Justiça

Rumo à cadeia: depoentes entram em contradição, mas confirmam veia golpista de Bolsonaro

Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal ouviu durante dois dias os réus do considerado núcleo crucial da trama golpista articulada no governo anterior

Antonio Augusto/STF

Rumo à cadeia: depoentes entram em contradição, mas confirmam veia golpista de Bolsonaro

Ex-presidente Jair Bolsonaro durante depoimento no STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na noite desta terça-feira (10/6) a oitiva dos réus da Ação Penal (AP 2668) que apura a tentativa de golpe de Estado. Durante dois dias, o ex-presidente Jair Bolsonaro e os demais réus ouvidos tentaram, sem sucesso, se descolar da trama golpista articulada durante o governo Bolsonaro e que culminou no ataque aos prédios dos Poderes da República em 8 de janeiro de 2023.

O réu delator, tenente-coronel Mauro Cid afirmou em seu depoimento que o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro teve participação ativa na articulação para tentar interromper a democracia no Brasil. Segundo Cid, Bolsonaro recebeu e editou uma minuta golpista que previa a decretação de estado de sítio no Brasil, a prisão de autoridades, e a consequente anulação do resultado das eleições.

“Foi levado esse documento ao presidente. O documento consistia em duas partes. A primeira parte eram os considerandos. Dez, onze, doze páginas, muito robusto. Esses considerandos listavam as possíveis interferências do STF e TSE no governo Bolsonaro e nas eleições. Na segunda parte, entrava em uma área mais jurídica, estado de defesa, estado de sítio e prisão de autoridades”, afirmou.

“Ele, de certa forma, enxugou o documento. Basicamente, retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor [Alexandre de Moraes] ficaria como preso”, completou o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

O ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres tentou minimizar sua participação na trama golpista, mas confirmou a existência do documento golpista. Uma cópia, inclusive, foi encontrada pela Polícia Federal em seu aparelho celular.

“Eu realmente nem me lembrava dessa minuta. Me lembrei quando foi apreendido pela Polícia Federal. Foi uma surpresa. O senhor, não sei se estava acompanhando, mas isso era voz corrente na Esplanada dos Ministérios”, afirmou o ex-ministro sobre o documento que iria concretizar o golpe.

Questionado pelo ministro Alexandre de Moraes, já nesta terça-feira, o ex-presidente Jair Bolsonaro disse desconhecer a minuta e chegou a afirmar que a medida seria danosa para o país.

Apesar de negar a existência da minuta golpista, Bolsonaro admitiu ter discutido com a cúpula das Forças Armadas a decretação de um estado de sítio após o Partido Liberal (PL) ter sido multado em R$ 22 milhões por questionar sem provas a segurança do sistema eletrônico de votação.

“Eu ouvi o Paulo Sérgio (ministro da Defesa), ouvi o Freire Gomes (então comandante do Exército), ouvi o Garnier (Marinha) e não pude ouvir muito o Baptista Júnior (Força Aérea) porque ele pouco falava. Ele nem leu a minuta que ele acusa, nem chegou a ler aquele assunto. E eu confesso que muita coisa que eles falaram eu absorvi e chegou à conclusão rapidamente que não tinha mais o que fazer”, disse durante o depoimento.

Em seu depoimento, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier também confirmou ter participado de reuniões no Palácio da Alvorada, com Jair Bolsonaro, em dezembro de 2022. Em uma delas, em 7 de dezembro, Garnier confirmou que foram discutidas medidas de “garantia da lei e da ordem”.

Essa é a data em que, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), o então presidente discutiu a minuta golpista com os comandantes do Exército e da Marinha, além do então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira.

Bolsonaro volta a atacar sistema eleitoral

Sob os holofotes, Jair Bolsonaro repetiu ataques infundados contra o sistema eleitoral brasileiro e as urnas eletrônicas. Segundo ele, a desconfiança com relação às urnas eletrônicas não é algo privativo.

Numa nova tentativa de se descolar da ação golpista, Bolsonaro chegou a chamar seus apoiadores de “malucos”.

“Tem os malucos que ficam com essa ideia de AI-5, de intervenção militar das Forças Armadas… que os chefes das Forças Armadas jamais iam embarcar nessa só porque o pessoal estava pedindo ali”, afirmou o ex-presidente.

Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi perguntado, dentre outros temas, sobre arquivo em que contesta o resultado das eleições de 2022 e defende a vitória de Jair Bolsonaro. Segundo ele, o documento seria um rascunho pessoal e que não chegou a ser enviado ao ex-presidente.  

Ramagem também declarou que seus ataques ao sistema de votação não refletem seu pensamento real. “Houve duas publicações minhas no Twitter que diferem do meu pensamento sobre as urnas”, afirmou Ramagem. “No meu particular, quando eu coloco um ataque, é uma forma de argumentar. Mas isso não quer dizer que eu tenho passado, encaminhado esses documentos”.

Heleno comete ato falho, e golpista

O general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) permaneceu em silêncio nos questionamentos do ministro Alexandre de Moraes. Mas, ao responder seu próprio advogado, Heleno cometeu sincericídio ao afirmar que “não havia clima” para orientar instituições a produzirem relatórios com informações falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro.

“O senhor nunca defendeu medidas inconstitucionais?”, questionou o advogado, a certa altura: “Não havia oportunidades”, retrucou Heleno, deixando o advogado contrariado.

Ex-ministro da Defesa confirma encontro com hacker

O ex-ministro da Defesa, Paulo Sergio Nogueira confirmou ter recebido o hacker Walter Delgatti Neto no Ministério da Defesa a pedido de Bolsonaro.

Segundo ele, Bolsonaro ligou e pediu que Delgatti fosse recebido no Ministério da Defesa para ver se ele tinha “algo a acrescentar” sobre as urnas eletrônicas.

Divergência entre Braga Netto e Mauro Cid

O general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil no governo Bolsonaro negou ter entregado dinheiro vivo para custear ações da suposta tentativa de golpe de Estado.

A afirmação do general confronta o depoimento dado pelo delator Mauro Cid. Segundo o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, ele teria recebido uma caixa de vinho com dinheiro das mãos de Braga Netto no fim de 2022, no Palácio da Alvorada. A quantia, de acordo com as investigações, seria destinada ao financiamento de atos golpistas que culminaram no 8 de janeiro.

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