No final de 1986, o então prestador de serviços Cláudio Zorattini, morador de Ouro Fino (MG), escrevia uma carta à Assembleia Nacional Constituinte, em Brasília, em que pedia uma Constituição voltada para a formação intelectual do povo, com mais escolas, melhor capacitação de professores,
cursos profissionalizantes para facilitar a entrada do jovem no mercado de trabalho. Pedia mais: que fossem substituídos das TVs conteúdos violentos por programas educativos. E que a Cultura fosse o carro chefe da Nação, para que o Brasil saísse do 3° mundo.
Assim como Cláudio, outros 72 mil brasileiros escreveram seus sonhos e os depositaram nos Correios. Também foram encaminhadas 122 emendas populares, assinadas por mais de 12 milhões de brasileiros. O resultado disso tudo, das cartas, das emendas, da luta parlamentar, dos movimentos sociais e da sociedade organizada foi a publicação do livro mais importante do país, em 5 de outubro de 1988: a Constituição federal.
Educação, Saúde e outros direitos de todos os brasileiros estão lá, na Constituição Cidadã, um marco do acordo social do país, baseado em algumas premissas: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a redução das desigualdades regionais, a promoção do bem estar de todos, sem preconceito de cor, raça credo, idade, sexo, origem e outras formas de discriminação, a erradicação da pobreza e da marginalização, o reconhecimento da maioria democrática mediante a proteção das minorias.
De 1988 para cá, foram efetivadas muitas das políticas previstas na Carta, explica o advogado Marcos Rogério, da Liderança do PT no Senado.
“Demos muitos passos, hoje temos um SUS universal, que garantiu saúde na pandemia; temos um sistema de educação organizado em nível municipal, estadual e federal, que garante acesso a amplas camadas da população, e agora temos que fortalecer sua qualidade; temos um sistema de proteção social que garante transferência de renda às pessoas mais pobres, garante BPC [Benefício de Prestação Continuada] para os idosos e pessoas com deficiência e vulnerabilidade social, e temos que proteger esse sistema de seguridade social”, lista Marcos Rogério, para quem o momento é de “afirmar a Constituição e empunhá-la como escudo protetor dos direitos e da democracia”.
Mas também houve ataques nesses 34 anos. De grupos poderosos, para retirar direitos sociais e de trabalhadores e trabalhadoras; e de gente saudosa do autoritarismo. Marcos Rogério dá como exemplo de ataque à democracia e à Constituição o impeachment contra Dilma Rousseff, sem crime de responsabilidade, em 2016. Apesar, disso, a Lei Maior se mantém vigorosa, avalia o jurista.
“Nos últimos quatro anos, foi a armadura constitucional que assegurou a contenção dos arroubos autoritários de Bolsonaro, é a armadura constitucional que tem garantido os direitos sociais e as liberdades individuais”, ressalta. Na opinião de Marcos Rogério, o grande desafio do país é que as próximas décadas sejam não de reforma, enfraquecimento e flexibilização da Constituição de 1988, mas de afirmação de seu conteúdo: “é preciso que a gente eleja um governo democrático e popular, que tire do papel as promessas que a Constituição ainda não conseguiu realizar na vida das pessoas.” De fato, 118 artigos, ou cerca de um terço dos dispositivos constitucionais, ainda aguardam regulamentação.
Espinha dorsal
O fortalecimento do texto constitucional e a preservação de suas conquistas civilizatórias foram também destacados por Fabiano Contarato (PT-ES), que classifica a Carta como a espinha dorsal da democracia brasileira. Nas redes sociais, o senador lembrou a atuação do presidente da Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, “grande timoneiro da Constituição de 88”.
“Ulysses nos legou definitivo alerta: ‘Discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da pátria!”, citou o senador, que, ao olhar para a frente, fez um alerta.
“Temos em nossas mãos o poder de escolher o futuro da nossa nação, que só se sustenta no fortalecimento de nossas instituições e na garantia das liberdades, dos direitos individuais e coletivos e da separação entre os Poderes”, pontuou Contarato.