Foi adiada para a próxima semana a decisão do Senado Federal sobre uma inovação nas bases da economia brasileira, estabelecidas no projeto (PLC 2/2015) do novo Marco da Biodiversidade. Com uma manobra regimental, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) conseguiu impedir a finalização da votação do parecer do senador Jorge Viana (PT-AC) sobre a matéria, já aprovado por unanimidade, ficando pendentes três destaques.
Além desse estratagema para ganhar tempo e tentar convencer outros senadores a rejeitar melhorias promovidas por Viana no projeto, o ruralista ainda forçou um acordo para que os destaques pendentes sejam votados nominalmente, o que é dispensado pelo regimento.
Quando relator da matéria na Comissão de Meio Ambiente (CMA), Jorge Viana promoveu 15 alterações no projeto aprovado na Câmara dos Deputados. A maioria delas para beneficiar os cerca 4,5 milhões de brasileiros que fazem parte das comunidades tradicionais do País – representadas por caboclos, caiçaras, extrativistas, indígenas, pescadores, quilombolas e ribeirinhos.
Mesmo “preservando todos os pontos vinculados ao agronegócio”, como observou Jorge Viana durante análise na CMA, Caiado investe contra as comunidades tradicionais. O ruralista patrocina uma confusão de conceitos e ensaia dificultar o ganho financeiro dessas comunidades, a partir seus conhecimentos da natureza.
“Populações indígenas” versus “povos indígenas”
“Marco da Biodiversidade vai mudar a relação do Brasil com suas riquezas naturais e estabelecer as bases de uma nova economia”, diz Jorge VianaO principal questionamento de Ronaldo Caiado se dá no uso do termo “povos indígenas” ao invés de “populações indígenas” no novo Marco da Biodiversidade. Argumenta o ruralista que a adoção de “povo” fere a Constituição Federal e ameaça a soberania nacional. Mas ao contrário do que diz o senador, na Carta Magna não há definição de povo, sua referência aparece tão somente no preâmbulo da legislação; portanto não é norma jurídica, segundo os constitucionalistas.
“O que percebo são as forças produtivas tentando prejudicar de verdade aqueles que são detentores do conhecimento, que são as comunidades tradicionais; as comunidades indígenas”, rebateu o senador Telmário Mota (PDT-RR), quando Caiado forçou a mesma discussão na expectativa de atrasar a votação do relatório do pedetista na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT).
Na realidade, o termo “povos indígenas” é mais adequado, uma vez que o Brasil é signatário da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que orienta a sua adoção, como forma de reconhecimento a esta comunidade histórica.
Ganho comercial sobre os saberes tradicionais
Passados de geração em geração ao longo dos séculos, os saberes tradicionais têm alto potencial econômico e, historicamente, são explorados inadequadamente. Jorge Viana corrige esta distorção ao estabelecer, no projeto, a obrigatoriedade de repartir o lucro dos produtos resultantes do uso de um conhecimento tradicional, mesmo que não esteja entre os principais elementos de agregação de valor.
Ronaldo Caiado, por outro lado, tenta resgatar o texto da Câmara que prevê repartição de benefício obrigatória apenas quando o componente da biodiversidade brasileira ou do conhecimento tradicional for um dos elementos principais de agregação de valor do produto final. Para ele, o texto de Viana desestimula o aproveitamento da biodiversidade pelas indústrias farmacêuticas, de cosméticos e ligadas ao agronegócio.
Desconhece o ruralista que 40% por cento dos medicamentos disponíveis como terapêuticos foram desenvolvidos de fontes naturais: 25% são provenientes de plantas, 13% de microorganismos e 13% de animais. Além disso, mais de 70% dos medicamentos prescritos e vendidos no mundo para o enfrentamento dos cânceres são desenvolvidos a partir de produtos naturais.
Se o Brasil, hoje, permanece à margem desse mercado que movimenta trilhões de dólares é justamente por falta de uma regra clara sobre o acesso à biodiversidade. “Tivemos a criminalização da pesquisa científica e de empresas de boa-fé que procuraram desenvolver produtos a partir do conhecimento tradicional ou do acesso à biodiversidade”, destacou Viana ao defender o projeto em plenário.
O Marco
O Marco da Biodiversidade nasceu da preocupação de impulsionar o aproveitamento da biodiversidade brasileira. O governo federal detectou que a legislação em vigor (Medida Provisória 2.186-16/2001), criada para conter a biopirataria, acabou por desestimular o desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas acerca do patrimônio natural e das comunidades tradicionais brasileiras, em função da burocracia e do excesso de restrições.
Em números, isso quer dizer que o País G1 em biodiversidade – com 20% da biodiversidade do planeta – e detentor da 13º colocação no ranking de publicações científicas do planeta não produz nem 5% do conhecimento científico e do reconhecimento acadêmico dessa riqueza nacional. O que reflete diretamente na nossa economia, cuja base são commodities que sequer fazem parte do nosso recurso natural.
“A cana-de-açúcar, que é tão importante na economia brasileira, é proveniente de Nova Guiné; o café, da Etiópia; o arroz, das Filipinas; a soja e a laranja, da China; o cacau, do México. O trigo é asiático, a silvicultura tem como base o eucalipto australiano. Os bovinos são da Índia; os equinos, da Ásia. Os capins são africanos”, ponderou Jorge Viana. “Essa é a base da economia do agronegócio brasileiro. Toda ela, inclusive o capim, está baseada no uso de espécies exóticas ao nosso País”, completou.
O senador petista também ressaltou que a discussão sobre o novo Marco da Biodiversidade do Brasil está sendo acompanhada pelo mundo inteiro, que utiliza as leis ambientais brasileiras como “faróis”. Viana ainda avaliou que o projeto “vai mudar o Brasil”. “Essa matéria vai mudar a relação do Brasil com suas riquezas, vai estabelecer as bases de uma nova economia para o nosso País, vai fazer com que haja justiça social e respeito ao nosso patrimônio natural”, sustentou.
Catharine Rocha
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