Em 2022, o Brasil convive com a maior inflação em muitos anos. Tivemos o pior março em 28 anos; o pior abril em 19 anos, e a expectativa é fechar o ano com inflação entre 6,5% e 7%. Na outra ponta do barbante sobre o qual se equilibra a população, salários achatados, empregos cada vez mais precarizados e um grau inédito de endividamento familiar. Para passar pelo caixa do supermercado com o mínimo possível para o sustento de casa, brasileiras e brasileiros tiveram que ampliar essa acrobacia.
É isso ou passar fome. Porque fazer as compras do mês está, em média, um terço mais caro do que no início de 2020, segundo dados de alimentação em domicílio do IPCA. No último levantamento, publicado nesta quarta-feira (24), a inflação da alimentação somou 17,37% nos últimos 12 meses. Só o leite longa vida teve o preço aumentado em 79,9% em um ano. Para fazer frente a essa alta que não é compensada pelo salário, as famílias viram como saída os bicos, aponta pesquisa.
Levantamento feito pelo Instituto Cidades Sustentáveis revelou que 45% dos entrevistados não conseguem mais viver apenas com sua remuneração principal. A pesquisa indica quais trabalhos extras estão segurando as pontas dos brasileiros: 13% fazem faxina e serviços de manutenção; 8% cozinham para fora; 6% apelaram para a venda de roupas e artigos usados; 5% se dedicam a serviços de beleza ou a trabalhos manuais, como artesanato e bijuterias; e 4% atuam, inclusive aos domingos, como motoristas de aplicativos ou cuidadores de crianças e de idosos.
Para o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), esse é um quadro cruel provocado pela escolha entre pagar as contas ou comprar comida. “A economia está em frangalhos única e exclusivamente devido às decisões do governo Bolsonaro, que preferiu privilegiar os ganhos de rentistas e o extermínio de direitos a garantir ações que reduzissem efetivamente o preço dos alimentos. O resultado é este cenário caótico onde é necessário complementar a renda para conseguir cumprir compromissos”, analisa o senador.
Osso e pelanca
A situação foi percebida também por indústria e comércio. Os fabricantes de alimentos passaram a oferecer produtos de menor qualidade nutricional e, assim, mais baratos. O leite condensado, por exemplo, virou mistura láctea. Nos mercados, virou cena cotidiana embalar para venda pelancas e pedaços de osso. Nada que alivie muito a vida dos brasileiros, avalia Paulo Paim (PT-RS). O senador lembra que há um somatório com resultado deplorável: jornada de trabalho e custo de vida maiores, qualidade de vida e saúde em declínio. Isso, quando se consegue emprego.
“A tendência é aprofundar ainda mais as desigualdades. As pessoas estão desesperadas. Fazem bicos para sobreviver. O governo perdeu o controle da situação. Descaso e incompetência. O desemprego maltrata. Não há políticas públicas de crescimento e de desenvolvimento. Não há planejamento. Tempos muito difíceis”, lamenta o senador.
Brasil era melhor
Ao lamentar a situação atual, Paim recorda que o Brasil passou anos investindo em geração de emprego e renda, e também na recuperação do poder de compra do trabalhador, principalmente de quem ganha o salário mínimo. Para cumprir esses objetivos, em 2003 o país reservou no Orçamento R$ 1,4 bilhão em recursos discricionários – não obrigatórios – para ações do Ministério do Trabalho. Esse investimento chegou a R$ 2,09 bilhões em 2009, penúltimo ano do governo Lula.
Passada a era dos governos do PT, esse aporte caiu ano após ano. E, para surpresa de quase ninguém, a soma desses investimentos nos quatro anos do governo Bolsonaro é de R$ 2,02 bilhões, ou seja, um mandato inteiro que investiu menos do que em apenas um ano do governo Lula.
Até por isso, o desafio das famílias brasileiras, em 2022, é se equilibrar na corda bamba. Cair significa engrossar a fila de 5 milhões de desalentados – os que desistiram de buscar ocupação -, 10 milhões de desempregados ou até dos mais de 30 milhões que passam fome no país. Paulo Paim confirma: a tragédia atual é fruto da destruição das políticas de geração de emprego e renda implantadas pelo PT.
“O Brasil, que já teve uma economia pujante e altamente geradora de empregos de qualidade – foram mais de 20 milhões-; que valorizava micros, pequenas e médias empresas; que apoiava o parque industrial nacional, que saiu do mapa da fome e que agora voltou, hoje, é um grande navio sem comando. Conseguiram acabar até com a política nacional de valorização do salário mínimo, PIB mais inflação. Não há mais aumento real. O cenário é cruel”, completa Paim.