ARTIGO

Paulo Paim: Desafios dos Direitos Humanos

"Quando tratamos de Direitos Humanos, estamos falando de combate às injustiças e às discriminações; do respeito às diferenças e às diversidades; dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos; da igualdade de direitos entre homens e mulheres; do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável", explica o senador, em artigo.
Paulo Paim: Desafios dos Direitos Humanos

Foto: Alessandro Dantas

Havia um tempo em que ouvíamos o “canto dos pássaros nas manhãs do Brasil”, simbolizando um novo momento e um horizonte cheio de esperança. Foi como que uma canção que tocou fundo na alma e na razão coletiva. Fez criar condições de vida digna e sonhos.

Ainda nos movemos pelo decreto de Thiago de Mello: “o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. O homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu”.

E por assim compreendermos e agirmos é que jamais perderemos a coragem de nos indignarmos, de fazermos a boa-luta com o aço da consciência contra os abusos, as covardias e as indecências com que milhões de brasileiros vêm sofrendo a cada dia.

Quando tratamos de Direitos Humanos, estamos falando de combate às injustiças e às discriminações; do respeito às diferenças e às diversidades; dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos; da igualdade de direitos entre homens e mulheres; do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável.

Direitos Humanos é o viver por inteiro em condições salutares no País: saúde, educação, trabalho, renda, moradia, segurança, aposentadoria justa, salário mínimo decente, terra para plantar e repartir o pão, convivência com a natureza.

A Constituição Cidadã de 1988 consagra o princípio da cidadania, da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, o direito à vida, à privacidade, à igualdade, à liberdade; direitos individuais, coletivos, difusos e de grupos.

Hannah Arendt dizia que compreender não significa negar o ultrajante, subtrair o inaudito. Significa encarar a realidade, espontânea e atentamente, e resistir a ela, qualquer que seja, venha a ser ou possa ter sido.

Somos o País mais desigual do mundo, temos a maior concentração de renda do planeta; temos mais de 20 milhões de desempregados. Milhões de brasileiros passam fome todos os dias, gente que não possui sequer água potável para beber.

São mais de 50 milhões de pessoas vivendo na pobreza e 12 milhões na extrema pobreza. Idosos pedem socorro; miseráveis sentem a dor do frio nas ruas e viadutos; mães choram, pois não têm alimento para dar aos seus filhos.

Matam na cidade e no campo, nas vilas, nas praças, no asfalto, nas periferias, nas favelas: pobres, mulheres, negros, quilombolas, indígenas, LGBTI+; sangram olhos em conflitos por terra; brasileiros de todas as idades morrem por falta de atendimento médico, por falta de um leito em hospital.

Que País é este em que uma mulher é morta a cada duas horas? Que uma menina com menos de 13 anos é estuprada a cada quatro horas? Que, a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado? Somos quem mais mata por homofobia no mundo: uma morte a cada 19 horas.

Levantamento do Observatório do Terceiro Setor mostra que, no ano de 2019, mais de mil pessoas foram encontradas em condições análogas à escravidão no Brasil. O Ministério Público do Trabalho recebeu quase seis mil denúncias nos últimos anos. Mais de 60% das vítimas são mulheres e uma em cada quatro vítimas é criança.

A pandemia da Covid-19 já matou mais de cem mil pessoas no País e infectou mais de três milhões. Há nítido descaso e omissão governamental. Pobres e miseráveis são atingidos, negros, brancos, gente das periferias, populações indígenas e quilombolas. Faltam leitos de UTI’S (Unidades de Terapia Intensiva), respiradores, e, até mesmo, EPI’S (Equipamentos de Proteção Individual) para os profissionais que estão na linha de frente e em atividades essenciais. O País erra ao não fazer testagem em massa.

O combate e as soluções para as mazelas sociais e econômicas do nosso País – o racismo e as discriminações, a cultura falida dos órgãos de segurança pública, a pandemia da Covid-19, a própria desigualdade da representatividade política – passam, efetivamente, pela ótica e olhar sincronizado dos Direitos Humanos.

Sob essa luz, devem estar políticas de Estado e de Governo, decisões do Legislativo e do Judiciário. O País não suporta mais medidas instantâneas, desequilibradas, pendulares, sem metodologia social e humana, com uma estrutura teórica apontando para o norte e uma realidade apontando para o sul. Temos que conectar o Brasil invisível ao mundo real.

Não podemos mais tropeçar nas incoerências da história, nos erros e deslizes da intolerância, do ódio e da violência, nos abusos de um sistema político que exclui e amordaça psicologicamente a maioria dos brasileiros. Temos que crescer humanamente e coletivamente, buscar a dignidade humana, a solidariedade, a fraternidade.

Tenhamos como horizonte o retorno aos nossos ouvidos do “canto dos pássaros nas manhãs do Brasil” e todas as cores e nuances aos nossos olhos, pintando aquarelas como se fosse a primeira vez, fortalecendo a democracia, libertando os sentimentos reprimidos, buscando a justiça social, a verdade e os Direitos Humanos na sua plenitude.

Artigo originalmente publicado no Jornal do Brasil

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