O enfrentamento e a eliminação de toda forma de racismo é condição fundamental para a existência de uma democracia plena e consolidada. Esse é o mote da campanha “Racismo e democracia não andam juntos. Eu digo não ao racismo. E você?” lançada pela bancada do PT no Senado.
O mundo tem despertado, em meio à pandemia do novo Coronavírus, para o debate da desigualdade social e da discriminação racial. Dezenas de cidades ao redor do planeta tem realizado manifestações pelo fim do racismo. O estopim foi a morte cruel de George Floyd, cidadão norte-americano negro que foi asfixiado, já imobilizado, pelo joelho de um policial branco.
Mas o Brasil não está longe da realidade norte-americana de desigualdade e preconceito racial que chocou o mundo nas últimas semanas. De acordo com a edição de 2019 do Atlas da Violência, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 75,5% das vítimas de homicídio no País são negras, maior proporção da última década.
Já o informativo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgado em novembro do ano passado, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que a população negra tem 2,7 mais chances de ser vítima de assassinato do que os brancos.
“Precisamos de que o mundo lá fora nos paute para debatermos abertamente a questão do racismo. O debate tem que ser permanente, pacífico, inclusivo, educador, orientador, libertador. Não suportamos mais essa cultura e estrutura do Estado de violência, de racismo e de impunidade. Há grilhões a serem rompidos e há feridas expostas que ainda não cicatrizaram”, enfatiza o senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), e, atualmente, único senador negro dentre os 81 eleitos.
Criação de um fórum permanente
A bancada do PT no Senado, liderada pelo senador Rogério Carvalho (SE), se reuniu no início deste mês de junho, virtualmente, com lideranças dos movimentos negro, cigano e indígena. A ideia é manter um fórum permanente para discussão de estratégias de combate ao racismo e preconceito contra as minorias, além de trazer propostas voltadas para esses setores da sociedade. A iniciativa foi muito elogiada.
Lideranças do movimento negro apresentaram mais propostas de ação para realizarem, em parceria com a bancada, como por exemplo, um levantamento de todas as ações de desmonte das políticas públicas de inclusão social, em curso desde o golpe contra Dilma, pelo governo Temer e intensificadas por Bolsonaro.
Na reunião, realizada no último dia 11, foram traçadas estratégias para temas como: a rotação dos quilombolas de Alcântara (MA), a implementação da Lei 10. 639 – torna obrigatória a temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo escolar -, e a criação de uma emenda na Lei 7.716 – dos crimes preconceito de raça ou de cor -, para que essa lei fosse mais dura em relação aos racistas.
“No meu entendimento, seria necessária uma nova lei para torná-la a mais rígida, na Lei atual o crime de racismo no Brasil é imprescritível e inafiançável, pergunto eu, você conhece alguém que foi preso e condenado por este crime? O fato que qualquer advogado modifica o crime para injúria racial e ameniza a penalidade, é hora de mudar”, afirmou Almir Aguiar, secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT.
Os representantes da sociedade civil que participaram da reunião também solicitaram aos senadores que façam denúncias aos órgãos internacionais de Direitos Humanos como Organização dos Estados Americanos (OEA) e Organização das Nações Unidas (ONU) em relação ao genocídio da juventude negra.
“O preconceito e a discriminação podem ser sentidos no dia a dia, na falta de moradia decente, no fato de o negro e o pobre serem vigiados até quando caminham, na tortura e nos assassinatos nas favelas e periferias, onde a repressão é oficial”, disse o senador Paulo Paim.
Coalizão negra por direitos
A campanha “Enquanto houver racismo não haverá democracia” promovida pela Coalizão Negra por Direitos, reúne mais de 100 entidades do movimento negro de todo o País, em parceria com os coletivos Legítima Defesa e Frente 3 de Fevereiro. A iniciativa busca coletar assinaturas para promover uma “frente ampla” em torno de ações de combate ao racismo e a cobrança junto ao poder público de direitos como educação, emprego e segurança.
“Tem se falado muito em repactuar, de criar um pacto democrático no Brasil. Mas não existe possibilidade nenhuma de pensar a democracia real no País se o racismo não for um ponto central”, explicou Eugênio Lima, fundador do Legítima Defesa e Frente 3 de Fevereiro e um dos articuladores da iniciativa, em entrevista ao El País Brasil
“Os desmandos do governo Bolsonaro são nítidos, mas isso não é uma pauta apenas de governo. É uma pauta para a sociedade brasileira. Neste momento em que se discute como a gente pode pensar numa nova estrutura democrática para a sociedade, não existe democracia sem o combate ao racismo”, afirmou Lima.
Votação de projetos
Movimentos sociais, como a EducAfro, elogiaram, durante a reunião com os parlamentares, a realização da CPI dos Jovens Negros, que teve como relator o ex-senador Lindbergh Farias.
Levantamento feito pelo colegiado aponta que a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. Todo ano, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são mortos.
“A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Isso equivale à queda de um jato cheio de jovens negros a cada dois dias. Genocídio da população negra é a expressão que melhor se enquadra à realidade atual do Brasil”, disse o relator da CPI, senador Lindbergh Farias, em junho de 2016, no encerramento das atividades da CPI.
O relatório final sugere três principais ações: um Plano Nacional de Redução de Homicídios de Jovens, transparência de dados sobre segurança pública e violência e fim dos autos de resistência (termo utilizado por policiais que alegam estar se defendendo ao matar um suspeito). A desmilitarização da polícia é outra recomendação do documento.
Um dos questionamentos da EducAfro é justamente a falta de andamento das proposições apresentadas pela CPI. Em carta aos partidos políticos, a entidade reclama que as propostas foram “engavetadas” pelos presidentes da Câmara e do Senado e pedem que o Colégio de Líderes delibere a autorização para votação das matérias.
Os movimentos também defendem a aprovação do PL 7582/2014 – da deputada Maria do Rosário – que define dos crimes de ódio e intolerância e a cria mecanismos para coibir sua prática.