos lotes de reforma agrária. A data de assinatura do contrato passa a valer como como o momento a partir do qual passa a contar o prazo de dez anos durante o qual os títulos de domínios e a CDRU (Concessão de Direito Real de Uso) são inegociáveis;

– Estende as condições do programa Terra Legal para as ocupações fora da Amazônia Legal.

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