Barbárie na Amazônia

Por Bruno e Dom, senadores do PT querem investigação até o fim

Além dos possíveis mandantes do duplo homicídio, parlamentares querem apurar abandono da região por parte do governo federal e ocupação pelo crime organizado; entidades também se manifestaram
Por Bruno e Dom, senadores do PT querem investigação até o fim

Reprodução/Cristiano Siqueira (@crisvector)

Em coletiva na noite de quarta-feira (15), o comando da Polícia Federal (PF) no Amazonas confirmou que Amarildo da Costa Oliveira, vulgo “Pelado”, confessou ter matado e enterrado os corpos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips. O crime, segundo o pescador, teria acontecido no domingo, dia 5, data em que os dois desapareceram do radar da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), para quem Bruno, servidor licenciado da Funai, prestava consultoria. Ainda segundo a PF, Amarildo admitiu, em depoimento voluntário, que depois de atirar em Bruno e Dom, esquartejou e enterrou os corpos a três quilômetros do local do crime. Restos mortais localizados sob orientação do suspeito serão analisados nesta quinta (16).

Mas o duplo assassinato está longe de ser elucidado. Primeiro, a própria PF informou que mantém a investigação em busca de possíveis comparsas. O irmão de Amarildo, Oseney da Costa de Oliveira, também está preso. Além disso, as circunstâncias que envolvem o crime precisam ser apuradas, defendeu o presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, Humberto Costa (PT-PE), logo depois de manifestar tristeza e indignação com a notícia das mortes de Bruno e Dom.

“Exigimos que a investigação vá às últimas consequências e mostre não apenas os autores materiais desse duplo assassinato, mas acima de tudo os grupos que financiaram e que estão por trás dessa ação bárbara. O Brasil e o mundo não podem se calar diante de tamanha barbárie que estamos vivendo no nosso país”, afirmou o Humberto, que na terça obteve aprovação de requerimento para uma diligência de senadores para acompanhar as investigações na região.

Bruno e Dom faziam uma expedição-denúncia, que serviria para o jornalista britânico concluir seu livro “Como Salvar a Amazônia”. Bruno, que Dom conheceu em outra viagem pela região, era profundo conhecedor das aldeias locais, tendo sido coordenador-geral de Índios Isolados da Funai. Ele perdeu o cargo em 2019, após pressão de criminosos do oeste amazonense — principalmente garimpeiros e pescadores —, contrariados pelo trabalho do indigenista na proteção às comunidades originárias. Na região, a pesca ilegal do pirarucu e outras espécies é utilizada para lavar o dinheiro do tráfico da cocaína fabricada na vizinha Colômbia.

A ligação do governo com o crime organizado na Amazônia, seja por cumplicidade ou leniência, também está na pauta. Em sucessivas entrevistas, Bolsonaro se colocou ao lado de garimpeiros e chegou a culpar as vítimas pelos riscos que corriam na região. O discurso foi rebatido pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN).

“Ao contrário das afirmações de Bolsonaro, Bruno e Dom não estavam numa excursão. Eles resgatavam histórias que responsabilizam nosso país e suas autoridades pelos crimes que estavam sendo cometidos no Vale do Javari”, sustentou.

O que está mais que demonstrada, acrescentou Humberto Costa, é a política de omissão do governo. Para chegar à situação atual, explica o senador, já em 2019 Bolsonaro rejeitou, “de forma cínica, o apoio de países [Noruega e Alemanha, por meio do Fundo Amazônia], que desejavam ajudar no processo de preservação de nossas florestas e de apoio às populações indígenas, que são as grandes responsáveis pela preservação do meio ambiente naquela área”. Era, segundo Humberto, um sinal do que viria: com desmonte de órgãos federais de meio ambiente e sem apoio à proteção das florestas, o crime organizado, inclusive transnacional, tomou conta da região.

“Aliás, o presidente da República tenta utilizar as Forças Armadas para interferir indevidamente no processo eleitoral, mas se omite totalmente quanto à garantia de que uma parcela significativa do território nacional continue a ser ocupada pelo estado brasileiro”, analisou.

Na avaliação de Jean Paul Prates, o desmonte das estruturas de proteção ambiental deixou a região nas trevas. “Lá não há lei! A Polícia Federal, as Forças Armadas e a Funai se afastaram, e organizações criminosas dominaram esse pedaço do nosso país. É necessário apurar as responsabilidades e o Senado vai fazer isso e apontar os culpados por essa tragédia”, prometeu.

Além da diligência de senadores à região, o Senado aprovou criação de Comissão Externa, que terá 60 dias para acompanhar o caso Bruno e Dom e investigar as causas do aumento da criminalidade na Amazônia. Nos próximos dias deve ser definida a linha de trabalho do grupo, que conta com senadores das comissões de Meio Ambiente, Constituição e Justiça e CDH.

Solidariedade e luta

Senadores e organizações da sociedade civil se manifestaram nas redes sociais. Paulo Paim (PT-RS) pediu justiça: “A morte deles não pode ficar impune. Que os assassinos sejam julgados dentro do rigor da lei. O Brasil não aguenta mais tanto ódio, violência, tantos crimes hediondos”.

Já Fabiano Contarato (PT-ES) pediu rigor e celeridade na investigação. “A morte de Bruno e Dom dói profundamente em todos os defensores das florestas: o custo para os que sonham com justiça pode ser a própria vida! Mas não podemos abandonar a luta dos que foram martirizados pela Amazônia: precisamos manter vivas as suas bandeiras. Não vamos nos calar!”, acentuou.

Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Jaques Wagner (PT-BA) afirmou que o episódio “é revoltante” e pediu “que se faça justiça verdadeira e não apenas joguem lixo para debaixo do tapete”. Ainda segundo Wagner, “o assassinato de Bruno e Dom compromete a nossa imagem e mostra que aqueles que querem fazer a boiada passar usam métodos criminosos para chegar aos seus objetivos.”

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulgou nota em que se solidariza com familiares e amigos do indigenista e do jornalista e se compromete a seguir lutando pelos direitos dos povos indígenas, “alvos de falsidades e acusações por parte de autoridades federais”.

Em outra nota, entidades como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o coletivo Intervozes expressaram indignação e tristeza e clamaram por justiça para o caso, a partir de apuração “transparente e independente”. O documento também questiona Bolsonaro quanto ao reiterado estímulo à ocupação ilegal das terras de povos originários e a ataques contra jornalistas que denunciam irregularidades.

“É preciso investigar e responsabilizar os envolvidos nas mortes de Bruno e Dom, daqueles que perpetraram o crime àqueles que o ordenaram”, pregou a nota, lembrando declarações do presidente da República, que sugeriu a culpa das próprias vítimas pela tragédia. Para essas organizações, Bolsonaro tenta “isentar o Estado brasileiro de qualquer responsabilidade em garantir a segurança do trabalho de jornalistas, indigenistas e ambientalistas no Vale do Javari, e praticamente admite que criminosos assumiram o controle da região.”

A nota pontua que “Dom Phillips e Bruno Pereira estavam prestando um importante serviço para a sociedade ao reportarem a realidade amazônica” e registra que “nos últimos anos, jornalistas e ambientalistas mostraram recordes de desmatamento e avanços de garimpeiros e madeireiros, da pesca predatória e do narcotráfico sobre territórios indígenas. Também foram divulgados assassinatos de ativistas e o enfraquecimento de órgãos de controle e de fiscalização pelo governo federal. Não se trata de aventura, e sim de jornalismo.”

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