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O julgamento de Lula no STJ: mais um capítulo da farsa

 – O Superior Tribunal de Justiça julgou nesta terça-feira, 23 de abril, o Recurso Especial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do apartamento triplex.
O julgamento de Lula no STJ: mais um capítulo da farsa

Foto: Lula Marques

Lula foi sentenciado por Sérgio Moro em julho de 2017 por corrupção passiva, sem que se tenha comprovado qualquer ato de ofício que tenha beneficiado a empresa OAS, apenas com o depoimento do corréu Leo Pinheiro. Mesmo porque ao tempo dos fatos alegados Lula já havia deixado o cargo de Presidente da República. Condenado também por lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio, sem qualquer conduta sua que caracterizasse o crime, ou elemento que comprovasse a ocultação do tríplex. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, apenas 6 meses depois, manteve a sentença e aumentou a pena de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês. O STJ, por fim, passados 15 meses, a reduziu para 8 anos, 10 meses e 20 dias. Um julgamento em três instâncias em tempo record.

Não podemos dizer que o julgamento no STJ foi uma surpresa. Esse mesmo colegiado, em janeiro de 2018, por votação unânime de 5 votos a 0, negou habeas corpus para evitar a prisão do ex-presidente. Mas, o que está em jogo é muito mais profundo.  O processo de Lula tornou-se para o Poder Judiciário uma questão de autoafirmação e de credibilidade. Isso porque, para julgar com isenção e verificar a falta de plausibilidade dos fundamentos do julgado, os senhores ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça haveriam que enfrentar teoricamente, e contraditar seus colegas de toga da instância inferior, o que seria justo e correto, mas não combina com o espírito de corpo tão característico do Poder Judiciário. Teriam, mais, que encarar a tão temida “opinião pública” e a fúria de políticos e personagens, reais ou robôs, que atuam nas redes sociais.

O fato do resultado não nos causar espanto, não nos torna, contudo, menos indignadas com ele.

Lula, o presidente mais popular e festejado de nosso país, foi escolhido para ser o troféu de êxito de uma operação que se dizia para acabar com a corrupção no Brasil. Foi transformado em inimigo, demonizado, teve sua vida e a de sua família expostas de todas as formas, para desconstrução de sua imagem como o líder popular que é. O engodo do famoso tríplex no Guarujá foi constituído como elemento de prova por membros do Ministério Público que, ante a ausência de elementos fáticos, afirmavam ter convicção; respaldados por um juiz, hoje Ministro da Justiça, que se comportou, todo o tempo, como acusador, tendo tomado indícios, ilações e suposições como provas suficientes, criando uma narrativa e buscando sedimentar uma tese que, embora contrariasse todos os elementos de formação de culpa, tornou-se inabalável.

A atuação de Sérgio Moro como juiz demonstrou total quebra do dever de imparcialidade, praticando uma sucessão de arbitrariedades, que aniquilaram a capacidade da defesa de produzir relevantes provas testemunhais, periciais e documentais.

O STJ teve a chance de fazer valer seu epiteto de Tribunal da Cidadania e repor as coisas ao seu devido lugar. Perfeitamente enquadradas dentro das hipóteses do Recurso Especial estão as questões de direito, como a violação às regras do Código de Processo Penal, que afetariam a conclusão do processo, resultando em anulação da condenação, ou em absolvição pela extinção da punibilidade pela prescrição. Invocaram, no entanto, os juízes, a Súmula nº 7, segundo a qual “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.  Adentraram em uma teia de contradição, em que afirmavam não poder examinar provas, para negar todos os fundamentos da defesa, mas, ao mesmo tempo, analisaram todas as provas para lhes conferir validade. Por fim, a única evidência restante é a de que esse processo foi, como segue sendo, um engodo, o uso do sistema judicial para perseguir um homem.

Ao reduzir a pena de Lula, os ministros do STJ reconheceram que ocorreu um exagero em sua aplicação por Moro e pelo TRF-4, o que seria suficiente para demonstrar que todo o julgamento atendeu a critérios subjetivos, fora dos parâmetros legais e processuais. Lula foi processado, condenado e preso porque houve o desejo de fazê-lo. Sua pena foi excessiva pelo mesmo motivo. Os ministros, contudo, enxergaram apenas a parte que lhes interessou, em uma mediação que não lhes redime o grotesco erro de manter a condenação de um inocente.

Com mais um capítulo dessa farsa jurídica, não perde apenas Lula. Perde a democracia. Perdemos todas e todos.

Gleisi Hoffmann, presidenta nacional do PT, e Tânia Oliveira, assessora jurídica do PT no Senado

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