O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, confirmou em depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (11) que houve uma tentativa de alteração da bula da cloroquina em meio à pandemia.
De acordo com Barra Torres, o documento foi comentado pela doutora Nise Yamaguchi, notória defensora da cloroquina no tratamento de pacientes de Covid-19. Ele ainda afirmou que a reunião ocorreu no Palácio do Planalto, mas disse não ter conhecimento de quem efetivamente teve a ideia de alteração de bula do medicamento.
“Esse documento foi comentado pela doutora Nise Yamaguchi, o que provou uma reação, confesso, até um pouco deseducada ou deselegante minha. Minha reação foi muito imediata de dizer que aquilo não poderia ser. Porque só quem pode modificar uma bula de um medicamento registrado é a agência reguladora daquele país, mas, desde que solicitado pelo detentor do registro”, explicou Barra Torres.
Na semana passada, o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta havia dito à CPI que teve acesso ao que seria uma proposta de decreto presidencial para alterar a bula da cloroquina. A medida seria feita de uma forma que passasse a indicar o remédio no tratamento da Covid-19.
“Ele [Bolsonaro] tinha um assessoramento paralelo. Havia sobre a mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido naquela reunião mudar a bula da cloroquina na Anvisa para que na bula tivesse a indicação do medicamento para o coronavírus. O presidente da Anvisa disse que não”, afirmou Mandetta, na oportunidade.
Vacina salva vidas
Barra Torres afirmou no depoimento à CPI que todos os estudos científicos confiáveis concluídos até hoje apontam que a cloroquina não funciona no tratamento contra a Covid-19. “Estudos apontam a não eficácia [da cloroquina]. Até o momento as informações vão contra o uso”, disse.
Para o presidente da Anvisa, a política de vacinação é “essencial” no combate à pandemia e qualquer manifestação contrária à vacinação não guarda “razoabilidade histórica”.
“Entendemos que a política de vacinação é essencial. Temos que vacinar as pessoas. Entendemos também que não é o fato de vacinar que vai fazer abrir mão de usar máscaras, isolamento social, álcool em gel”, disse. “Se estamos todos aqui nessa sala é porque um dia, pais, mães nos pegaram pela mão e nos vacinaram. Falar contra vacina não guarda razoabilidade histórica. Vacina é essencial”, emendou.
O senador Humberto Costa (PT-PE) destacou a importância de haver, dentro do governo, quadros técnicos que exponham o quão danoso é para a sociedade brasileira o posicionamento negacionista de Bolsonaro diante da pandemia.
“A estratégia do presidente e de seu governo desde o início da pandemia é disseminar a Covid-19 na expectativa de conseguir que 70% da população seja contaminada e se estabeleça a imunidade coletiva. O governo expôs o povo brasileiro à doença e à morte, cometendo um crime de dolo eventual, sabendo que poderíamos chegar a isso”, disse o senador.
Questionado se as posições de Bolsonaro colaboram no combate à pandemia, Barra Torres foi enfático ao dizer que “não”. Diversos senadores lembraram quando, em novembro do ano passado, o presidente comemorou a decisão da Anvisa de suspender os estudos clínicos da vacina Coronavac após a morte de um voluntário com a manifestação: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.
“Eu entendo que não ajuda e eu coloco esse tipo de declaração na conta de uma verdadeira guerra política que se instaurou num tema que deveria ficar eminentemente na área da ciência”, disse o representante da Anvisa.
“As atitudes do presidente [Bolsonaro] são absolutamente equivocadas. Está mostrada uma cisão dentro da cidadela bolsonarista”, destacou o senador.
Preconceito com a China e agilidade na liberação da Sputnik V
Os senadores cobraram explicações acerca da situação da vacina russa Sputnik V e a possibilidade de liberação para uso no Brasil. Barra Torres afirmou que a análise para uso emergencial da vacina está parada no órgão regulador. O pedido para a vacina, de desenvolvimento russo, foi protocolado no Brasil pela empresa União Química.
O senador Humberto Costa cobrou agilidade da Agência na liberação da vacina, que tem sido usada em larga escala, por exemplo, na Argentina. O senador ainda cobrou um envolvimento maior do Ministério da Saúde no caso para dirimir quaisquer entraves que ainda existam a fim de acelerar a imunização da população.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) questionou se a vacina produzida pela Rússia não estaria sendo vítima de preconceito por parte de Bolsonaro e se, de alguma forma, isso esteja dificultando a liberação para o uso do imunizante no Brasil.
“O presidente recentemente disse que a China tinha sido responsável pela criação do vírus. O presidente, no passado, disse que a vacina da China não prestava. A vacina russa, a Sputnik V,sofre deste mesmo preconceito?”, questionou o senador.
Risco de isolamento internacional
O governador do Piauí, Wellington Dias, presidente do Consórcio Nordeste e coordenador das vacinas no Fórum dos Governadores, defendeu nesta segunda-feira (10) agilidade na aquisição de vacinas para que o país possa acelerar o cronograma de imunizações em 2021. Ele participou, com o governador do Maranhão, Flávio Dino, o governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, e o prefeito de Florianópolis de audiência virtual da Comissão Temporária da Covid-19 do Senado.
Os governadores pediram aos parlamentares ajuda na articulação para trazer insumos para a produção de vacinas e a importação de imunizantes como a Sputnik V, cujas 37 milhões de doses negociadas pelos governadores ainda estão desautorizadas para uso no Brasil. Segundo Wellington Dias, o Brasil corre o sério risco de isolar-se internacionalmente caso permaneça no fim da fila da vacinação ao longo do ano de 2021.
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