Especialistas ouvidos pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), nesta terça-feira (10), teceram duras críticas à Proposta de Emenda Constitucional (PEC 186/2019) – PEC Emergencial – integrante do Plano Mais Brasil idealizado pelo ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes. A audiência pública coordenada pelo senador Humberto Costa (PT-PE) contou com a participação de lideranças da sociedade, que questionaram as medidas e os resultados econômicos alegados pelo governo Bolsonaro.
A proposta do governo cria um regime fiscal específico para momentos emergenciais visando um corte ainda maior do investimento público. Dentre as medidas previstas pela PEC 186 estão o corte de gastos com pessoal da administração pública por meio da suspensão de admissão e de concursos públicos, a redução da jornada de trabalho, redução de vencimentos em até 25% e demissão de servidores não estáveis. Em resumo, medidas que reduzirão os serviços públicos oferecidos pelo Estado aos cidadãos.
Nos debates, “ao discordar dos impactos da medida na saúde, educação e segurança, o relator da PEC, Oriovisto Guimarães, chegou a acenar com a possibilidade de sugerir emenda à PEC para deixar expresso que não poderão ocorrer cortes nessas áreas”. “Ninguém vai cortar o horário de policial, ninguém vai cortar o horário de professor, ninguém vai cortar o horário de médico. Isso é uma coisa que não faz sentido, apontou. “Como relator, me disponho a colocar proibição disso no próprio relatório”, disse.
A reação do relator confirma o papel da oposição, em especial do PT, na denúncia dos efeitos de mais um pacote de maldades de Guedes e Bolsonaro para a população.
A PEC Emergencial, na avaliação do senador Humberto Costa (PT-PE), é mais um passo do ataque orquestrado pelo governo Bolsonaro para destruir as carreiras do funcionalismo público e enfraquecer ainda mais o serviço prestado à população pelo Estado.
“No governo do presidente Bolsonaro tivemos três dos mais graves e profundos ataques ao funcionalismo público. A reforma da Previdência com crescimento brutal das alíquotas de contribuição para servidores, a PEC dos fundos públicos e a reforma administrativa que ainda está por vir. Ou eles [servidores] erguem a cabeça e vem para o enfrentamento, ou vai chegar no nível de desmonte total das carreiras do funcionalismo público”, alertou Humberto.
Estimativa do Núcleo de Estudos de Modelagem Econômica e Ambiental do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR/UFMG) aponta para uma queda de 1,3% do nível de atividade econômica, em comparação ao cenário sem a PEC, caso os vencimentos e a jornada dos servidores sejam reduzidos em 25%.
“A adoção da PEC irá impor um choque negativo de demanda agregada ao reduzir a massa salarial do setor público em até 25%. A agenda de reformas iniciada com a Emenda 95 – teto de gastos – e complementada pelas reformas trabalhista e previdenciária não está funcionando. A agenda que está em vigor no Brasil, desde 2016, faz reformas atrás de reformas, dizendo que sempre a próxima vai dar certo e, quando a próxima reforma chega, o crescimento continua medíocre”, destacou o professor de Economia da UnB, José Luís Oreiro.
A medida também não trará grandes impactos fiscais. Dados apresentados por Oreiro mostram que 45% do gasto da União com pessoal é composto por inativos (43%) e precatórios (2%) estando, assim, fora do alcance da PEC 186. Os 55% restantes são compostos por: Defesa (16%), área social – entre eles Saúde e Educação – (37%), Segurança Pública (5%), Executivo (22%) e Justiça e Legislativo (20%).
“Na média dos últimos 20 anos a União tem gastado 4,5% do PIB com o funcionalismo público. No melhor cenário, a União poderia reduzir o gasto com funcionalismo em apenas 0,25% do PIB. Uma redução de R$ 17 bilhões. Se excluir disso o gasto com o Judiciário e o Legislativo, a economia cai para R$ 8 bilhões. É disso que estamos tratando”, disse.
