Especialistas criticaram nesta segunda-feira (11), em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH), as regras para aposentadoria de trabalhadoras e trabalhadores rurais contida na proposta de reforma da Previdência (PEC 6/2019) enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso Nacional.
O governo propôs idade mínima de 60 anos para homens e mulheres terem acesso a aposentadoria rural. Pela regra atual, a idade mínima para homens é de 60 anos e para mulheres de 55 anos.
Pela proposta de Bolsonaro, os trabalhadores rurais vão precisar de pelo menos 20 anos de contribuição. Já a regra atual não prevê tempo de contribuição, mas apenas um tempo mínimo de atividade rural de 15 anos.
Além disso, a contribuição do trabalhador rural pode incidir sobre o salário ou sobre a produção. Esses contribuintes especiais contribuem com uma alíquota de 1,7% sobre o valor de venda da produção agrícola.
Evandro José Morello, assessor jurídico para assuntos previdenciários da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), explicou que a jornada de trabalho no campo varia entre 12 e 14 horas por dia e, no caso da mulher, inclui a dupla e, às vezes, até a tripla jornada de trabalho (estudos, trabalho e afazeres domésticos).
De acordo com dados de 2014, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, 70,2% das mulheres que estão, atualmente, trabalhando no campo, começaram a trabalhar com até 14 anos de idade. Na regra atual para aposentadoria, essas mulheres teriam de trabalhar em torno de 41 anos, segundo Evandro.
“Ao propor o aumento de idade para aposentadoria dessas mulheres para os 60 anos de idade, essas mulheres teriam de trabalhar em torno de 46 anos no campo para terem condições de aposentadoria. Dificilmente vamos ver muitas mulheres alcançando essa idade para se aposentar. Isso, sem falar, da expectativa de vida que varia muito pelo País. Em alguns municípios, a expectativa de vida da população não passa dos 63 anos. É preciso levar isso em consideração”, disse o representante da Contag.
A agricultora familiar, Cleonice Back, coordenadora estadual da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), afirmou que a proposta de reforma apresentada pelo governo tem a intenção de acabar com a aposentadoria rural.
“No momento em que o governo exige um valor mínimo de contribuição, não tenho dúvida, de que mais de 60% dos agricultores do País não vão ter condições de cumprir essa exigência e serão excluídos do sistema previdenciário e deixarão de ser segurados especiais. A mudança de idade da aposentadoria das mulheres mostra que o governo não tem a mínima noção do que é o cotidiano de uma mulher agricultora. Aos 55 anos, as mulheres agricultoras já não têm mais condições de trabalho”, criticou.
Para o presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), a cada análise feita e dados apresentados por especialistas, fica mais evidente que as mulheres da área rural deverão ser um dos grupos mais prejudicados caso o Congresso Nacional aprove a PEC 6/2019 da forma como foi apresentada pelo governo Bolsonaro.
“Todas as informações que temos deixam muito claro que as mulheres são as grandes prejudicadas [com essa reforma], principalmente as [mulheres] da área rural”, destacou.
Os convidados também teceram críticas a Medida Provisória (MP 871). Editada pelo governo sob pretexto de coibir fraudes no sistema previdenciário, a medida, na avaliação dos especialistas apenas dificulta o acesso de trabalhadores rurais e assalariados da iniciativa privada a benefícios como auxílio-doença, salário-maternidade e pensões.
Uma das mudanças mais criticadas pelos trabalhadores rurais é a exclusão dos sindicatos como fornecedores de Declaração de Atividade Rural, o que irá dificultar o acesso de milhares de trabalhadores ao benefício. Pela MP, o trabalhador rural só poderá solicitar a comprovação nas Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), que não estão presentes em todos os municípios brasileiros.
Essas alterações devem promover o aumento da pobreza no campo, a intensificação do êxodo rural e ampliar o risco na segurança alimentar da sociedade brasileira já que o benefício previdenciário é um estimulo e uma espécie de seguro para os agricultores familiares manterem-se no campo produzindo alimentos.
Posição do governo
O senador ainda explicou que entrou em contato com o secretário de Previdência do governo Bolsonaro, o ex-deputado Rogério Marinho. Segundo Paim, o secretário ficou de agendar uma data para expor a posição oficial do governo acerca da proposta de reforma do sistema previdenciário.
“Está muito claro que essa reforma do jeito que está não passa. Nem o governo tem dúvida sobre isso. Eles [governistas] vão ter que se debruçar em outro projeto. Nós, inclusive, temos sugestões, baseados na CPI da Previdência, para apontar um caminho. Não há motivo nenhum para não aprofundarmos esse debate”, disse o senador Paim.