No sábado (4), véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente, um debate em São Paulo reuniu os pré-candidatos à Presidência e à Vice-Presidência da República, Lula e Alckmin, com especialistas em meio ambiente e parlamentares ligados a essa área. Em pauta, o debate de um novo modelo de desenvolvimento para o país e a adoção de uma política de Estado voltada à preservação ambiental. Mas, antes, estudam-se decisões que interrompam o ciclo de destruição que marca o Brasil desde o golpe contra o governo Dilma, em 2016, fortemente acentuado a partir de 2019. O antídoto é a retomada imediata do trabalho de órgãos como ICMBio, Ibama e Funai, que foram esmagados pelo atual governo. Caso Lula seja eleito presidente em outubro, essas e outras medidas podem ser tomadas numa espécie de “Dia do Revogaço”, que implodiria o perverso modelo bolsonarista.
Para o presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), senador Jaques Wagner (PT-BA), essa mudança é fundamental para que o país reconquiste o protagonismo perdido nas discussões internacionais.
“A credibilidade internacional do Brasil, construída nos governos PT, acabou. Ninguém acredita mais no que falam sobre combate ao desmatamento. Na COP26, o Brasil não foi chamado para facilitar nenhuma conversa importante entre países, ao contrário do que acontecia sempre que haviam entraves políticos nas conferências. O país hoje está na contramão da prática de outros países que protegem suas florestas, águas, biodiversidade e seu povo. Somente um governo genuinamente democrático poderá lançar luz e fazer com que a verdadeira política ambiental seja retomada no Brasil”, sentenciou Jaques Wagner.
A lista de retrocessos que deu causa à corrosão dessa credibilidade é grande, e envolve crimes. Alguns deles foram comentados pelo secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, presente no debate de sábado.
“Atualmente, quase um terço do desmatamento na Amazônia é provocado por roubo de terra pública, grilagem mesmo. Tivemos um aumento de invasão de terras indígenas de 137%, são empresários que estão lá, com investimentos de 60, 70 milhões de reais nesse tipo de crime, que fazem a população local de refém. E tivemos como resposta do atual governo a paralisação de multas. Desde outubro de 2019 ninguém paga multa ambiental nesse país. O governo criou uma câmara de conciliação para paralisar a cobrança de multas. Não existe um ambiente mais favorável ao crime organizado que o proporcionado pelo atual governo. É um governo que se associou, é parceiro do crime ambiental”, denunciou Astrini.
Com a experiência de 27 anos como delegado, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) listou três elementos preponderantes para mitigar e reduzir esse tipo de prática e que foram ignorados de 2019 para cá.
“Primeiro: fiscalização. Mas o Ministério do Meio Ambiente está enfraquecendo o Ibama e o ICMBio, tanto que caiu drasticamente o número de autos de infração por crime ambiental no Brasil, porque foram abandonadas as políticas de combate a incêndios. Segundo: educação. O Ministério do Meio Ambiente acabou com o Departamento de Educação Ambiental. Terceiro: legislação, porque ninguém fica preso no Brasil por crime ambiental. Essa é a certeza da impunidade, e quem paga a conta somos todos nós e as futuras gerações”, explicou o senador.
O desmonte dos órgãos de controle e fiscalização e da legislação do setor foi atacado também pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que prega resistência no Congresso.
“A opinião pública mundial nos aponta o dedo. O atual governo vem num processo de desmonte de toda a legislação que foi alcançada. Daí a importância de o Congresso Nacional atuar de forma efetiva e dura. Devemos priorizar projetos, leis e políticas públicas eficazes de preservação, proteção e fiscalização ambiental que possibilitem o desenvolvimento sustentável com soberania”, propôs Paim, preocupado também com os demais biomas do país.
De fato, os números são alarmantes. Segundo Marcio Astrini, o desmatamento na Amazônia cresceu 76% de 2019 para cá; no Cerrado, que tem vegetação menos densa, esse aumento ainda assim foi de 17%; na Mata Atlântica, puseram abaixo dois terços mais de árvores do que em 2018. Também não para de subir a emissão de gases de efeito estufa, inclusive em razão do índice crescente de desmatamento. Conforme o Observatório do Clima, o aumento foi de 10% em 2019 e de 9,5% em 2020. Os números do ano passado ainda não foram fechados.
