A Associação Brasileira de Municípios (ABM, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) se manifestaram após as ameaças de Bolsonaro provocarem a saída de milhares de médicos cubanos do programa Mais Médicos.
Na última quarta-feira (14), a FNP divulgou nota na qual afirma que a saída dos médicos cubanos do programa pode trazer “irreparáveis prejuízos à saúde da população”.
Já o presidente da CNM divulgou nota ontem (15) destacando a preocupação dos prefeitos das cidades com menos de 20 mil habitantes com a saída dos 8,5 mil profissionais cubanos que atuam no Mais Médicos e a necessidade de ação para que milhões de brasileiros não fiquem sem assistência médica.
“A presente situação é de extrema preocupação, podendo levar a estado de calamidade pública, e exige superação em curto prazo”, diz a nota.
O presidente da ABM, Ary Vanazzi, se manifestou por meio de carta aberta a Jair Bolsonaro. Nela, Vanazzi pede a Bolsonaro que tome ações imediatas que revertam a decisão de Cuba.
Para a ABM, o Mais Médicos proporcionou atendimento básico pela 1ª vez à população, uma vez que os municípios não conseguiam contratar profissionais para pequenas cidades, regiões de periferias e distritos indígenas.
Confira a íntegra das cartas:
Carta aberta ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, sobre a decisão do Ministério da Saúde Pública de Cuba de se retirar do programa Mais Médicos
A Associação Brasileira de Municípios, entidade municipalista mais antiga do Brasil e da América Latina, vem requerer do presidente eleito, Jair Bolsonaro, ações imediatas para reverter a decisão do Ministério da Saúde Pública de Cuba em retirar-se do Programa Mais Médicos.
O programa Mais Médicos foi criado em 2013 pela então presidente da República, Dilma Rousseff, e pelo então Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para atender à solicitação da ABM e dos municípios brasileiros que não conseguiam contratar médicos para o atendimento básico à população.
Desde então, entre médicos brasileiros e estrangeiros, entre eles muitos cubanos e cubanas, todos os municípios brasileiros puderam atender, muitas vezes pela primeira vez, toda sua população. Particularmente os cubanos têm atuado nas periferias das regiões metropolitanas, nos distritos indígenas, nas pequenas cidades e em regiões distantes dos grandes centros urbanos. São lugares, senhor presidente eleito, que viram, muitas vezes, pela primeira vez um médico. São municípios e regiões em que os médicos brasileiros dificilmente aceitavam ou aceitarão atender, mesmo a prefeitura pagando salários muito mais altos, com muitas dificuldades para fazê-lo.
Os seguintes dados de atendimento nesses cinco anos evidenciam claramente a importância da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) e dos médicos cubanos para os municípios brasileiros.
– mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez graças ao programa;
– em cerca de 1100 municípios o programa Mais Médicos é responsável por 100% da cobertura da Atenção Básica;
– temos cerca de 8.500 médicos cubanos hoje no programa Mais Médicos;
– 95% da população brasileira avalia positivamente o programa, segundo estudo da UFMG;
– os médicos cubanos estão em 2.885 municípios do país, sendo a maioria do Norte do país, semiárido nordestino, cidades com baixo IDH, distritos indígenas, periferias das regiões metropolitanas e municípios afastados dos grandes centros urbanos de maneira geral;
– 1.575 municípios só possuem médicos cubanos do Programa, sendo que 80% desses municípios são pequenos (menos de 20 mil habitantes) e localizados em regiões que foram oferecidos antes a médicos brasileiros, que não aceitaram trabalhar.
Nosso apelo é feito em nome dos prefeitos e prefeitas do Brasil, que querem atender bem a população, que se esforçam por garantir atendimento básico de saúde a seus munícipes e que tiveram, com o programa Mais Médicos, a possibilidade de garantir isso.
Em estudos, debates e visitas que a ABM realizou no ano de 2015 com municípios de todas as regiões do Brasil, através de projeto em parceria com o Ministério da Saúde e a OPAS, ficou muito evidente a satisfação da maioria dos gestores locais do país com a possibilidade oferecida pelo programa Mais Médicos de garantir atendimento básico a toda a população. Encaminhamos, em anexo, a revista publicada com os resultados desses estudos, debates e visitas.
Lembramos ainda que os profissionais que prestarem e forem aprovados pelo revalida ganham o direito do exercício da medicina no Brasil e, por isso, deixam de serem obrigados a atender apenas no lugar designado pelo programa Mais Médicos, podendo, portanto, ir para qualquer grade centro urbano do país, onde estão a maioria dos médicos brasileiros.
Nesse sentido, vimos apelar ao presidente eleito que busque reverter a decisão anunciada hoje pelo Ministério da Saúde Pública de Cuba de terminar a parceria com a OPAS para envio de médicos ao Brasil.
Certos de contar com a sua atenção.
Atenciosamente,
Ary Vanazzi
Presidente da Associação Brasileira de Municípios (ABM)
Nota sobre o programa Mais Médicos e a saída dos profissionais cubanos do país
A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) lamentam a interrupção da cooperação técnica entre a organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o governo de Cuba, que possibilitava o trabalho de cerca de 8.500 médicos no Programa Mais Médicos. Com a decisão do Ministério da Saúde de Cuba, anunciada nesta quarta-feira, 14, de rescindir a parceria, mais de 29 milhões de brasileiros serão desassistidos.
