Na mídia: inflação alta é passageira, afirma Guido Mantega

Em entrevista a Carta Capital, o ministro rebateu as críticas à política econômica do País e apostou na retomada do investimento no 2º semestre.


A popularidade da presidenta é muito elevada,
até mais do que outros bons presidentes. As
oscilações são normais

A entrevista com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi o grande destaque da edição deste fim de semana da revista Carta Capital. Com a tranquilidade que lhe é contumaz, Mantega rebateu as críticas à política econômica do País e apostou na retomada do investimento no segundo semestre. A alardeada alta da inflação, provocada especialmente pelos alimentos, segundo o ministro, será passageira e já começa a dar sinais de queda: “o IPCA de maio, de 0,37%, foi melhor que o de abril e deveremos ter uma continuidade dessa redução.”

O ministro assegurou que não há nenhum problema com as contas do governo, ao contrário do que ventila a oposição e parte dos grandes veículos de comunicação: “temos algum aumento com educação e saúde, aí ninguém vai ser contra, e temos alta do investimento público. No mais, todas as despesas estão controladas. E o mais importante: o déficit nominal cai ano a ano”, afirmou o ministro, para quem, não fosse a grave crise econômica internacional iniciada em 2008, o déficit nominal zero já seria uma realidade no Brasil; mas deverá ser alcançado nos próximos anos.

Sobre a possibilidade da gestão econômica ter impactado negativamente na popularidade da presidente Dilma, de acordo com recente pesquisa DataFolha, Mantega ponderou que “oscilações são normais” e que passada “essa onda de publicidade negativa” em torno da inflação, “a popularidade [presidencial] vai se recompor”.

Confira a íntegra da matéria:
Contra a pressão

 

O ministro Guido Mantega rebate as críticas, enxerga uma turbulência temporária e aposta na retomada do investimento

As críticas à política econômica atingiram o ápice nas últimas semanas. E elas não partem apenas dos velhos adversários. O ex-ministro Delfim Netto, em artigos recentes, defende um controle mais firme dos gastos públicos e sugere uma meta de médio prazo para o governo alcançar o déficit nominal zero, equilíbrio absoluto entre receitas e despesas. A agência de classificação de riscos Standard & Poors ameaça rebaixar a nota do Brasil. A oposição amplifica o mal-estar e o dólar alcança novos patamares (chegou a 2,15 reais na quarta-feira 12), para muitos o prenuncio da mudança de expectativas na economia mundial. O governo cedeu. Na mesma quarta do pico da moeda norte-americana, o Ministério da Fazenda anunciou o fim do IOF, imposto sobre transações financeiras, das aplicações nos mercados futuros. E uma tentativa de conter a desvalorização do real e seus efeitos na inflação.

Para economistas ligados à corrente desenvolvimentista, a medida tende a resultar em uma valorização da moeda brasileira, o que prejudicará ainda mais a combalida competitividade da indústria nacional.

Em outra ponta, o governo lançou um pacote de 18 bilhões de reais para subsidiar a aquisição de computadores, tevê digital e eletrodomésticos pelos compradores de imóveis do Minha Casa Minha Vida. A intenção é mais uma vez estimular o consumo. Duas semanas antes, o BC aumentara o juro para conter a inflação, decisão que interfere na atividade econômica incentivada agora por essa nova medida.

As duas ações ilustram o principal dilema econômico vivido por Dilma Rousseff desde o início do mandato; equilibrar-se entre a necessidade de segurar os preços e o desejo de empurrar o PIB, problema ampliado em 2013. A aparente contradição serve de munição para ataques ao ministro Guido Mantega, sobretudo do sistema financeiro. Para esses críticos, o governo gera inflação por gastar muito e perdeu a credibilidade no manejo fiscal.

Foi nesse clima que o ministro recebeu Carta Capital em seu gabinete, em Brasília, na quarta 12. Mantega rechaça as críticas, repete a afirmação de Dilma Rousseff de que os preços estão sob controle e aposta na retomada dos investimentos no setor produtivo, principalmente a partir das concessões na área de infraestrutura no segundo semestre. “Não adianta a indústria crescer e não ter para quem vender, a menos que exporte. O mercado interno já foi constituído, e dinâmico e vai continuar crescendo, mas não nas taxas vistas entre 2006 e 2010”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

CartaCapitalUm dos elementos centrais da matriz econômica construída no primeiro biênio do governo era o juro menor. As coisas mudaram?