O antes e o depois
Tanto no debate com ambientalistas quanto na projeção dos senadores do PT, a comparação entre dois momentos tão distintos vividos pelo Brasil foi inevitável. Com a eleição de Lula, em 2002, inaugurou-se um período em que as políticas para o meio ambiente foram acentuadas. E tornaram o Brasil uma referência internacional nas metas assumidas e nas formas de controle do desmatamento, de preservação das florestas e de cuidado com os povos indígenas. Em 2004, foi criado o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Entre as ferramentas dessa política, surgiu o sistema de monitoramento (Deter) criado pelo INPE, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, para apontar alterações na cobertura florestal e, assim, permitir a rápida ação de fiscais em terra para frear a devastação em andamento. Pesquisas apontam que, sem essas medidas, a área desmatada da Amazônia teria sido quase cinco vezes maior do que a observada entre 2007 e 2016.
Também no governo Lula foi criado, em 2008, o Fundo Amazônia, uma parceria pela preservação daquela região, com regras bem definidas e bons projetos. Até 2019, o programa recebeu cerca de R$ 3,4 bilhões da Noruega, Alemanha e da Petrobras. Foi quando a parceria minguou, já que os dois países não aceitaram a intervenção de Bolsonaro sobre o comitê de controle do Fundo. Por falar na Amazônia, nos governos do PT havia uma condição para obter crédito rural: o certificado de regularidade ambiental, uma forma de não usar dinheiro público para financiar a derrubada da floresta.
“Os governos do PT garantiram ao país um aparato legislativo, político e operacional de defesa dos recursos naturais que foi reconhecido pelo mundo. Todo esse legado de combate ao desmatamento e preservação de biomas foi demolido pelos governos Temer e Bolsonaro”, cotejou o senador Fabiano Contarato (PT-ES), dando como exemplo a explosão do uso de agrotóxicos na lavoura nos últimos anos.
“É preciso gestão técnica nas políticas ambientais, mas o governo federal tem uma visão completamente míope e distorcida. Temos estudos que mostram que os agrotóxicos liberados pelo governo federal ocasionam a morte de muitas pessoas, sem falar em abortamento, proliferação de câncer, deformidade da vida humana intraútero. Portanto, uma pauta totalmente antiambiental traz custos públicos para o Sistema Único de Saúde”, completou.
Novos caminhos
As bancadas do PT no Congresso têm patrocinado e participado de debates sobre propostas ao plano de governo e que se agrupariam no capítulo do Desenvolvimento Econômico, Sustentabilidade Socioambiental e Combate à Crise Climática. Fabiano Contarato é um dos defensores dessa transição ecológica.
“A importância econômica da biodiversidade se traduz em números. Produtos derivados dos serviços ambientais da biodiversidade, como a produção de chuvas e polinização, respondem por mais de 30% das exportações brasileiras, com destaque para o café, a soja e a laranja. As atividades de extrativismo florestal e pesqueiro empregam mais de três milhões de pessoas. A biomassa vegetal, incluindo o etanol da cana-de-açúcar, e a lenha e o carvão derivados de florestas nativas e plantadas respondem por 30% da matriz energética nacional – e em determinadas regiões, como o Nordeste, atendem a mais da metade da demanda energética industrial e residencial. Além disso, grande parte da população brasileira faz uso de plantas medicinais para tratar seus problemas de saúde”, exemplificou o senador.
Essa mudança é defendida de forma radical pelo professor e pesquisador Carlos Nobre, uma das referências nessa área. Ele prega o aproveitamento da biodiversidade e da sociodiversidade da Amazônia, ou, como ele próprio explica, “o Brasil tem o potencial de ser a primeira potência mundial em biodiversidade. Esse é o caminho dessa nova economia, que demanda muita ciência e tecnologia, com a valorização dos povos originários, mantendo a floresta em pé”.
Entusiasta dessa transformação, que gera empregos enquanto preserva as florestas, Fabiano Contarato dá outro exemplo: “A China esteve aqui no Brasil e disse: ‘Nós acreditamos na economia verde’. Esse é o comportamento político mundial, esse é o momento que dita as regras no planeta. Nós temos, perfeitamente, a possibilidade de fazer essa adequação, de caminhar de mãos dadas com sustentabilidade, alavancando a economia, reduzindo desigualdade, dando condições para essas populações que vivem nesses locais e preservam o meio ambiente”.