Os cubanos representam, atualmente, mais da metade dos médicos do programa. Por isso, a rescisão repentina desses contratos aponta para um cenário desastroso em, pelo menos, 3.243 municípios. Dos 5.570 municípios do país, 3.228 (79,5%) só têm médico pelo programa e 90% dos atendimentos da população indígena é feito por profissionais de Cuba.
Além disso, o Mais Médicos é amplamente aprovado pelos usuários, 85% afirma que a assistência em saúde melhorou com o programa. Nos municípios, também é possível verificar maior permanência desses profissionais nas equipes de saúde da família e sua fixação na localidade onde estão inseridos.
Cabe destacar que o programa é uma conquista dos municípios brasileiros em resposta à campanha “Cadê o Médico?”, liderada pela FNP, em 2013. Na ocasião, prefeitas e prefeitos evidenciaram a dificuldade de contratar e fixar profissionais no interior do país e na periferia das grandes cidades.
Com a missão de trabalhar na atenção primária e na prevenção de doenças, a interrupção abrupta da cooperação com o governo de Cuba impactará negativamente no sistema de saúde, aumentando as demandas por atendimentos nas redes de média e alta complexidade, além de agravar as desigualdades regionais.
Para o g100, grupo de cidades populosas, com alta vulnerabilidade socioeconômica, a situação é ainda mais devastadora. Com o objetivo de reduzir a carência por serviços de atenção básica nessas cidades, o g100 é utilizado como critério para priorizar o recebimento desses profissionais.
Diante disso, a FNP e o Conasems alertam o Governo recém-eleito para os iminentes e irreparáveis prejuízos à saúde da população, inclusive para a parcela que não é atendida pelo Mais Médicos.
Sendo assim, a FNP e o Conasems pedem a revisão do posicionamento do novo Governo, que sinalizou mudanças drásticas nas regras do programa, o que foi determinante para a decisão do governo de Cuba. Em caráter emergencial, sugerem a manutenção das condições atuais de contratação, repactuadas em 2016, pelo governo Michel Temer, e confirmadas pelo Supremo Tribunal Federal, em 2017.
O cancelamento abrupto dos contratos em vigor representará perda cruel para toda a população, especialmente para os mais pobres. Não podemos abrir mão do princípio constitucional da universalização do direito à saúde, nem compactuar com esse retrocesso.
Frente Nacional de Prefeitos (FNP)
Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems)
Nota da CNM sobre o Programa Mais Médicos
O valor do Programa Mais Médicos (PMM), ecoado nos diversos cantos do Brasil, demonstrou ser uma das principais conquistas do movimento municipalista frente à dificuldade de realizar a atenção básica, com a interiorização e a fixação de profissionais médicos em regiões onde há escassez ou ausência desses profissionais. Importante destacar que a estruturação e a organização da Atenção Básica de Saúde é pauta permanente da Confederação Nacional de Municípios (CNM) junto ao Executivo Federal e ao Congresso Nacional.
De acordo com a Organização Panamericana da Saúde (OPAS), atualmente são 8.500 médicos cubanos atuando na Estratégia Saúde da Família e na Saúde Indígena. Esses profissionais estão distribuídos em 2.885 Municípios, sendo a maioria nas áreas mais vulneráveis, como o norte do país, o semiárido nordestino, as cidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), as terras indígenas e as periferias de grandes centros urbanos. Entre os 1.575 Municípios que possuem somente médico cubano do Programa, 80% possuem menos de 20 mil habitantes. Dessa forma, a saída desses médicos sem a garantia de outros profissionais pode gerar a desassistência básica de saúde a mais de 28 milhões de pessoas.
Nos últimos meses, a CNM, juntamente com as representações das entidades municipalistas estaduais, organizou inúmeras reuniões com o governo federal sobre a necessidade de manutenção e aprimoramento do Programa Mais Médicos, com adoção gradual de novas estratégias para interiorização e fixação dos profissionais médicos e outras categorias necessárias para o atendimento básico às populações. Em audiências recentes com o ministro da Saúde, a Confederação discutiu inclusive a ampliação do Programa para Municípios e regiões que ainda apresentam a ausência e a dificuldade de fixação do profissional médico.
O anúncio referente à decisão do Ministério da Saúde de Cuba de rescindir a parceria, na última quarta-feira, 14, aflige prefeitos e prefeitas desta Confederação. Imediatamente, a entidade buscou em Brasília o atual governo e o governo de transição para que, em conjunto, fosse possível adotar medidas que garantam a manutenção dos serviços de atenção básica de saúde. Cabe destacar que, na última década, estudo apontou que o gasto com o setor de Saúde sofreu uma defasagem de 42%, o que sobrecarregou os cofres municipais. Os Municípios, que deveriam investir 15% dos recursos no setor, já ultrapassam, em alguns casos, a marca de 32% do seu orçamento, não tendo condições de assumir novas despesas.
A presente situação é de extrema preocupação, podendo levar a estado de calamidade pública, e exige superação em curto prazo. Nesse sentido, a CNM aposta no diálogo entre as partes para os médicos cubanos permanecerem no país pelo menos até o final deste ano ou, se possível, por tempo maior a ser acordado entre os dois países. Durante esse período, acreditamos que o governo federal e de transição encontrarão as condições adequadas para a manutenção do Programa. Enquanto aguardamos a rápida resolução do ocorrido pelo órgão competente, estamos certos de que os gestores municipais manterão o máximo empenho para seguir o atendimento à saúde de suas comunidades.
Os Municípios brasileiros, na missão de prestar serviços públicos à população, representados pela Confederação Nacional de Municípios, não medirão esforços para a resolução deste impasse.
Glademir Aroldi
Presidente da Confederação Nacional de Municípios