Guido Mantega: Não creio. Tínhamos juros estruturalmente mais elevados que o mundo todo e criamos condições, inclusive com a política fiscal, para que eles caminhassem para um patamar menor, seguindo uma trajetória mundial. Fomos bem-sucedidos nessa estratégia. No patamar atual, temos flexibilidade de lidar com o juro, o que não significa voltar ao passado, quando o Brasil tinha taxa de 40%.

Neste ano o controle da inflação é mais importante do que o crescimento?

 

Uma coisa está relacionada com a outra. Você não consegue fazer a economia crescer com uma inflação alta, começa a afetar as expectativas. Reduzir a expectativa inflacionária é criar um ambiente mais favorável ao crescimento.

Desde janeiro, o IPCA caiu de mês para mês exceto em abril. Nesse período, o Banco Central subiu o juro duas vezes. Apesar disso, as expectativas de inflação apuradas pelo BC não cedem. Por quê?

 

De fato, tivemos uma inflação forte, concentrada fundamentalmente em alimentos e serviços. Houve também uma recomposição de preços e margens de manufaturados, pois a economia está crescendo mais e tivemos o choque americano que elevou o preço das commodities. Essa combinação produziu uma inflação mais alta. Mas, a rigor, ela não tem uma trajetória muito diferente daquela dos últimos três anos, quando cumprimos as metas. O IPCA de maio, de 0,37%, foi melhor que o de abril e deveremos ter uma continuidade dessa redução.

O vilão da inflação são os serviços? O mercado de trabalho?

 

A principal pressão inflacionária não veio dos serviços, veio de alimentos, em que chegou a uma taxa anualizada de 13%. Em uma economia praticamente com pleno emprego, é normal que o serviço tenha uma inflação um pouco maior, por causa do alto poder aquisitivo da população. E é assim no mundo todo, não só no Brasil. Nos últimos anos, tivemos aumento da renda, do emprego, do salário, e isso pressionou os serviços. Mas, se a inflação de alimentos fosse, digamos, mais normal, estaríamos próximos do centro da meta de inflação. Neste ano, a agricultura está bombando, com safras elevadíssimas, e certamente essa inflação de alimentos é passageira.

O Plano Safra que o governo acaba de lançar atacará a inflação?

 

A inflação de alimentos é muito sensível ao comportamento da economia mundial e ao regime de chuvas, então, há volatilidade fora do nosso alcance. No novo Plano Safra, temos um grande programa de armazenagem que vai nos ajudar a fazer estoques e assim equilibrar a oferta de alimentos. Também criamos estímulos específicos para as culturas menos valorizadas, pois são elas que se elevaram, não as grandes commodities. O Brasil produziu 50% a mais de soja, de milho. O problema foi o feijão, o arroz, o tomate, a farinha de mandioca.

Se o problema da inflação são os alimentos, pode-se descartar a ideia de o governo estimular o desemprego?

 

Parece-me que essa não é a função do governo.

Mas há quem defenda…

 

Nós estimulamos a produtividade das empresas. Temos um grande programa de inovação tecnológica com condições muito atraentes, as empresas podem se mecanizar, aumentar a produtividade. Além disso, pretendemos importar mão de obra, facilitar a entrada de engenheiros, de médicos, que estão sobrando lá fora, pelo fato de o nível de atividade estar baixo, mas faltando aqui. Vamos ter mais oferta de mão de obra.

Há em setores do mercado financeiro a visão de que a política fiscal deveria contribuir com o controle da inflação, mas que ela vai no sentido oposto ao da política monetária.

