Pinheirinho: violência policial é atestada; dois mil abusos

Relatório parcial do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo aponta mais de 1,8 denúncias de violações de direitos humanos durante a desocupação da comunidade. O documento, que atesta a violência da PM e da Guarda Municipal, inclui 634 depoimentos de testemunhas e vítimas de violência. O senador Eduardo Suplicy quer que o relatório seja analisado pelo Ministério Público, Procuradoria de Justiça do Estado de São Paulo e pelo Conselho Nacional de Justiça. “Precisamos de explicações”.

Pinheirinho: violência policial é atestada; dois mil abusos

Relatório parcial divulgado neste final de semana pelo Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe) atesta a violência da Polícia Militar de São Paulo e da Guarda Municipal de São José dos Campos durante a reintegração de posse do Pinheirinho, em São José dos Campos, tanto na área da ocupação quanto nos bairros vizinhos. São mais de 1,8 denúncias de violações de direitos humanos ocorridas durante a desocupação. O documento, que deve ser publicado ainda este mês, contém 634 depoimentos de pessoas que testemunharam ou foram vítimas da violência policial na operação, no dia 22 de janeiro.

suplicy_3101O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que acompanhou todo o caso, considera os dados, reunidos no relatório, muito importantes porque deixam claro que algo muito grave aconteceu que, inclusive, suplantou a decisão de se tentar uma saída pacífica para o impasse. Em fevereiro, Suplicy tornou público denúncias de abuso sexual cometidos contra duas mulheres e um jovem, por policiais militares.

Sobre a questão do direito à propriedade, que justificou a invasão, o senador estranha o fato de o direito à propriedade de pessoas mais humildes não ter sido respeitado. “Em dois dias, o patrimônio daquelas famílias foi colocado abaixo e eles perderam móveis, eletrodomésticos, documentos, fotografias e tudo o que reuniram durante a vida”, lembrou.

Para Suplicy, é importante que o relatório seja analisado pelo Ministério Público, pela Procuradoria de Justiça do Estado de São Paulo e pelo Conselho Nacional de Justiça. “Precisamos de explicações”, disse ele.

Show de horrores
O presidente do Condepe, Ivan Seixas, em entrevista ao Portal Linha Direta, classificou o episódio de Pinheirinho como invasão. “Foi um verdadeiro show de horrores que assustou a todos”, disse, denunciando que a polícia atacou e expulsou a população.

Conforme o relatório, a ocupação do Pinheirinho era “eminentemente familiar”, com forte presença de crianças e adolescentes – 677 na faixa etária até 11 anos. Neste caso, diz o documento, um dos efeitos foi quebra do vínculo das crianças e adolescentes com a escola e a creche, o que gerou confusão nos primeiros dias nos alojamentos para onde foram levadas as famílias. Nos quatro abrigos temporários, o Condepe registrou a presença de 1.069 crianças e adolescentes e de 50 idosos.

O conselheiro Renato Simões, relator do caso no Condepe, disse que o objetivo do trabalho é “dar voz às vítimas e cobrar do Ministério Público, da Defensoria Pública e de outros órgãos do estado às providências”. O documento será entregue à Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, à Defensoria Pública, a órgãos do governo do estado e do município de São José dos Campos e ao Congresso Nacional. 

Outro lado
Em nota, a prefeitura de São José dos Campos diz que os ex-moradores do Pinheirinho foram acolhidos da melhor maneira possível, considerando-se o caráter emergencial e as dimensões do caso. “Todos foram abrigados em ginásios esportivos [cerca de 1.200 pessoas] e receberam colchões, kits de higiene, roupas íntimas, três refeições por dia, atendimento médico e assistência social.” De acordo com a prefeitura, o conselho tutelar fez diversas visitas aos abrigos e não encontrou irregularidades no acolhimento das crianças. 

A prefeitura informou que cedeu vans para levar as crianças à escola das crianças e que providenciou acompanhamento médico para os idosos. “Hoje todas as famílias deixaram os abrigos e já receberam a segunda parcela do aluguel social”, diz a nota.

O dono do terreno
Oficialmente, o terreno onde ficava o Pinheirinho pertence ao megaespeculador Naji Nahas. Em entrevista exclusiva à Folha de São Paulo neste fim de semana, ele admite que é o detentor do terreno onde viviam cerca de  9 mil pessoas e declara: “eu faço o que eu quiser do terreno. É problema meu. É engraçado me censurarem por eu ser o único beneficiário dessa reintegração de posse. Sou, sim, mas sou o dono. Paguei pelo terreno e fiquei oito anos sem poder usá-lo.”

A reintegração de posse foi organizada e, em grande medida, custeada pela empresa RS Administração e Construção. Os 2.000 PMs mobilizados na ação detiveram 32 pessoas, das quais nove ficaram presas. Os feridos foram dez, segundo informações oficiais – um deles a bala.

Desocupado o terreno, destruídas as casas, Nahas disse à Folha que agora sonha em erguer ali “um bairro lindo”. Nome? “Esperança”, ele cogita – e logo explica: “Esperança de o governo resolver o problema desses coitados”.

“Esperança” já está cotada em pelo menos “R$ 500 milhões, fora gastos com infraestrutura e moradias”. Esse é o valor da terra, nas contas de Rodrigo Capez, juiz assessor da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo. O valor venal do terreno está na casa dos R$ 80 milhões. Mas já se falou que valia R$ 300 milhões.

Comprado em 1981 de Benedito Bento Filho, conhecido operador imobiliário de São José dos Campos, por Cr$ 120 milhões (hoje, equivalentes a R$ 6,2 milhões) o terreno era um grande pomar, com 32 mil árvores frutíferas

Juíza
A Folha entrevistou a juíza Márcia Faria Mathey Loureiro, da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, que decidiu pela desocupação da área. À reportagem, ela se disse surpresa quando informada de que Nahas era o proprietário do terreno. “Ele é o proprietário ou não? Integral? Ou tem uma parte das ações?”, perguntou

Em entrevista à Folha, ela garantiu que não sabia quem era o dono. “O que eu tenho no processo é a certidão do cartório do registro de imóveis, em que consta a Selecta [Comércio e Indústria S/A]”, o braço jurídico de Naji Nahas.

“Para mim, pouco importa se é o Naji Nahas, uma pessoa jurídica ou uma pessoa física, alguém que trabalhou a vida inteira para conquistar aquilo”, afirma a juíza. “Para mim, é a massa falida da Selecta, não é o Naji Nahas, que é uma pessoa que não conheço. Isso não vem ao caso, não compete a mim enquanto juíza, analisando uma situação, analisar também as partes, a vida das partes.”

A vida dos invasores do Pinheirinho, entretanto, ela analisou: “Das famílias que estavam lá, 25% estavam pela necessidade. O resto é oportunista”, disse ao jornal paulista.

Para a juíza, os moradores “não eram só manobrados politicamente. Eram, mas sabiam o que estavam fazendo. Tinha até uma ex-empregada minha que morava no [bairro] Dom Pedro, em uma casa do CDHU. Mas ela resolveu alugar e foi morar no Pinheirinho, porque era de graça. Ela recebia o aluguel e morava no Pinheirinho”, relata a matéria.

Com informações da Agência Brasil, do Portal Linha Direta e da Folha de São Paulo

Ouça a entrevista do senador Suplicy

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