Parceria Transpacífico estava morta mesmo antes de ser detonada por Trump

Parceria Transpacífico estava morta mesmo antes de ser detonada por Trump

Imagem: Notícias ao Minuto

O anúncio de que os Estados Unidos, sob a nova gestão de Trump, se retirou da Parceria Transpacífico (Transpacific Trade Partnership, ou TPP), causou grande alvoroço.

A decisão, anunciada já durante a campanha, foi tratada como um grande passo em direção a um modelo de gestão econômica mais nacionalista e antiglobalização.

Na realidade, isso é grande bobagem. Por quê? Porque os EUA se retiraram de um acordo ou de uma parceria que ainda não existe.

Pelo texto negociado, o TTP só entraria em vigor em fevereiro de 2018, caso já tivesse sido ratificado por 6 de seus 12 membros. Ora, desses membros originais, Japão, Malásia, Vietnam, Singapura, Brunei, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, México, Chile, Peru e EUA, apenas o Japão o ratificou.

Em todos os outros, havia e há resistências fortes ao acordo. Desse modo, o TPP já estava praticamente morto, antes de Trump assumir.

A resistência é facilmente explicável.

Na realidade, o TPP tem apenas cinco de seus 29 capítulos dedicados ao comércio. Com efeito, as regras mais importantes da TPP tangem à proteção mais rígida à propriedade intelectual, que poderia, por exemplo, impedir a quebra de patentes de medicamentos contra a AIDS para atender à saúde pública; à internacionalização do estratégico mercado de serviços, inclusive financeiros; à abertura ilimitada das compras governamentais, o que afetaria políticas de estímulo à indústria; e à criação de privilégios para investidores estrangeiros, os quais poderiam acionar os Estados em arbitragens internacionais, passando ao largo dos tribunais nacionais, sempre que seus interesses sejam afetados.

Haveria também novas regras trabalhistas e ambientais no comércio mundial, que poderiam erguer novas barreiras protecionistas.

Tais regras afetariam gravemente a capacidade de instituir políticas de saúde pública, de incentivo à inovação tecnológica, de industrialização, de controle de capitais e de desenvolvimento de um modo geral. Enfim, trata-se de uma receita para o desemprego para os países e setores menos competitivos.

Num cenário de recessão mundial, era óbvio que um acordo desse tipo dificilmente seria aprovado. Mesmo numa gestão Hillary, as resistências no Congresso dos EUA, inclusive dentro do Partido Democrata, seriam difíceis de serem superadas.

Ainda assim, o TPP poderia subsistir. Mas, sem a participação dos EUA, os outros parceiros perderão o interesse em sua continuidade.

Do ponto de vista prático, não muda nada, inclusive para o Brasil, pois as regras do acordo não estavam em vigor.

Ao contrário do que dizem os desinformados, o Brasil, que nunca esteve isolado, não obterá nenhuma vantagem imediata com essa decisão.

A coisa poderá mudar de configuração, caso Trump reveja, como anunciou, regras já existentes, como as que conformam o NAFTA, por exemplo. Não acreditamos, contudo, que Trump reveja regras que beneficiem companhias norte-americanas.

Ressalte-se que, nos EUA, o poder de negociar ou rever tratados de livre comércio cabe constitucionalmente ao Congresso; não ao Executivo. Achar que Trump será um “presidente antiglobalização” é de uma ingenuidade espantosa.

As grandes empresas dos EUA têm cerca de US$ 5,15 trilhões de investimentos produtivos no exterior. Nesse número, não entram os capitais especulativos. Por outro lado, há US$ 3,5 trilhões de investimentos diretos de estrangeiros nos EUA, a maioria deles associados a empresas norte-americanas.

Cerca de 50% das importações dos EUA, aquelas que “destroem os empregos norte-americanos”, são intrafirma, isto é, são feitas justamente por empresas norte-americanas, que fazem sua produção total ou parcialmente no exterior.

Imaginar que esse novo “herói” dos blues collars norte-americanos vai enfrentar, de fato, esses interesses poderosíssimos é risível. Poderão, é claro, ocorrer negociações que beneficiem a geração de empregos nos EUA, mas nada que modifique a lógica implacável da acumulação capitalista em nível mundial.

Mas mais espantoso ainda é a ingenuidade, ou a estupidez, dos novos condutores da política externa brasileira, que querem colocar o Brasil de novo na órbita dos interesses estratégicos dos EUA, achando que isso vai beneficiar o nosso país.

Nessa linha desastrosa de adesão submissa e acrítica ao “realismo periférico”, que tanto nos fragilizou na década de 1990, entregam o pré-sal, a Base de Alcântara e o programa espacial brasileiro, entre outras coisas que serão graciosamente oferecidas. Enfim, querem entregar tudo, para não obter nada.

Nos EUA, há um Trump, que embora muito conservador, se preocupa com os empregos de seu povo. Aqui, com 14 milhões de desempregados que não param de crescer, temos Temer, que se preocupa apenas em sobreviver politicamente, agradando os poderosos.

Poderosos do Brasil e, sobretudo, os poderosos do mundo.

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