 

Não concordo, pois estamos fazendo uma política fiscal sólida e responsável há muitos anos. Nos últimos dez anos, o Brasil foi um dos campeões de superávit primário. É verdade também que era campeão de juros altos, então tinha de fazer primário alto para pagar o juro. Agora os juros caíram, sobra superávit para desonerações. Neste ano, estamos perseguindo um primário de 3,1% do PIB, a meta cheia. Mas, como ainda é um ano de crise econômica internacional, ainda fazemos um pouco de política anticíclica, com desonerações de mais de 70 bilhões de reais, é salutar para a economia. Se a gente não faz o primário cheio, não é por falta de esforço para controlar gastos. Os três principais gastos do governo estão controlados. A Previdência é a maior despesa, são 340 bilhões de reais por ano. O déficit já chegou a 1,8% do PIB, hoje é menos de 1%. A segunda despesa, a folha de pagamento, de 200 bilhões de reais, tem caído como porcentual do PIB e deve ser de 4,2% neste ano. A terceira despesa é com juros e também regride. O Brasil chegou a pagar 7% ou 8% do PIB, em 2013 vão ser 4,5%. Temos algum aumento com educação e saúde, aí ninguém vai ser contra, e temos alta do investimento público. No mais, todas as despesas estão controladas. E o mais importante: o déficit nominal cai ano a ano. Em 2013, estará abaixo de 2,5%.

O ministro Delfim Netto defende a adoção do déficit nominal zero no médio prazo. Qual a sua opinião?

 

É um bom objetivo e implicitamente existe na equipe econômica. Em 2008, eu o perseguia para 2010 e era factível, não tivesse eclodido a crise financeira no fim de 2008. É possível fazer déficit nominal zero nos próximos anos, mas não vou me comprometer com datas, pois ainda há instabilidade mundial.

Essa busca se dará pela redução dos juros, do gasto de custeio ou uma combinação dos dois?

 

A despesa com juros não é um objetivo fiscal, é um instrumento de política monetária. Mas só com a mudança de patamar já caiu a despesa com juros de forma considerável. Temos de controlar a despesa corrente, e ela está controlada. Eu diria que perseguimos o déficit nominal zero pelos dois lados.

A dívida liquida do setor público, talvez a melhor medida de solidez fiscal, é cadente em dez anos, só não caiu em 2009 por causa da crise mundial. Por que então a gestão fiscal do governo é tão contestada, especialmente por setores do sistema financeiro?

 

Talvez alguns personagens, nem daqui do Brasil, mas de fora, por desconhecimento das contas, por ressentimento ao perderem dinheiro em alguma operação, ao não gostarem da queda dos juros, talvez estes possam questionar. Mas o importante é que 90 e tantos por cento da população está satisfeita com a queda dos juros, com a redução da tarifa de energia elétrica, dos impostos. Eu ouço mais esses segmentos do que meia dúzia que faz críticas equivocadas

Pesquisa do Datafolha identificou queda da popularidade da presidenta com dados que sugerem que o motivo foi a economia.

 

A popularidade da presidenta é muito elevada, até mais do que outros bons presidentes. As oscilações são normais, nunca vi popularidade em linha reta. O principal fator que influenciou essa perda pequena foi a inflação, isso está claro. A inflação de fato teve um surto que incomodou parte da população e foi amplificada pelos meios de comunicação, mas já está sendo resolvida. Houve uma momentânea diminuição do poder aquisitivo, porém, a população continua com aumento da renda real. E o fundamental: continuamos com o menor nível de desemprego de todos os tempos, os trabalhadores são disputados a tapa pelas empresas, falta mão de obra em alguns setores. Passada essa onda de publicidade negativa, a popularidade vai se recompor.

O mercado de trabalho chegou ao limite da capacidade de produzir crescimento econômico, por isso o governo hoje dá mais ênfase aos investimentos?

 

Ele traz algumas restrições. Hoje eu não pensaria em crescimento de 6% ou 7% no curto prazo. Precisamos de um grande aumento da produtividade, e o governo tem estimulado essa expansão. Estamos com um programa de qualificação de mão de obra com mais de 3 milhões de alunos, o Pronatec. Aumentamos as vagas nas universidades, há grande investimento em educação. Isso tudo surtirá efeito.

O economista Amir Khair escreveu em um artigo recente que nos anos 60 o Brasil teve investimento médio de 18% do PIB e crescimento médio entre 6% e 7%. Nos anos RO, um investimento de 22% e um PIB que não chegou a 2%. Para ele, o consumo tem de continuar a ser estimulado. Ele está certo ou errado?

