Saberes dos povos tradicionais e biodiversidade poderão ser fonte de renda

Os produtos nacionais ou importados que tenham em sua fórmula quaisquer componentes oriundos da biodiversidade ou dos conhecimentos das comunidades tradicionais do Brasil deverão agregar riqueza ao País e contribuir para o desenvolvimento regional. As diretrizes para que isto aconteça foram delineadas pelo senador Jorge Viana (PT-AC) no projeto do novo Marco da Biodiversidade (PLC 2/2015), e confirmadas pelo plenário do Senado Federal nesta quarta-feira (15). O texto agora segue para a Câmara dos Deputados.

Mesmo a medida não representando nenhuma perda ao agronegócio, o ruralista Ronaldo Caiado (DEM-GO) liderou um bloco dos contrários e assinou uma proposta que tinha a finalidade de anular a contribuição de Viana. Argumentou, o oposicionista, que o País deveria receber apenas quando o elemento brasileiro utilizado for “o principal” da fórmula.

Na prática, a posição de Caiado atendia exclusivamente aos interesses do setor industrial, que ficaria dispensado de repartir, em até 1%, o lucro com os donos do conhecimento ou de uma das matérias-primas. O senador Walter Pinheiro (PT-BA) fez questão de recordar o colega de que tudo o que é usado em um produto ajuda a agregar valor e computado na hora de precifica-lo. “Todos os elementos contribuem para o efeito de um produto, seja ele visual, estético, medicinal”, afirmou Pinheiro.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) também observou que a aprovação da medida de Viana era importante para dar coesão a legislação. Afinal, na noite anterior, o plenário do Senado decidiu, à revelia de Caiado, tornar obrigatório o repasse de parte do lucro obtido na comercialização de produtos resultantes do uso de um saber tradicional, ainda que este não esteja entre os principais elementos de agregação de valor. “Temos que aprovar essa emenda, se não teremos um texto completamente Frankenstein”, ressaltou o petista, pouco antes do painel do Senado mostrar a derrota do ruralista por um voto de diferença – 30 a 29, com duas abstenções.

O conhecimento das comunidades tradicionais – representadas por caboclos, caiçaras, extrativistas, indígenas, pescadores, quilombolas e ribeirinhos – é passado de geração em geração ao longo dos séculos e tem alto potencial econômico. Mas, historicamente, é explorado inadequadamente, sem reverter benefícios para os cerca de 4,5 milhões dos brasileiros que fazem parte dessas comunidades ou levar desenvolvimento para a região que habitam.

Mais uma vez em consonância com o lobby das indústrias, Caiado ainda tentou reduzir os benefícios financeiros a que o País tem direito. Ele propôs sustar outra emenda de Jorge Viana, que garante a repartição dos lucros de produtos desenvolvidos a partir do acesso ao conhecimento tradicional ou elemento da natureza feito antes de 2000 – a data corresponde à edição da primeira Medida Provisória sobre o tema. Mas o plenário do Senado impôs nova derrota ao ruralista, por 32 a 29 votos.

Agora a decisão está nas mãos dos deputados

As duas modificações mantidas pelos senadores no novo Marco da Biodiversidade se somam as outras oito, inicialmente aprovadas no início da discussão em plenário, no último dia 8. Como isso, o projeto precisa ser reexaminado pelos deputados, antes de seguir para a sanção presidencial. Como a tramitação corre em regime de urgência, o texto volta para Câmara trancando a pauta.

O Marco

O Marco da Biodiversidade nasceu da preocupação de impulsionar o aproveitamento da biodiversidade brasileira, na geração de conhecimento, emprego e riqueza. O governo federal detectou que a legislação em vigor (Medida Provisória 2.186-16/2001), criada para conter a biopirataria, acabou por desestimular o desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas acerca do patrimônio natural e das comunidades tradicionais brasileiras, em função da burocracia e do excesso de restrições.

Em números, isso quer dizer que o País G1 em biodiversidade – com 20% da biodiversidade do planeta – e detentor da 13º colocação no ranking de publicações científicas do planeta não produz nem 5% do conhecimento científico e do reconhecimento acadêmico dessa riqueza nacional. O que reflete diretamente na nossa economia, cuja base são commodities que sequer fazem parte do nosso recurso natural.

“A cana-de-açúcar, que é tão importante na economia brasileira, é proveniente de Nova Guiné; o café, da Etiópia; o arroz, das Filipinas; a soja e a laranja, da China; o cacau, do México. O trigo é asiático, a silvicultura tem como base o eucalipto australiano. Os bovinos são da Índia; os equinos, da Ásia. Os capins são africanos”, ponderou Jorge Viana, ao defender o projeto na semana passada. “Essa é a base da economia do agronegócio brasileiro. Toda ela, inclusive o capim, está baseada no uso de espécies exóticas ao nosso País”, completou.

O senador petista também chegou a ressaltar que a discussão sobre o novo Marco da Biodiversidade do Brasil está sendo acompanhada pelo mundo inteiro, que utiliza as leis ambientais brasileiras como “faróis”. Viana ainda avaliou que o projeto “vai mudar o Brasil”. “Essa matéria vai mudar a relação do Brasil com suas riquezas, vai estabelecer as bases de uma nova economia para o nosso País, vai fazer com que haja justiça social e respeito ao nosso patrimônio natural”, sustentou.

Catharine Rocha

 

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