Ele ainda alertou para o fato de que a redução de 25% da jornada de trabalho dos servidores públicos pode afetar diretamente serviços essenciais como atendimento público nas áreas da Educação, Saúde e Segurança Pública.
“A economia gerada, na verdade, vai ser derivada da redução de serviços prestados à população. É disso que estamos falando. A população acha que vão ser reduzidos os super salários de alguns juízes. Não é isso”, alertou.
Na avaliação do senador Rogério Carvalho (SE), líder do PT no Senado, a agenda de reformas do atual governo representa o aniquilamento do Estado brasileiro responsável pela redistribuição de riquezas e investimentos públicos capazes de dinamizar o desenvolvimento do País.
“Na genética da economia brasileira o investimento público é essencial. Ele está na gênese da construção econômica do Brasil. E essa tentativa de retirar toda e qualquer possibilidade de o Estado participar do investimento na economia é uma carga mortal de radiação no corpo chamado Brasil. Não há como o Brasil sobreviver a uma crise econômica sem investimento público”, destacou.
“A consolidação fiscal brasileira exige a aceleração do ritmo de crescimento da economia. Não existe ajuste fiscal que pare em pé com a economia crescendo 1%. Para que consigamos acelerar o crescimento, é preciso retirar o teto de gastos. Com ele em vigência, não vamos conseguir aumentar o investimento público. Poderíamos aproveitar a PEC 186 e, pelo menos, tirar do teto de gastos, o investimento público”, defendeu o professor José Luís Oreiro.
Erro de avaliação do governo
O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, Manoel Pires, defendeu a criação de um regime fiscal emergencial já que esse mecanismo facilita a elevação do resultado primário e a estabilização da dívida do País.
Mas a proposta do governo Bolsonaro apresenta, pelo menos, dois graves erros de formulação. Um deles, é a ausência de uma definição clara e adequada dos parâmetros que caracterizem uma emergência fiscal.
Outro erro apontado pelo pesquisador da FGV é o descumprimento da chamada “regra de ouro” como indicador de problemas fiscais. De acordo com a Constituição Federal, a “regra de ouro” proíbe que o endividamento (operações de crédito) seja superior às despesas de capital (investimentos e amortização da dívida pública). Também impede que sejam contraídas novas dívidas para financiar despesas correntes (principalmente com pessoal, aposentadorias e juros da dívida).
“Essa não é a melhor métrica para fazer esse tipo de debate. Já passamos por períodos de insustentabilidade fiscal cumprindo a regra de ouro. Por outro lado, não cumprimos a regra de ouro hoje, apesar de termos passado por uma crise fiscal pior entre 2015 e 2016”, disse Manoel Pires.
Para ele, seria mais prudente utilizar como parâmetro o déficit primário estrutural como gatilho para acionar o regime fiscal emergencial. “É preciso mudar o critério de acionamento do regime que está mal calibrado. Desde 2008 a regra de ouro vinha sendo cumprida. Em 2015 e 2016, ela foi cumprida a despeito de termos vividos o auge da crise fiscal. E ela só passou a ser descumprida em 2018, quando o pior da crise fiscal havia passado”, explicou.
O pesquisador ainda defendeu a aprovação da PEC 131/2019, de autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), que abre espaço para a ampliação de investimentos públicos. A proposta estabelece o investimento público federal mínimo de 1,5% do PIB, determinando áreas prioritárias de investimento e excluindo o montante do teto de gastos (EC 95).
“As regras fiscais que funcionam melhor são as menos rígidas. O que a literatura mostra é que quem adota regra fiscal muito rígida acaba perdendo instrumento e tendo que mudar a regra adiante. Regras fiscais mais flexíveis são capazes de acomodar ciclos econômicos que abrem espaço para mais investimento público e fazer a consolidação ao mesmo tempo, são mais eficientes para produzir uma combinação entre estabilidade fiscal e crescimento econômico”, disse.
Com Agência Senado.