 

Ele está meio certo e meio errado. A razão está no meio. A economia não pode crescer nem só com consumo nem só com investimento. O investimento é importante por estimular saltos de produtividade, ampliar a oferta. E há uma oferta fundamental para todo tipo de crescimento, a de infraestrutura.

O Brasil tem um atraso de 30, 40 anos em infraestrutura. Depois dos anos 70, pouco se investiu, a não ser nos últimos dez anos. Mas a economia não cresce só com investimento. Não adianta a indústria crescer e não ter para quem vender, a menos que exporte. O mercado interno já foi constituído, é dinâmico e vai continuar acrescer, mas não nas taxas vistas entre 2006 e 2010. A família brasileira não tinha produtos básicos, deu um salto de renda e adquiriu coisas como geladeira, fogão, carro… O que vamos ver daqui para a frente é o consumo crescer a taxas mais moderadas e uma mudança de hábitos da população.

O Brasil precisa contar mais com a demanda externa para crescer?

 

Sim, por isso temos de ganhar competitividade, principalmente nos manufaturados. Somos campeões de exportação de commodities agrícolas, mas perdemos terreno nos manufaturados. Só que nos últimos dois anos houve uma expansão muito pequena do comércio internacional que não ajudou. Isso vai passar e o Brasil tem de ocupar mais esse mercado.

O câmbio vai favorecer a busca pela demanda externa?

 

No ano passado fizemos um esforço para desvalorizar o real, que estava muito valorizado. As empresas brasileiras já são mais competitivas, estamos exportando mais automóveis, mais aviões. E vai ser muito importante baratear o custo de transporte e de exportação, com investimento em rodovia, ferrovias, portos.

O governo vai repetir esse esforço de desvalorização cambial neste ano e em 2014?

 

Não estamos fazendo isso, o mercado é que faz. E é uma desvalorização no mundo todo, principalmente nos países emergentes. Deve-se a uma adaptação a um novo cenário da economia e da política monetária dos Estados Unidos. Não sei a intensidade nem a duração dessa mudança. No momento, não é nosso desejo essa desvalorização. Mas ela ocorre no mundo todo e o que temos de fazer é atenuar essa volatilidade para não atrapalhar a economia do País.

O governo trabalha com um cenário de restrição ou de liquidez de dólares?

 

Neste exato momento há restrição, mas é passageira. Tivemos o problema oposto nos últimos anos. Uma liquidez muito grande no mercado internacional, 9 trilhões de dólares gerados por EUA, Japão, os europeus, o Reino Unido… Ainda é um mundo com excesso de liquidez. Passada essa turbulência, passageira no meu entender, não vejo problema de liquidez para a economia brasileira e os bancos.

Se é passageira, por que o IOF foi retirado de algumas operações cambiais? Ele voltará quando assa turbulência passageira acabar?

 

É passageira, mas temos de responder à situação atual. Se você não tem aquela inundação de dólares de 2011, 2012, não há razão para deprimir a rentabilidade de uma aplicação que antes tinha a atratividade de um juro muito mais alto. Quando adotamos o IOF, a taxa de juros era de 11%, 12%, e hoje está em 8%. Portanto, se cobrar 6% de IOF e calcular a inflação, não há rentabilidade. Os investidores, inclusive, estão mais bem comportados, pois sabem que não deixaremos ocorrer outra inundação. No futuro, se houver necessidade. O IOF pode voltar. Mas a partir dessa mudança do banco central norte-americano, pode ser que haja um equilíbrio maior no fluxo de capitais mundiais que torne o IOF desnecessário.

O senhor perde há pouco um colaborador antiga e importante, o ex-secretário Nelson Barbosa. Havia problemas de relacionamento, como dizem por aí?

 

Ele trabalhava comigo desde 2003, já eram dez anos de colaboração, passando por vários postos. Sempre tivemos uma excelente relação, ele cresceu aqui dentro. E ele não é funcionário público, é um acadêmico, é natural que após certo tempo quisesse ter uma vida mais regular. Trabalhar no setor público exige sacrifícios. E não foi o primeiro a sair. Depois de dez anos, o cidadão tem o direito de mudar.

 

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