O debate sobre o projeto que acaba com a CLT é ideológico, sim, afirma diretora da CUT, enquanto empresários justificam que terceirizar as áreas é tendência mundialPor mais de três horas e meia, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), representantes das confederações da indústria (CNI), do comércio (CNC) e professores da USP – praticamente todos defensores do projeto de Lei 4330, que amplia a terceirização para todas as atividades, inclusive a atividade fim –, tentaram mostrar que o céu será maravilhoso quando uma empresa puder substituir um funcionário por outro terceirizado, ganhando menos e tendo menos direitos. Mas um balde de água fria foi jogado pela diretora da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Graça Costa, ao alertar que o projeto coloca em risco 36 milhões de trabalhadores que hoje têm carteira assinada.
A audiência foi solicitada pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que é empresário e já passou por partidos como o PSDB, o PTB e PPS e que tem uma atuação afinada com a cartilha do liberalismo. Ferraço disse que era necessário fazer uma audiência equilibrada, ouvindo todos os lados, porque o Senado Federal não havia até agora discutido esse “importante” projeto. Só que esse senador deu a informação pela metade – sabe-se lá por qual motivo –, justamente no momento em que entrou na sala o senador Paulo Paim (PT-RS).
Paim explicou a Ferraço e aos outros senadores presentes – todos empresários, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), Fernando Bezerra (PSB-PE), Ataídes Oliveira (PSDB-TO) e o ex-senador e presidente da CNI, Albano Franco (PE) – que já percorreu e realizou 17 audiências públicas em assembleias legislativas e mais de dez na Comissão de Direitos Humanos. “Portanto, estamos discutindo esse projeto, que é nocivo aos trabalhadores. Precisamos equiparar os terceirizados aos direitos que têm os com carteira assinada e não fazer o contrário”, afirmou.
O presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan, criticou aqueles que não defendem a terceirização e disse que neste momento de crise é uma saída. Também criticou transformar o debate numa disputa ideológica que, segundo ele, não deveria existir. “Em diversos países do mundo essa é a tendência, a terceirização. Na minha empresa (a Sadia), é claro que não vou terceirizar meu operador da máquina ou o engenheiro que faz a fórmula de um produto”, disse ele. Será?
Graça Costa foi pontual: “Não adianta Furlan tampar o céu com a peneira, como se diz lá no Nordeste. Existem trabalhadores efetivos e eles são mais de 36 milhões, que têm carteira assinada, e há 12 milhões de terceirizados. E a maioria desses recebe salários menores. A terceirização não está na melhor gestão. Isso é discurso. O projeto PL 4330, que aqui no Senado é PLC 30/2015, vai contra tudo o que a Constituição cidadã garantiu aos trabalhadores”, afirmou.
Ela apresentou disparidades que só quem é ou conhece alguma pessoa terceirizada sente na pele. O uniforme de um terceirizado é diferente de um efetivo da empresa; a forma de transporte; o vale de alimentação é menor, assim como o salário é menor para o homem e, mais ainda, para as mulheres. “Ficaria aqui duas, três horas elencando o rol de discriminação contra as pessoas. Não adianta negar. Não é discurso panfletário. A verdade é que todo o trabalhador terceirizado quer ser empregado permanente. O que os trabalhadores hoje não querem é ser terceirizados. Com esse projeto vamos perder e colocaremos o desenvolvimento em risco”, apontou Graça.
O representante da Força Sindical disse que a entidade está com a CUT, ou seja, seu posicionamento é contrário ao PLC 30/2015. O projeto inclusive resgata a possibilidade de todo o trabalhador ser contratado como pessoa jurídica, onde é obrigado a abrir uma empresa, fazendo ressuscitar a quarteirização. “Se hoje está difícil provar na Justiça quando uma terceirizada abandona o trabalhador, imagine na quarteirização, onde a empresa transfere sua responsabilidade numa cadeia que ninguém consegue pegar”, observou Graça Costa.
O professor Hélio Zylberstajn, da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, tentou amenizar e diminuir os comentários daqueles contrários ao projeto da terceirização. Citou um exemplo aqui, outro ali, e sobre precarização disse ser necessária separar o joio do trigo. Ele minimizou os estudos feitos pela CUT e pelo Dieese que faz pesquisas no mundo sindical, sobre a proporção de um terceirizado para quatro trabalhadores com carteira assinada. O estudo da CUT/Dieese aponta que os salários dos terceirizados são 27% menores do que os salários dos efetivos.
Segundo esse professor, um estudo que a FEA/USP está fazendo em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com base de dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), que mostra que a diferença salarial dos terceirizados para os efeitos é de somente 3%. “Precisamos comparar laranja com laranja”, disse ele mais de uma vez, como se o Dieese estivesse misturando os dados – o professor disse que conseguiu os dados da RAIS com base na lei de informações. “No debate atual, a questão da precarização, esse argumento se baseia metodologia na minha visão descuidada, por não levar em conta característica individual. Setores limpeza e vigilância, tira-se a média salarial, aí a magnitude da terceirização é enorme”.
Não é bem assim, porque quando Graça Costa mostrou que o maior número de acidente no trabalho acontece com os terceirizados, principalmente na manutenção de redes de eletricidade, Zylberstajn disse que, por si só, essa atividade é insegura. É mole?
Outro professor convidado por Ferraço foi José Pastore, também da FEA/USP. Ele também defendeu a terceirização e o projeto que veio da Câmara – que deverá ser rejeitado pelo Senado. Mas ele não defendeu pura e simplesmente, observou que é “impossível” negar que existe precarização nas relações trabalhistas dos terceirizados. “Não precisa fazer pesquisa. Todos conhecem centenas de casos, empresas que quebram e deixam os trabalhadores na mão. Temos a precarização celetista também”, disse ele.
Desafio
Paim fez um desafio na audiência para que os defensores da terceirização – o projeto PL 4330 tramitou por dez anos na Câmara. Ele disse que passa a defender a proposta na hora se alguém incluir um artigo fazendo com que os direitos trabalhistas dos terceirizados sejam idênticos, na forma e em tudo, aos direitos daqueles que têm carteira assinada. A sala ficou em silencio, inclusive Ferraço e os demais senadores empresários.
O senador petista disse que até mesmo empresários são contra o projeto, “porque dizem que como está não vai passar no Senado” por causa da insegurança jurídica. “Você foi franco, senador Ferraço, precisamos discutir mais o projeto, em todas as comissões. Sou relator na comissão especial, mas espero que sejam feitas várias audiências. Das 17 que realizei nos estados, em todas saiu uma carta contra o projeto que veio da Câmara e até dezembro concluirei os 27 estados brasileiros”, afirmou.
Marcello Antunes
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